sábado, 11 de julho de 2020

UM PRÍNCIPE NO CAMPO DOS AFONSOS


SO Jefferson E. S. Machado*

Muitos são os que chamam a aviação de atividade nobre. No início era coisa de loucos, mas com o tempo e o glamour, dado por jornais e revistas do início do século XX, o imaginário cunhou a nobreza como características daqueles que são responsáveis em conduzir os aviões pelos céus do mundo. Digamos que isso foi algo literal durante a década de 40 na Escola de Aeronáutica da nascente Força Aérea Brasileira.

D. João de Orleans e Bragança tentou, assim como muitos de seus antepassados, manter a tradição da participação de membros da família imperial brasileira na Armada da Marinha do Brasil. Segundo o site do Colégio Brasileiro de Genealogia, pretendia ingressar na marinha de guerra do Brasil, mas o presidente Getúlio Vargas declarara que não desejava ver um príncipe herdeiro na Marinha. Reprovado nos testes de admissão sem razão alguma, conseguiu ingressar na aviação naval, graças ao auxílio do almirante Castro e Silva.

Com a criação do então Ministério da Aeronáutica, através do Decreto-Lei 2961 de 20 de janeiro de 1941, ficou determinado - no artigo oitavo - que todo o pessoal militar da Arma de Aeronáutica do Exército e do Corpo de Aviação Naval, inclusive as respectivas reservas, passariam a formar uma corporação única. A reboque foi criada a Escola de Aeronáutica pelo Decreto-Lei 3.142 de 25 de março do mesmo ano.

A partir dessas decisões, o jovem segundo tenente João de Orleans e Bragança foi transferido da Aviação Naval para a Força Aérea Brasileira, mais precisamente para a Escola de Aeronáutica - como auxiliar de instrutor de pilotagem - como consta no Boletim do Ministério da Aeronáutica de 1 de junho do mesmo ano.


Começa aí a vida do Príncipe no Campo dos Afonsos. São muitas as notícias nos jornais da época sobre sua vida. Participava de muitas festas, recepções e eventos beneficentes. Alguns periódicos que, talvez, não fossem muito favoráveis à monarquia acentuavam essa parte e procuravam não tocar muito em seu viés militar. Porém, como podemos constatar em algumas de suas cadernetas de voo – de posse do arquivo do MUSAL - ele foi um oficial aviador que participou intensamente das iniciativas da FAB na época.

O “Jornal do Brasil” e o periódico “O Jornal” vão noticiar e cobrir, de forma até entusiasmada, a missão que D. João fará aos Estados Unidos da América. Contudo, foi o “Diário Carioca” que informou, em primeira mão, que o Ministério da Aeronáutica concedeu autorização para a viagem. Segundo o matutino, o objetivo era o aperfeiçoamento em aviação sanitária. **

Segundo o JB de 25 de novembro de 1941 ele havia chegado em Miami e suas principais visitas aconteceriam em Annapolis, Pensacola e em West Point. Além disso, a publicação acentua a origem nobre do militar e narra a entrega de flâmulas em nome da Escola de Aeronáutica, nos dia 20 de janeiro e 03 de março de 1942.


Já as publicações de “O Jornal” de 04 de dezembro de 1941, 20 de janeiro e 14 de março de 1942 afirmavam que ele visitaria o Departamento de Marinha americano, estava em missão especial e que inspecionaria os centros de treinamento do Exército e da Marinha do país citado.

O próprio aviador narra sua viagem na “Revista Esquadrilha”.*** Ele escreve um texto relatando a entrega das flâmulas que os cadetes brasileiros enviaram aos companheiros das instituições que seriam visitadas.

Causaria estranheza a grande repercussão da missão na mídia da época e a ida de um militar que não fosse pelo menos um oficial intermediário, para uma missão de tal responsabilidade, se o envolvido não fosse um dos representantes da Casa Imperial brasileira. Nas fotos da Revista, podemos constatar que foi, inclusive, recebido pelo General diretor de uma das instituições.

Outra missão importante, publicada no “Correio da Manhã” através de um louvor do Ministro da Aeronáutica a todos os aviadores e mecânicos participantes, foi um grande translado de aeronaves do EUA para o Brasil ocorrido em 1942. Seu nome está na lista dos que realizaram o empreendimento. E a notícia foi dada sem muito alarde quanto à sua participação nos meios de comunicação.

Como instrutor, o Príncipe brasileiro foi primeiro lugar nas prova de tiro aos pratos nos Jogos de Caxambu de 1943, que eram realizados em homenagem ao Presidente Getúlio Vargas. Além das diversas missões acima, D. João voou também pelo Correio Aéreo Nacional.

         


Em 1944, o mesmo foi classificado no 4º Regimento de Aviação do Galeão. Talvez por sua experiência na Aviação Naval, ele passou novamente a pilotar Hidroaviões na missão de Patrulha no litoral brasileiro. Em sua caderneta, vemos que pilotou as aeronaves Catalina PBY-5 e Grummam G-44A Widgeon, ambas aeronaves em exposição no MUSAL.

Ficou afastado do Campo até Julho de 1945, quando foi matriculado em um curso de carreira na Escola de Aeronáutica. Quanto À sua saída do 4º Regimento, o boletim nº 108 traz um texto, reproduzido pelo “Correio da Manhã”, em que enaltece em tom de agradecimento e elogio a conduta do príncipe no patrulhamento da Costa Brasileira.



Não sabemos muito sobre seu dia-a-dia entre os militares nos Afonsos, mas ficou claro por essas linhas que assim como os milhares de homens e mulheres que ingressaram na Força Aérea Brasileira, também cumpriu o seu papel de combatente e brasileiro.

Aeronaves pilotadas por D. João de Orleans e Bragança que estão em exposição no Museu Aeroespacial.

BOEING STEARMAN A75L3 - Kaydet | Stearman Aircraft Company

Catalina - Consolidated Vultee 28 (PBY-5A/C-10A) | Boeing Aircraft of Canada

DH-89A - Dragon Rapide | De Havilland Aircraft Co.

FOCKE-WULF Fw 44J Stieglitz | Fabrica Militar de Aviones

FOCKE-WULF FW 58 B-2 Weihe | Fábrica do Galeão

GRUMMAN G-44A (J4F-2) “Widgeon” | Grumman Aircraft

*O autor é Suboficial da Força Aérea Brasileira e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

** De acordo com o § 6º do Decreto nº 361, de 3 de Outubro de 1935, “A aviação sanitaria comprehende o estudo historico desse novo meio de transporte de doentes e feridos, em tempo de paz e de guerra, o da estatistica comprovante de sua efficiencia crescente, o das indicações e contra-indicações clinicas para o transporte, e o das questões condizentes com o problema da neutralidade dos aviões sanitarios e seus pilotos, e as ligadas á escolha do typo de avião próprio.

*** Tal publicação era realizada pela Sociedade de Cadetes da Escola de Aeronáutica e nossa biblioteca possui a coleção desse periódico. no exemplar de junho de 1942.

FONTE: MUSEU AEROESPACIAL

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