quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

A POLÍTICA REPUBLICANA

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Em 1918, o escritor Lima Barreto escreveu a crônica “A política republicana”. Ela mantém-se atual neste 15 de novembro.

“Não gosto, nem trato de política. Não há assunto que mais me repugne do que aquilo que se chama habitualmente política. Eu a encaro, como todo o povo a vê, isto é, um ajuntamento de piratas mais ou menos diplomados que exploram a desgraça e a miséria dos humildes.
Nunca quereria tratar de semelhante assunto, mas a minha obrigação de escritor leva-me a dizer alguma coisa a respeito, a fim de que não pareça que há medo em dar, sobre a questão, qualquer opinião.

No Império, apesar de tudo, ela tinha alguma grandeza e beleza. As fórmulas eram mais ou menos respeitadas; os homens tinham elevação moral e mesmo, em alguns, havia desinteresse.

Não é mentira isto, tanto assim que muitos que passaram pelas maiores posições morreram pobríssimos e a sua descendência só tem de fortuna o nome que recebeu.

O que havia neles não era a ambição de dinheiro. Era, certamente, a de glória e de nome; e, por isso mesmo, pouco se incomodariam com os proventos da ‘indústria política’.

A República, porém, trazendo tona dos poderes públicos, a borra do Brasil, transformou completamente os nossos costumes administrativos e todos os ‘arrivistas’ se fizeram políticos para enriquecer.

Já na Revolução Francesa a coisa foi a mesma. Fouché, que era um pobretão, sem ofício nem benefício, atravessando todas as vicissitudes da Grande Crise, acabou morrendo milionário.

Como ele, muitos outros que não cito aqui para não ser fastidioso.

Até este ponto eu perdoo toda a espécie de revolucionários e derrubadores de regimes; mas o que não acho razoável é que eles queiram modelar todas as almas na forma das suas próprias.

A República no Brasil é o regime da corrução. Todas as opiniões devem, por esta ou aquela paga, ser estabelecidas pelos poderosos do dia. Ninguém admite que se divirja deles e, para que não haja divergências, há a ‘verba secreta’, os reservados deste ou daquele Ministério e os empreguinhos que os medíocres não sabem conquistar por si e com independência.

A vida, infelizmente, deve ser uma luta; e quem não sabe lutar, não é homem.

A gente do Brasil, entretanto, pensa que a existência nossa deve ser a submissão aos Acácios e Pachecos, para obter ajudas de custo e sinecuras.

Vem disto a nossa esterilidade mental, a nossa falta de originalidade intelectual, a pobreza da nossa paisagem moral e a desgraça que se nota no geral da nossa população.

Ninguém quer discutir; ninguém quer agitar idéias; ninguém quer dar a emoção íntima que tem da vida e das coisas. Todos querem ‘comer’.

‘Comem’ os juristas, ‘comem’ os filósofos, ‘comem’ os médicos, ‘comem’ os advogados, ‘comem’ os poetas, ‘comem’ os romancistas, ‘comem’ os engenheiros, ‘comem’ os jornalistas: o Brasil é uma vasta ‘comilança’.

Esse aspecto da nossa terra para quem analisa o seu estado atual, com toda a independência de espírito, nasceu-lhe depois da República.

Foi o novo regime que lhe deu tão nojenta feição para os seus homens públicos de todos os matizes.

Parecia que o Império reprimia tanta sordidez nas nossas almas.

Ele tinha a virtude da modéstia e implantou em nós essa mesma virtude; mas, proclamada que foi a República, ali, no Campo de Santana, por três batalhões, o Brasil perdeu a vergonha e os seus filhos ficaram capachos, para sugar os cofres públicos, desta ou daquela forma.

Não se admite mais independência de pensamento ou de espírito. Quando não se consegue, por dinheiro, abafa-se.

É a política da corrução, quando não é a do arrocho.

Viva a República!”

Fonte: O Antagonista

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Guardiões do Império

A simbologia é algo antigo quanto a própria civilização humana, ajudando na sua comunicação. Ela da vida ao imaginário, expressa fatos, crenças, ideias e mitos. Algumas dessas simbologias são tão profundas que, dentro de um determinado contexto histórico e cultural, abraçadas com ardor, alimentam o respeito e despertam a paixão do povo. É o caso do hino nacional, o hasteamento da bandeira, as cores de um país.

Festa do Rei em Amsterdã nos países baixos
O dia do Rei, celebrado nos Países Baixos em comemoração ao aniversário do Rei Guilherme Alexandre, uma festa que simboliza a união dos Holandeses.

Nas monarquias o simbolismo é peça fundamental. É através do mesmo que a ideia de Nação é construída dando vida às tradições, cerimônias e liturgias, servindo de base para a criação do sentimento Nacional, além de forjar a pessoa do monarca, como, por exemplo, em sua coroação. 

Quando o mesmo é coroado ele deixa de ser quem é para ser a personificação do país, perde parte dos seus direitos particulares para viver uma vida de devoção pelo seu povo, chegando ao ponto de ser tradição escolher seu nome de monarca (após ascender ao cargo), pelo qual seu reinado será marcado.

Coroação Dom Pedro I
Coroação de Dom Pedro I, tela de Jean Baptiste Debret. 
Acervo Artístico do Ministério das Relações Exteriores – Palácio Itamaraty.

No episódio 5 da 1ª temporada da série “The Crown”, quando da coroação da Rainha Elizabeth II, seu tio Eduard, vendo pela televisão a cerimônia, explicava para os presentes a importância da mesma para o Reino Unido. Dizia ele:

Edward – Óleos e juramentos. Orbes e cetros. Símbolo sobre símbolo. Uma rede insondável de mistérios arcanos e liturgia borrando tantas linhas que nenhum clérigo, historiador ou jurista jamais poderia desembaraçar.

