Com certeza vocês já ouviram dois lados da moeda pra falar da política Imperial, seja a que fala que era uma Monarquia opressora e retrógrada como também a de que era uma Democracia à época, daí fiz esse pequeno quadro pra vocês, que pode ser útil pra julgar e tirarem as próprias conclusões.
Primeiramente, para dizer se o Império era ou não democrático, considere duas coisas:
- O contexto da época e o que era entendido como "democrático";
- Como as nações incorporavam instituições ou valores que hoje consideramos democráticos.
A DIVISÃO DE PODERES
Nunca houve divisão formal dos poderes da Coroa. Diferente dos EUA ou demais países que fizeram divisão formal, o Reino Unido não tem uma Constituição escrita, mas sim leis pulverizadas que foram constituindo as instituições nacionais.
O Reino Unido opera por soberania parlamentar, não por Poderes divididos, o que significa que o que temos por executivo, judiciário e legislativo são operados pelo Parlamento, que é composto do Monarca, Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes.
Há diversas interpretações desse arranjo, há quem teorize um grande legislativo, uma divisão tripartite informal, um absolutismo controlado ou ainda vários poderes não estabelecidos exercidos de outras formas, que é uma das bases da teoria de Benjamin Constant para propor seus 5 poderes (que influenciaram a Constituição do Império), embora a lei britânica não aponte divisão do exercício de poderes, que emanam da Monarquia.
ESTADOS UNIDOS
Vocês já conhecem bem a divisão de poderes da República americana, os 3 principais baseados na divisão proposta por Montesquieu que também regem o Brasil hoje, apesar de diversas notas e visões que podem ser traçadas a partir dela.
FRANÇA
Quase idêntica aos Estados Unidos, porém ao ano dado, que é 1885, a França já estava iniciando os passos para o semi-presidencialismo, em que o poder executivo estava dividido entre o Presidente do Conselho de Ministros e o Presidente da República.
O último nomeava o primeiro e era eleito indiretamente pelo próprio poder legislativo, mas apesar dessas diferenças, a divisão de poderes na França era consideravelmente sólida
BRASIL
Também devem conhecer como era a divisão de poderes no Império, os 3 principais mais o Moderador, como prerrogativa privativa do Imperador, mas para analisar como era, é preciso entender a teoria de Constant e como o Império se desenvolveu a partir disso.
No livro "Princípios de Política", ele desenvolve uma teoria a partir da Constituição restauradora pós derrota de Napoleão, que advoga uma Monarquia Constitucional, a liberdade entendida pelos princípios da Revolução Francesa e o modo com que se deve operar o país com tais elementos.
Contrariamente ao Reino Unido, a Monarquia Benjamina não é Parlamentarista, pois propõe um Monarca chefe máximo do executivo, que nomeia ministros para exercê-lo.
O curioso é que a Monarquia de Constant prevê a divisão do executivo em vários presidentes, especializados na atuação que respondem somente ao monarca. Zero é a participação popular nas decisões executivas, porém no Congresso é quase total.
A partir da formação das leis, a liberdade é mantida por um Legislativo popular que submete a própria Monarquia às leis. Quando o Império é formado, Dom Pedro I aplica estes princípios na Constituição. A Monarquia no Primeiro Reinado poderia ser categorizada como "presidencialista" devido aos poderes conferidos ao Imperador no executivo e moderador.
Porém, a situação muda após o decreto de 1847, que criara a posição de Presidente do Conselho de Ministros, que seria responsável por exercer as funções executivas em nome do Imperador, tornando o Brasil em um país Parlamentarista.
ELEIÇÃO DO CONGRESSO
Senado
INGLATERRA: Casa dos Lordes
É vitalício e nomeado. Sempre foi reservada para a nobreza. Diferente do Brasil, os títulos são hereditários no Reino Unido e muitos assentos na câmara são hereditários, porém podem ser cedidos pelo Monarca ou realocados a depender da situação que a lei estabelece.