-É loucura! – diz um  dos presentes.

Edward – Pelo contrário. É perfeitamente são. Quem quer transparência quando se pode ter magia? Quem quer prosa quando se pode ter poesia? Se afastarmos o véu, o que resta? Uma jovem comum, de modestas capacidades e pouca imaginação. Mas se vesti-la assim. Ungi-la com óleo, pronto, o que você vê? Uma deusa.


O Império Brasileiro, assim como as monarquias pelo mundo, foi carregado de símbolos que davam vida à brasilidade da época, com a intenção de unir uma Nação recém-criada. Com certeza um dos símbolos mais presentes foi a Serpe dos Bragança.

Acredita-se que a Serpe, como símbolo mitológico, surgiu de uma derivação do Dragão das legiões de Trajano no reino de Dácia em meados do século I constituindo uma das primeiras aparições como símbolo do país de Gales e do Reino de Wessex, sendo disseminado com diferentes significados.

Serpe de Dácia, Coluna de Trajano e Serpe da Carta Constitucional
À direita: Cetro da Coroa fabricado em 1828, acervo Palácio Nacional da Ajuda.  à esquerda: A Serpe de Dácia presente na Coluna de Trajano em Roma, Itália.

A origem da Serpe dos Bragança é, ainda, um tanto nebulosa. Segundo D. Antônio Caetano de Souza, em seu livro intitulado “Historia genealógica da casa real Portugueza” de 1736, tem o seu início no reinado de Dom Afonso Henriques de Portugal. 

Foi em seu Reinado que o uso do grito de batalha em nome de São Jorge se tornou regra, substituindo o anterior Santiago  Dom Nuno Álvares Pereira, nobre general português do Rei João I, considerava São Jorge o responsável pela vitória portuguesa na batalha de Aljubarrota que consolidou João como rei de Portugal. 

O Rei João, era também um devoto do Santo, onde fez São Jorge como patrono de Portugal (hoje segundo padroeiro) em substituição a Santiago. Em homenagem ao novo padroeiro, Dom João I personificou o santo em seu escudo de armas em forma de serpe. 

Foi com Pedro II de Portugal,, terceiro rei da dinastia Bragança, que o animal mitológico passou a ser usado em seu brasão de família, perdurando até hoje como símbolo dos Bragança e, portanto, presente na simbologia nacional brasileira, representada em diversas jóias e objetos, como por exemplo, no cetro no traje e no trono imperial de Dom Pedro II.

À esquerda: Brasão de Armas . À direita Dom João I, de Portugal presente no livro de Dom Antônio de Costa.

Brasão da Família Bragança instituido por Dom Pedro II (à direita) de José I (à esquerda)
Brasão da Família Bragança (ao centro) de José I e Portugal (à esquerda), instituído por  Pedro II de Portugal (à direita).

Os tronos dos monarcas geraram, ao longo da História, diversos sentimentos como respeito, inveja, admiração e lealdade. Sempre que se constatou, na História do Brasil, um trono vazio, a trajetória da nossa pátria esteve em apuros. Tomemos, por exemplo, o Período Regencial (1831 – 1840), quando, pela ausência de um Imperador no trono, diversas rebeliões aconteceram em várias províncias de todas as regiões do Império. 

O fato foi tão grave, que alguns políticos da época fundaram o Clube da Maioridade, pois acreditavam que ao antecipar a maioridade do jovem imperador, para que pudesse assumir o trono antes do tempo previsto (18 anos), as revoltas cessariam e o Brasil poderia se unir em torno de um mesmo Império novamente. 

É comum, portanto o trono do Imperador emanar imponência, uma vez que ele traz consigo grande parte da História de um país, tradições e cultura. A cadeira do pai ou até o lugar onde ele costumeiramente senta contém um sentimento diferente dos demais. Na simbologia, quando olhamos esses lugares tomamos conta das responsabilidades que aquele cargo representa, no respeito que temos pelos que estiveram ali e nos ensinamentos passados. 

É comum, portanto o trono do Imperador emanar imponência, uma vez que ele traz consigo grande parte da História de um país, tradições e culturas.  Com o golpe da República, voltamos a um sentimento parecido com o período regencial, quando estamos diante de um povo dividido e sofrendo novamente as consequências da falta de um elemento unificador de nossa sociedade. Mais uma vez o trono está vazio.

Trono e Coroa de Dom Pedro II
Trono Imperial e Coroa Imperial pertencente a Dom Pedro II do Brasil, acervo Museu Imperial.

Dom Pedro II o deixou vago e lá, simbolicamente, permanece sua Coroa. A Serpe, como animal mitológico padroeiro da família, protege seu trono, à espera de um Herdeiro da dinastia para assumir seu lugar de direito como Imperador do Brasil. 

Carregue esse sentimento de esperança consigo, presente em nossa camiseta. Faça dela um símbolo de divulgação da História do Brasil, da nossa ancestralidade monárquica e do nosso futuro enquanto Nação.

O CARÁTER FAMILIAR DA MONARQUIA BRASILEIRA

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Na Monarquia Brasileira, como fora anteriormente na Monarquia Lusa, o caráter familiar estava muito presente. Era até mesmo algo que chamava a atenção de estrangeiros que aqui vinham.

Em 1876, o “The New York Herald”, hoje considerado um dos grandes precursores do jornalismo moderno, encarregou o repórter James O’Kelly de acompanhar a viagem que o Imperador Dom Pedro II e a Imperatriz Dona Teresa Cristina faziam então aos Estados Unidos da América.

O que logo chamou a atenção de O’Kelly foi precisamente o aspecto familiar de nossa Monarquia, bem como a enorme popularidade da qual o Imperador desfrutava. “Não era um Chefe se despedindo cerimoniosamente da Nação que governava, era antes um casal adorado se despedindo da família”, escreveria ele, noticiando a partida de Suas Majestades do Rio de Janeiro, em correspondência que seu jornal publicou na edição de 16 de abril de 1876.

O “parlamentarismo à brasileira”, consolidado ao longo do Segundo Reinado, deu certo justamente porque tinha algo de familiar, algo de patriarcal, muito afim com o temperamento natural dos brasileiros. Por isso deitou raízes tão profundas, que se fazem sentir ainda nos dias de hoje.

– Baseado em trecho do livro “Parlamentarismo, sim! Mas à brasileira, com Monarca e Poder Moderador eficaz e paternal”, do Professor Armando Alexandre dos Santos.

Ilustração: Suas Majestades Imperiais o Imperador Dom Pedro II e a Imperatriz Dona Teresa Cristina do Brasil são entusiasticamente recebidos pela população do Rio de Janeiro, em 1877, após retornarem de sua segunda viagem ao exterior.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

A CARTA QUE EXPULSOU DOM PEDRO II DO BRASIL

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O Major Sólon entrega a Dom Pedro II a ordem de banimento da família imperial no início da madrugada do dia 17/11.

Litografia segundo desenho de Facchinetti. Em quadro histórico da Revolução brasileira de Urias da Silveira, 1890.

Na carta estava escrito:

"Senhor

Os sentimentos democráticos da nação, há muito tempo preparados mas disputados agora pela mais nobre reação do caráter nacional contra o sistema de violência, de corrupção, de subversão de todas as leis exercido num grau incomparável pelo Ministério de 7 de junho, a política sistemática de atentados do governo imperial, nestes últimos tempos, contra o exército e armada, política odiosa à nação e profundamente repelida por ela, o esbulho dos direitos dessas duas classes, que, em todas as épocas, tem sido, entre nós, a defesa da ordem, da constituição, da liberdade e da honra da pátria, a intenção manifestada nos atos dos vossos ministros e confessada na sua imprensa, de dissolvê-las e aniquilá-las substituindo-as por elementos de compressão oficial, que foram sempre entre nó objeto de horror para a democracia liberal, - determinou., os .acontecimentos dê ontem: cujas circunstâncias conheceis. e cujo caráter decisivo certamente podeis avaliar.

Em face desta situação, pesa-nos dizer-mo-lo, e não o fazemos senão em cumprimento do mais custoso dos deveres, a presença da família imperial, no pais, ante a nova situação que lhe criou a revolução irrevogável do dia 15, seria absurda impossível e provocadora de desgostos, que a salvação pública nos impõe a necessidade de evitar.

Obedecendo, pois, às exigências urgentes do voto nacional, com todo o respeito devido à dignidade das funções públicas que acabais de exercer, somos forçados a notificar-vos que o Governo Provisório espera do vosso patriotismo o sacrifício de deixardes o território brasileiro, com a vossa família, no mais breve termo possível.

Para esse fim se vos estabelece o prazo máximo de vinte e quatro horas, que contamos não tentareis exceder. O transporte vosso e dos vossos para um porto da Europa correrá por conta do Estado, proporcionando-vos para isso o Governo Provisório um navio com a guarnição militar precisa, efetuando-se o embarque com a mais absoluta segurança da vossa pessoa e de toda a vossa família, cuja comodidade e saúde serão zeladas com o maior desvelo na travessia, continuando-se a contar-vos a dotação que a lei vos assegura, até que sobre esse ponto se pronuncie a próxima Assembleia Constituinte.

Estão dadas todas as ordens a fim de que se cumpra esta deliberação. O país conta que sabereis imitar na submissão aos seus desejos o exemplo do primeiro imperador em 7 de abril de 1831.

Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório

Doc 9107 do Arquivo do Museu Imperial.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O PAPEL DA MONARQUIA ESPANHOLA

S.M. o Rei Don Felipe VI de Espanha

Por Beatriz Bastide Horbach
Assessora do STF

 crise com a Catalunha evidencia os mecanismos democráticos dos quais dispõe a Constituição espanhola para preservar o quadro de normalidade institucional do país[1]. A começar pela inédita utilização do art. 155, que autoriza o Governo a adotar medidas necessárias ao cumprimento forçoso, pela Comunidade Autônoma, de suas obrigações constitucionais para preservação do interesse geral. De clara inspiração na “coerção federal” (Bundeszwang) do art. 37 da Lei Fundamental de Bonn, a medida foi utilizada em outubro de 2017 para destituir o governo catalão e convocar novas eleições locais.

Em paralelo, o Tribunal Constitucional espanhol também age durante a crise, proferindo decisões favoráveis a Madri em casos de tensão com o governo catalão. Nos últimos anos, a Corte vem manifestando em seus julgados a importância da unidade espanhola e do respeito ao Estado democrático, ressaltando que os pluralismos político, linguístico e cultural são assegurados pela Constituição e de acordo com as regras desta devem ser encarados.

Ao lado da atuação do Governo e do Tribunal Constitucional espanhol, a gravidade da situação com a Catalunha restou evidenciada quando um último recurso de manutenção da democracia entrou em jogo: o Rei da Espanha.