EUA: Senado
Desde a independência, os EUA deram uma relativa vantagem com relação à composição do Senado. Com um compromisso dos Federalistas com os Antifederalistas, o Senado seria composto de membros com mandato de 6 anos, porém seriam eleitos pelos Estados e as assembleias internas.
A eleição popular para Senadores por lá viria no início do Século XX.
BRASIL: Senado do Império
Os Senadores eram vitalícios e eleitos indiretamente. As exigências de renda para a candidatura eram maiores que para a Câmara Geral. Votava-se para o Senado a partir de um colégio eleitoral, que então votaria para a escolha dos Senadores da Província, o que durou até 1881, com a Lei Saraiva.
A partir dela, o Senado continuou vitalício, porém seus membros seriam diretamente eleitos pela população, da mesma forma como passou a ser com os Deputados, levando em conta uma cláusula da Constituição que estabelecia assento garantido no Senado para membros da Família Imperial.
FRANÇA: Senado
Até hoje, como também em 1885, a França tem seu Senado eleito indiretamente. Como era no Brasil, havia um colégio eleitoral próprio para eleger os Senadores. As funções das casas em questão eram praticamente as mesmas.
ELEIÇÃO PARA CHEFE DE GOVERNO
Formalmente, como estabelecia a Constituição, o Imperador era o chefe do poder executivo, porém a criação do cargo de Presidente do Conselho de Ministros, essa função foi afastada da Coroa. O gabinete que governaria o Império seria composto pelo partido majoritário que entregaria os nomes de indicados ao Imperador para a nomeação.
Elemento curioso do Parlamentarismo Brasileiro era que, caso houvesse impasse entre o Congresso e o Presidente, caberia à Coroa decidir qual devia prevalecer, podendo dissolver o gabinete ou o próprio Congresso.
EUA: Presidente
Como já deve ser conhecido, a eleição para Presidente nos EUA não é direta, pois ainda passa pelo Colégio Eleitoral. Há a votação popular, que influencia no resultado dado pelos delegados, porém a eleição como um todo não é direta e possíveis distorções dentro do sistema são enormes.
FRANÇA: Presidente da República e Presidente do Conselho de Ministros
O Presidente da República Francesa era eleito indiretamente, um colégio similar, porém sujeito a outras regras, era estabelecido para eleger o Presidente da República. Não existia voto popular envolvido. O Presidente do Conselho, o qual compartilhava o poder executivo com o Presidente da República, respondia ao Congresso e ao Presidente, sendo nomeado pelo mesmo.
INGLATERRA: Primeiro-Ministro
De forma semelhante ao Brasil, o Reino Unido também era Parlamentarista e a eleição do chefe de governo era indireta, porém não anti-democrática, pois o poder executivo era extensão do legislativo e a eleição do Primeiro-Ministro não era alheia à população, embora o controle da Monarquia sob tais aspectos era bem menor no Reino Unido.
GARANTIAS TRABALHISTAS
Sendo o primeiro país a ver transformar a realidade social de um país agrário para um industrial, as leis que exigiam mínimas condições de trabalho, salário, transporte e vida eram mais presentes. A Alemanha também vai ser expoente na produção de garantias trabalhistas no fim do Século XIX, mas é o Reino Unido o principal país a fazer valer de tais garantias.
FRANÇA
Idem Reino Unido.
EUA
Em 1885, os EUA estavam começando seu processo de industrialização, que veio em peso após o fim da Guerra Civil. Ainda cedo, as leis que tratavam da forma de trabalho eram de iniciativa dos Estados, a União pouco ou nada trabalhava em tais assuntos.
BRASIL
Única menção a trabalho digno vem da Constituição, tratando dos escravos, que declara proibido o açoite, castigos físicos e trabalho em condição degradante. Fora isso, nada fazia nem fez o Brasil para melhorar as condições de trabalho.
GARANTIAS SOCIAIS
Leis que estabeleciam escolas públicas, hospitais, pensões e demais garantias sociais eram de iniciativa dos Estados, a União pouco legislava sobre o assunto.