Em outubro de 2017, Felipe VI fez seu primeiro pronunciamento extraordinário desde que ascendeu ao trono, três anos antes. Dois dias após o referendo independentista catalão, declarou em rede nacional que a situação de extrema gravidade requer compromisso de todos com os interesses nacionais, sendo “responsabilidade dos legítimos poderes do Estado assegurar a ordem constitucional e o normal funcionamento das instituições, a vigência do Estado de direito e o autogoverno da Catalunha, baseado na Constituição e em seu Estatuto de Autonomia”.

Como Chefe de Estado, transmitiu a todos “uma mensagem de tranquilidade, de confiança e de esperança” e lembrou aos catalães que “não estão sozinhos, nem nunca estarão; têm todo o apoio e a solidariedade do resto dos espanhóis e a garantia absoluta do Estado de direito na defesa da sua liberdade e de seus direitos.”. Felipe VI encerrou seu pronunciamento ressaltando o firme compromisso da Coroa com a Constituição e com a democracia, sua entrega ao entendimento entre os espanhóis e a sua missão, como Rei, à manutenção da unidade da Espanha.

Reações da população, positivas e negativas, à parte, o fato é que o rei procurou seguir a cartilha de funções de um Chefe de Estado, símbolo da unidade e da permanência do país, no caso, “árbitro e moderador do regular funcionamento das instituições”, nos termos do art. 56 da Constituição espanhola.

Nesse papel, não é a primeira vez que um rei da Espanha se apresenta à população em momento de crise como instrumento de manutenção – ou tentativa de manutenção - da estabilidade nacional. O pronunciamento de Felipe VI foi muito associado ao proferido por seu pai, Juan Carlos I, em 1981, contra a tentativa de golpe então sofrida.

Para entender esse caso e a figura do rei como garantidor da ordem constitucional espanhola, interessante voltar-se um pouco ao passado e às bases que formaram a moderna democracia espanhola, curiosamente desenhada por roteiro que inclui um salto dinástico e a formação do futuro rei por Francisco Franco, responsável por sua educação desde os seus dez anos de idade.

Com a proclamação da República, em 1931 – Franco assumiu o poder apenas em 1936 -, o então rei Afonso XIII, avô de Juan Carlos, retirou-se ao exílio. Desde fevereiro de 1941, com a abdicação poucos dias antes de sua morte, seu filho, Juan de Borbón y Battenberg, passou a ser titular dos direitos dinásticos da Coroa espanhola.

Exilado na Suíça, Juan de Borbón y Battenberg, Conde de Barcelona, emitiu em 1945 o Manifesto de Lausanne, no qual declarava que “apenas a Monarquia tradicional pode ser instrumento de paz e harmonia para reconciliação dos espanhóis, apenas ela pode obter respeito no exterior, mediante um efetivo Estado de direito e realizar uma harmoniosa síntese da ordem e da liberdade em que se baseia a concepção cristã de Estado.”. Dirigiu-se a Franco “a requerer formalmente que, reconhecendo o fracasso de sua concepção totalitária de Estado, abandone o poder e dê início à restauração do tradicional regime espanhol, único capaz de garantir a religião, a ordem e a liberdade”

Dois anos depois acabou sendo promulgada a Lei de Sucessão à Chefia do Estado (Ley de sucesión en la Jefadura del Estado), que seria a quinta, das oito leis fundamentais que regeram o estado franquista. Em seu artigo primeiro, determinava que a Espanha, “como unidade política, é um Estado católico, social e representativo que, de acordo com sua tradição, declara-se constituído em um Reino”. O Chefe de Estado seria Franco, Caudillo de España y de la Cruzada, a quem competia a qualquer momento propor às Cortes a pessoa que deveria vir a ser chamada para sua sucessão, a título de rei ou regente. O Generalíssimo passou a ser, então, Chefe de Estado de um reino com um trono vacante e assim deveria permanecer até sua morte ou incapacidade para governar.

Após protestar e denunciar a ilegalidade da Ley de Sucesión, inclusive porque não fora consultado sobre seu conteúdo, o Conde de Barcelona acabou por pactuar com Franco que seu filho, Juan Carlos, então com dez anos de idade, regressaria ao país e continuaria seus estudos na Espanha, aos cuidados do ditador. Ele passou então a ser educado por um pequeno grupo de professores leais ao Movimento Nacional, único partido no qual se assentava o regime político, em classe escolar especialmente criada para ele. Começava, aí, a formação do futuro rei e de sua estreita relação com o Generalíssimo.

Após anos de expectativa e de complicados momentos entre Juan de Borbón e Franco, apenas em 1969 este enfim se utilizou da prerrogativa de indicar seu sucessor e apontou Juan Carlos para a função, outorgando-lhe o título de Príncipe da Espanha e pulando uma geração dinástica – ou seja, passando por cima de seu pai, legítimo herdeiro do trono. Iniciou-se, aí, um conflito entre os Bourbon.

Nessa época, Juan Carlos referiu-se à escolha como uma boa oportunidade de “reinstauração do princípio monárquico”, ressaltando que “nenhuma monarquia foi reinstaurada de maneira rígida e sem sacrifícios.”. Para os monarquistas tradicionais, a palavra “reinstauração” nada mais foi do que uma justificativa para romper com a linha sucessória. Apenas uma restauração da Monarquia seria legítima e, nesse caso, o poder dinástico estaria nas mãos de seu pai.

Seis anos depois, em 1975, com a morte de Franco, aos 82 anos, Juan Carlos foi nomeado rei da Espanha pelas Cortes e pelo Conselho do Reino. Com a aprovação das Cortes, necessária nos termos da lei, prestou lealdade aos princípios do Movimento Nacional, juramento que, apesar de então exigido, passou a ser bastante controverso e mencionado diversas vezes por opositores para questionar até que ponto ele estaria comprometido com a transição à democracia.

Todavia, em sua primeira mensagem à população, deixou clara sua intenção de conduzir o país a uma monarquia parlamentar e democrática. Ressaltou que uma sociedade livre e moderna requer a participação de todos, frisando seu desejo de atuar como intermediário, guardião da Constituição e defensor da Justiça, entendendo como fundamental o reconhecimento dos direitos sociais e econômicos. Nesse caminho, a ação conjunta de três fatores seria essencial: a tradição histórica, as leis do Estado e a vontade do povo.

Iniciou-se, então, o período de transição, com uma série de acontecimentos políticos que conduziriam à recuperação da soberania pelo povo e ao desenvolvimento de um processo constituinte democrático. O rei optou por uma mudança lenta, negociada, uma transação pactuada. De início, considerou importante a estabilização da monarquia, procurando consolidar uma imagem da Coroa que não fosse diretamente identificada ao regime franquista. Também buscou conquistar a simpatia do povo.

Estabeleceu, ademais, que a transição do regime ditatorial ao democrático deveria se desenvolver a partir das reformas das leis já existentes, evitando-se uma ruptura completa. Para tanto, em 1976 foi promulgada a última das oito leis fundamentais do período franquista: a Ley para Reforma Política, muita vezes chamada de “lei-ponte”, por ser o instrumento jurídico que atuou como elo entre a legalidade do regime franquista e a Constituição de 1978.

É dito que o elemento mais essencial a esse período foi o consenso. Era comum a ideia de que todos precisariam colaborar para que o processo democrático tivesse continuidade e êxito, uma vez que o modelo transacional espanhol caracteriza-se por ter início dentro do próprio regime.

A série de medidas previstas pela Lei para Reforma Política conduziram às primeiras eleições democráticas, realizadas em junho de 1977, e à promulgação da Constituição espanhola, em 29 de dezembro de 1978, submetida a referendo popular, no qual obteve cerca de 80% de aprovação.

O novo texto constitucional teve a difícil tarefa de acomodar as diferentes realidades históricas do país e de criar um marco político e democrático, derrogando oficialmente o regime franquista. Sua elaboração, assim como as negociações dos chamados Pactos de Moncloa, evidenciam que a volta à democracia foi possível graças a uma transição costurada, de fato, com base no consenso entre visões políticas, no entendimento entre variadas perspectivas, bem como na determinação de Juan Carlos I a afastar-se do antigo regime ditatorial, ainda que por ele formado e bastante influenciado.

Pela Constituição de 1978, o Estado espanhol passou oficialmente a ser uma Monarquia parlamentarista. Isso significa que o chefia do Estado é ocupada pelo monarca, mas o rei não possui poder decisório. É a ideia de que o rei reina, mas não governa. O monarca é um órgão constitucional, e não um poder do Estado, ou seja, não integra a estrutura tripartite de poderes. O texto espanhol prevê, ainda, que o monarca não responde por seus atos, seguindo a tradicional ideia de que o rei presta contas apenas a Deus, mas, para adaptar o conceito ao regime democrático, indica que seus atos, de maneira geral, precisam ser referendados.

Quanto à legitimidade do novo rei, um mês antes das primeiras eleições democráticas, em 1977, o Conde de Barcelona oficialmente abdicou de seus direitos sucessórios. E, para consolidar ainda mais a dinastia, foi proposto, durante a elaboração da Constituição, que ao artigo que previa “A Coroa da Espanha é hereditária aos sucessores de S.M. Don Juan Carlos I de Borbón”, fosse acrescentada a expressão “legítimo herdeiro da dinastia histórica” (art. 57.1), eliminando a origem franquista e ressaltando sua legitimidade histórico-tradicional. Com isso, os pais da Constituição espanhola consignaram expressamente que o direito real já era existente, não fora criado pelo ditador.

Após três anos de estabilidade institucional, entretanto, a então recente democracia espanhola foi submetida ao primeiro grande desafio: a tentativa de golpe de 23 de fevereiro de 1981. Ao ser votada a investidura de um novo governo, o Palácio do Congresso foi invadido por militares, que anunciavam a tomada do poder.

Na madrugada de 23 para 24 de fevereiro, o rei divulgou pronunciamento em que pedia serenidade e confiança à população, confirmando que ordenara às autoridades civis e à junta de chefes do estado maior, como Chefe do Exército, que tomassem as medidas necessárias à manutenção da ordem constitucional dentro da legalidade vigente. Nos bastidores, realizou mobilizações e conversas para o restabelecimento da normalidade que acabaram por dissolver o quadro de crise. Juan Carlos I, até então considerado rei apenas do ponto de vista jurídico e, por muitos, herdeiro do legado de Franco, com uma brevíssima mensagem reproduzida pelos meios de comunicação legitimou-se como verdadeiro rei e defensor dos espanhóis.

Juan Carlos I tomou, nesse momento de crise, a responsabilidade pela manutenção do regime democrático. Terminou sua fala na madrugada do dia 23 para 24 de fevereiro de 1981 afirmando que: “a Coroa, símbolo da permanência e da unidade da Pátria, não pode tolerar de forma alguma ações ou atitudes de pessoas que pretendam interromper a força o processo democrático que a Constituição votada pelo povo espanhol determinou por meio de referendo”, em tom muito semelhante à mensagem transmitida por seu filho 16 anos depois.