INGLATERRA
Poucas e razoáveis garantias feitas esporadicamente em leis ordinárias que muitas vezes eram aplicadas na esfera nacional.
FRANÇA
Idem Reino Unido.
BRASIL
Pela Constituição Imperial, os direitos e garantias são estabelecidos pelo artigo 179, nos quais "os Soccorros Publicos" e "A instrução primária pública e gratuita" são as principais. Os dois incisos são reflexos da preocupação de Dom Pedro I com a educação e situação sanitária do território brasileiro.
O Brasil foi o primeiro país da História a garantir constitucionalmente o Direito à educação. Direito que seria revogado pela Constituição republicana de 1891.
SUBDIVISÃO DO ESTADO
As subdivisões dos EUA, os Estados, detinham imensa autonomia desde a independência. Reflexo da própria formação cultural e política do americano, os diferentes territórios estabeleciam as próprias leis e se desenvolviam da própria forma até a formação da Federação em 1776, centralizada com a Constituição de 1787, após o fim dos Artigos de Confederação.
BRASIL: Unitário descentralizado
Também como reflexo da vida de Dom Pedro I, o Brasil nasce como um Estado unitário e extremamente centralizado. O Imperador temia o federalismo e acreditava que sua aplicação só levaria à anarquia, em contraste com a teoria municipalista de Benjamin Constant.
Apesar disso, com a regência, leis reformadoras foram passadas durante a menoridade de Dom Pedro II, que reestruturaram as relações provinciais com a Corte. Alguns elementos federativos foram introduzidos, mas o Brasil ainda estava longe de se estabelecer como uma Federação.
INGLATERRA: Unitário
Aos fins do Século XIX, o Reino Unido era um Estado Imperial, as possessões ultramarinas pesavam na formulação de instituições nacionais, porém as ilhas britânicas não contavam com elementos federativos, o Parlamento governava soberano e não havia subdivisões com autonomia relativa.
FRANÇA
Idem Reino Unido, diferenciando somente os departamentos da divisão britânica, porém acabavam por serem bem centralizados com relação às possessões internas.
VOTO
BRASIL
Em 1885, o Brasil acabara de passar a Lei Saraiva, que reestruturava as relações eleitorais e diretrizes para as eleições. Apesar da proibição do voto analfabeto, que previamente era elemento crucial da "democracia" brasileira, o voto direto estabelecido era uma instituição respeitável por si só.
Como estabelecia a Constituição, o Brasil tinha voto censitário, que dependia da renda dos votantes. Como mencionei antes, citando José Murilo de Carvalho, o Brasil tinha voto censitário, mas a quantia exigida era tão pífia que na prática a adesão era grande.
A quantia nunca foi reformada e não se ajustou às alterações econômicas que sofreu o Império. Por bem ou mal, a exigência era baixa e tornou fácil que qualquer trabalhador conseguisse votar.
EUA
A Constituição Americana não estabelecia competências para os votantes, tais leis ficavam sob legislação dos Estados. Em 1885, a escravidão ainda deixava rastros e o direito de voto a ex-escravos não era exercido respeitado.
Embora o voto fosse universal masculino, muitas vezes as leis estaduais burlavam essa universalidade e cerceavam esse direito ao voto.
INGLATERRA
Em 1885, o Reino Unido tinha passado por duas reformas legislativas, uma no ano anterior e uma que tinha acabado de ser feita. Elas expandiram o eleitorado, porém faltava muito para o voto ser universal, sendo ainda censitário, porém de maior amplitude que a versão brasileira.
FRANÇA
Universal Masculino. Apesar das poucas posições e do pouco peso de influência do voto na França, desde 1848, o voto era universal para todos os homens.
MORAL DA HISTÓRIA
Com tais pontos levantados, é possível cada um fazer julgamento sobre a organização do Brasil no período Imperial, tendo em vista dois pontos inegáveis:
- Nenhum desses países pode ser considerado democrático hoje em dia;
- O Brasil não estava atrasado em relação aos contemporâneos.
VIA: The Brazilian Second Reign Ball