Ao clamar pela união, pelas instituições democráticas e, principalmente, ao tranquilizar a população, resgata-se a ideia de que o “rei, em um país livre, é um ser à parte, superior às divergências de opiniões, cujo interesse maior é a manutenção da ordem e da liberdade, inatingível por todas as paixões da condição comum”. É o conceito de Benjamin Constant de que o poder real na monarquia constitucional deve estar situado acima dos fatos “e, sob certo aspecto, neutro, a fim de que sua ação se estenda a todos os pontos que se necessite e o faça com um critério preservador, reparador, não hostil”, com o verdadeiro interesse que “um dos poderes não destrua o outro, permitir que todos se apoiem, se compreendam e que atinem comumente”.

Nesse contexto, a efetividade da intervenção do Chefe de Estado em momentos de crise está intimamente ligada a sua legitimidade. No caso espanhol, é dito que a tarefa de Felipe VI é muito mais difícil que a enfrentada por seu pai em 1981, já que na década de oitenta a ânsia por democracia era sentimento generalizado. Hoje, além da complicação dos fatos, em si, a própria instituição monárquica vive uma crise de popularidade, reforçada em período de dificuldades econômicas do país e por escândalos na família real – um pouco amenizada com a abdicação de Juan Carlos I, em tentativa de revitalizar a Monarquia.

De qualquer forma, a polêmica atuação da Casa de Bourbon antes, durante e depois do período ditatorial de Franco é importante elemento da configuração da democracia espanhola, e interessante aspecto da história constitucional do país.

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terça-feira, 30 de julho de 2019

A MONARQUIA COMO FATOR DE CONTINUIDADE E ESTABILIDADE

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Na última quarta-feira, dia 24 de junho, em audiência privada no Palácio Buckingham, residência oficial da Coroa no coração da capital, Londres, a Rainha Elizabeth II do Reino Unido recebeu o novo Líder do Partido Conservador, Boris Johnson, e o convidou a formar um novo governo em seu nome, o “Governo de Sua Majestade” – a oposição, do Partido Trabalhista, é a “Lealíssima Oposição de Sua Majestade”, pois todos os partidos fazem questão de se identificar com a Soberana na condução do bem comum.

Boris Johnson aceitou o convite régio e, ao beijar as mãos da Rainha, como manda
a tradição, tornou-se seu 14º Primeiro Ministro, o mais recente em uma lista de nomes que se inicia, no ano de 1952, com o grande Sir Winston Churchill, e inclui ainda a formidável Lady Thatcher, a célebre “Dama de Ferro”. Uma lista de nomes – alguns não tão ilustres – que, ao longo dos últimos 67 anos, serviram a uma Soberana que, hoje aos 93 anos de idade, permanece pairando graciosamente acima dos interesses partidários e das querelas políticas.

O novo Primeiro Ministro tem agora a tarefa de levar a cabo a bem-acertada decisão tomada pelo povo britânico em referendo de 2016, conhecido como Brexit, de deixar a monolítica União Europeia, cujo projeto de poder é marcadamente socialista, pois não respeita as individualidades e tradições nacionais, nem tampouco a autodeterminação dos povos, e que parece caminhar para um “Estado artificial”, uma “República da Europa”, muito diferente do saudável modelo que outrora vigorou no Sacro Império Romano-Germânico, e que era todo baseado em valores monárquicos e cristãos.

Foi justamente aí que fracassou sua antecessora, Theresa May, e por isso ela teve de renunciar ao cargo de Líder do Partido Conservador e, portanto, de Primeira Ministra, entregando sua demissão à Rainha mais cedo na terça-feira. Foi um processo interno, sem necessidade de novas eleições populares, pois, desde o último pleito, em 2017 (o próximo deverá ser em 2022), os conservadores comandam a maioria dos assentos da Câmara dos Comuns, a câmara baixa, composta por representantes democraticamente eleitos, do Parlamento Britânico, que inclui ainda a Câmara dos Lordes, a câmara alta, composta pela nobreza e pelo alto clero anglicano.

“Mr. Johnson”, como é chamado pela imprensa de seu País, prometeu que o Reino Unido deixará a União Europeia no dia 31 de outubro próximo, “custe o que custar”. O eleitorado aguarda, já não tão paciente, mas certo de que, se ele também fracassar, virá o 15º Primeiro Ministro de Sua Majestade. Afinal, políticos vêm e vão, enquanto os governos são trocados ao sabor da opinião pública; mas a Coroa, assim com a Nação, é perene, servindo de espelho e exemplo das melhores virtudes de seu povo, velando sobre o bom funcionamento das instituições e garantindo que o Parlamento atue de acordo com as legítimas aspirações dos britânicos.

GOD SAVE THE QUEEN!

sexta-feira, 5 de julho de 2019

A MORTE DO CONDESTÁVEL DAS SAUDADES E DA ESPERANÇA

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Em seus últimos anos de vida, o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil desde 1921, já com a saúde abalada e problemas respiratórios crescentes, permaneceu sempre ativo, firme e inabalável em seus princípios – princípios que herdara de seus pais e avós, e que estes haviam herdado de nossos Imperadores.

A saúde do herdeiro do Trono Brasileiro, já idoso, ia decaindo paulatinamente, pelo peso dos anos e dos muitos sofrimentos e preocupações, mas nada fazia supor que estivesse tão próximo o desenlace.

Em fins de junho de 1981, recuperava-se bem de uma crise de hepatite, quando, de repente, foi acometido por uma infecção pulmonar, sendo internado no Hospital Eufrásia Teixeira Leite, em Vassouras, cidade no Estado do Rio de Janeiro, onde a Família Imperial Brasileira vivia desde 1965. A forte constituição de Sua Alteza parecia estar reagindo bem, sob efeito de antibióticos, quando, de súbito, uma crise aguda de enfisema pulmonar o matou, a 5 de julho de 1981, aos 71 anos de idade.

Acompanhava-o, no momento derradeiro, a Princesa Consorte do Brasil, Dona Maria da Baviera de Orleans e Bragança, fiel e devotada companheira de 44 anos de vida conjugal, que, agora, passava a ser a Princesa Mãe do Brasil. Os filhos, que, ainda na véspera, haviam recebido informações tranquilizadoras, foram surpreendidos com a notícia da morte do pai. Alguns estavam na Europa, mas todos os doze logo se deslocaram para Vassouras, sendo os primeiros a chegar os Príncipes Dom Luiz e Dom Bertrand de Orleans e Bragança, agora Chefe da Casa Imperial e Príncipe Imperial do Brasil, respectivamente, vindos de São Paulo.

O velório do Príncipe Dom Pedro Henrique, com o caixão coberto pela Bandeira do Império, foi realizado na Câmara Municipal de Vassouras, onde o Prefeito Pedro Ivo da Costa havia decretado luto oficial de três dias. Dom Antônio de Castro Mayer, Bispo da Diocese de Campos, celebrou Missa de Réquiem, na Forma Extraordinária do Rito Romano, seguida de sepultamento no Jazigo da Família Imperial, no Cemitério da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição.

A notícia de que havia falecido o Chefe da Casa Imperial do Brasil comoveu profundamente o público. Quem se habitua a considerar nosso País como ele é normalmente focalizado pela grande mídia, não poderia imaginar quão conhecido, estimado e querido era Sua Alteza, em todas as partes do País, em todas as classes sociais de seu povo, entre pessoas de todos os quadrantes ideológicos, que conheciam muito bem aquela figura de Príncipe genuíno, pai de família e católico modelar, além de artista, aquarelista, de grande talento.

O número de telegramas e cartas que afluíram a Vassouras nos dias seguintes, desde as mais altas autoridades – incluindo o então Presidente da República, General João Baptista Figueiredo, que escreveu à Princesa Mãe, “Apresento meus sinceros sentimentos de pesar pelo falecimento de d. Pedro Henrique de Orleans e Bragança” – até pessoas humildes, foi enorme. Em vários Estados foram realizadas homenagens oficiais ou semi-oficiais, que bem demonstravam que, embora em regime republicano, o falecido Chefe da Casa Imperial estava longe de ser um simples particular. Também de todos os países da Europa, assim como de quase todas as nações das três Américas, chegaram centenas e centenas de mensagens de condolências.

Para não nos estendermos demasiadamente, citando todas essas manifestações, limitemo-nos a uma única nota fúnebre, publicada em vários órgãos da imprensa paulista:

“A Secretaria de Estado da Cultura, através da Comissão de História e Geografia, Academia Paulista de História, Academia Paulista de Letras, Academia Paulistana de História, Associação dos Cavaleiros de São Paulo, Associação dos Cavaleiros da Soberana Ordem Militar de Malta de São Paulo e Brasil Meridional, Casa do Poeta, Instituto Genealógico Brasileiro, Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, Liga do Professorado Católico, Movimento de Arregimentação Feminina-MAF, Ordem dos Velhos Jornalistas, Ordem Nacional dos Bandeirantes, PEN Centre de São Paulo, Sociedade Amigos da Cidade, Sociedade Brasileira de Educação e Integração, Sociedade dos Veteranos de 32-MMDC e Sociedade Geográfica Brasileira, convidam para a Missa de Réquiem, que mandará oficiar por intenção da Alma de D. Pedro Henrique de Orleans e Bragança na próxima segunda-feira, dia 13 de julho, às 19h30, na Igreja de São Francisco, no Largo de São Francisco.”

Depositados numa singela campa, os restos mortais do Príncipe Dom Pedro Henrique, cognominado o Esperado pelos monarquistas de seu tempo, aguardam a hora em que serão, como de direito, transferidos para condigna sepultura definitiva no Mausoléu Imperial da Catedral de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis, junto aos seus maiores. Enquanto isso, sua memória também aguarda, como a de seu Magnânimo bisavô, o Imperador Dom Pedro II, a “justiça de Deus na voz da História”.

– Baseado em trecho do livro “Dom Pedro Henrique, o Condestável das Saudades e da Esperança”, do Professor Armando Alexandre dos Santos.

O título desta publicação, bem como do livro acima mencionado, refere-se à forma como o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, lembra de seu saudoso pai e antecessor dinástico.

Foto: Sua Alteza Imperial e Real o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil entre 1921 e 1981, em seus últimos anos de vida.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

"Como funcionava o Poder Judiciário do Império? Havia concurso público? Os juízes eram isolados da política?

"O Judiciário funcionava na base de juízes de direito, tribunal do júri e alguns juízes leigos. O tribunal do júri era a principal instituição para os contemporâneos: era composto de pessoas com direito a serem eleitas e significava a participação da soberania popular no ato de julgar os cidadãos. Todos os crimes eram julgados pelo júri, que em cada comarca era presidido pelo juiz de direito local.

O juiz de direito era sempre um bacharel formado em direito, mas nomeado pelo Imperador. O sistema era quase que de cooptação. Mas temos que lembrar que havia apenas duas faculdades de direito, São Paulo e Olinda, relativamente pequenas, que produziam um número suficiente de bacharéis. Pode-se dizer que todos se conheciam. Alguns com boas relações faziam seu nome chegar até o Ministro da Justiça, que era de fato quem os encaminhava para a escolha do Imperador.

Havia ainda os juízes eleitos na localidade, os juízes de paz. Sua função era inicialmente fazer a instrução criminal (o inquérito), mas ele mesmo não indiciava o suspeito: ele devia levar as provas colhidas para um júri (júri de instrução, grande júri), que aceitava ou não os indícios. Também esse regime mudou e em 1841 aboliu-se esse processo. O juiz de paz perdeu poder.

Finalmente, havia os juízes municipais, que não precisavam ser bacharéis e exerciam o cargo por nomeação do Imperador por um período curto de tempo. Esses bacharéis eram em geral indicados pelas câmaras e autoridades locais. Os juízes também podiam candidatar-se a cargos eletivos e assim misturavam-se aos outros políticos, mas tendiam a formar um grupo definido no Parlamento que ficou conhecido como “casa de marimbondos”: era muito difícil mexer em seus direitos e privilégios sociais.

Na segunda instância havia tribunais em alguns lugares maiores (Salvador, Rio, Recife, São Luis até 1874, e em seguida em São Paulo, Porto Alegre, Belém, Goiás, Ouro Preto, Fortaleza). Na capital havia o Supremo Tribunal de Justiça, que julgava os crimes dos grandes do Império e dos juízes dos tribunais, inclusive seus próprios juízes. Houve diversos processos, mas parece que os únicos condenados foram os dois bispos (D. Macedo Costa, de Belém, e D. Vital Gonçalves de Oliveira, de Olinda) na célebre “Questão Religiosa”.

A função mais importante desse tribunal era o recurso de revista, um recurso semelhante ao recurso especial de nossos dias: só poderia versar sobre questões de direito. Mas havia uma importante diferença: o Supremo do Império não podia ele mesmo decidir o caso. Se houvesse algo a corrigir, outro tribunal de segunda instância era chamado a tomar a decisão final.

CURIOSIDADE: Dom Pedro II passou Natal na Paraíba no ano de 1859

Com o objetivo de melhor conhecer as províncias do vasto império brasileiro, demarcar a presença do governo no lugares mais remotos ao norte da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (Capital do Império), fortalecer a monarquia e preservar a unidade nacional que resultou no Brasil de hoje, o imperador Dom Pedro II passou quatro meses viajando pelo País no ano de 1859.

No próximo dia 24, véspera de Natal, faz 155 anos que Dom Pedro II pisou em solo paraibano. Passou cinco dias em missão oficial. Foi uma viagem considerada curta, em relação ao tempo que ele passou na Bahia e em Pernambuco, embora nunca um governante brasileiro tenha passado tantos dias na Paraíba.

Os presidentes que visitaram o Estado nos séculos XX e XXI, nunca passaram mais do que dois dias no Estado. Tampouco ficaram por aqui em tempo de festa tão importante como o Natal.
Dom Pedro II por aqui esteve, no século XIX, e, além da Capital da Província, visitou  engenhos em Bayeux e Santa Rita. Foi a Cabedelo, Pilar e Mamanguape. Entre Bayeux e Santa Rita, visitou os engenhos Maraú, Tibiri e Santo Amaro.

Parahyba, Capital da Parahyba do Norte, sábado, 24 de dezembro de 1859, 16h30. O Vapor APA, navio da Marinha do Brasil, atracou no Porto do Capim, no rio Sanhauá. A bordo, estavam o imperador Pedro II, a imperatriz Teresa Cristina, o médico Motta Maia e uma vasta comitiva formada por ministros, conselheiros, militares e serviçais, num total aproximado de 50 pessoas. Foi a primeira e única visita do imperador ao território da Parahyba do Norte.

A comitiva imperial foi recebida com entusiasmo, aplausos, vivas e muita empolgação pelo povo e por autoridades. O casal imperial recebeu um crucifixo das mãos do Padre Chacon, visitador da Província. Dom Pedro recebeu também as chaves da cidade, entregues pelo presidente da Câmara de Vereadores, Francisco Alves de Souza Carvalho, segundo o médico e historiador paraibano Maurílio Augusto de Almeida, autor do livro “Presença de D. pedro II na Paraíba”.

Dom Pedro II, a imperatriz e os demais membros da comitiva passaram a noite de Natal na Capital Província, que fora preparada, meses antes, para a ilustre visita. Depois de uma longa caminhada pelas principais ruas da pequena Capital, Dom Pedro II e todos da comitiva chegaram ao Palácio do Governo, onde se acomodaram. Às 21h, conta Maurílio de Almeida, o presidente da Província, Ambrósio Leitão da Cunha, ofereceu um jantar na sala de refeições, onde estavam Dom Pedro, Dona Teresa Cristina, o chefe de polícia, o ministro do império e o senador Frederico de Almeida, entre outros convidados.

À meia noite, Dom Pedro II, Dona Teresa Cristina, o presidente da Província e o restante da comitiva se dirigiram à Igreja da Conceição- a Capela Imperial-, ao lado do Palácio, para assistir à Missa do Natal, celebrada pelo cônego José de Melo, o capelão do Império, que também veio à Parahyba.

Conventos e igrejas

Nas primeiras horas da manhã do dia de Natal de 1859, um domingo, o imperador Pedro II, o presidente da Província da Parahyba, Ambrósio Leitão da Cunha, e outras pessoas da comitiva foram ao Porto do Capim, embarcaram no navio APA e rumaram para Cabedelo. O imperador foi conhecer a Fortaleza de Santa Catarina. Visitou o povoado e retornou à Capital às 11h.

À tarde, visitou as igrejas do Rosário, das Mercês e da Misericordia, os conventos de São Francisco e São Bento, e a ponte sobre o rio Sanhauá. “Ao amanhecer do dia 25 de dezembro, Dom Pedro II foi a cavalo até o Porto do Capim, entrou no navio APA com o presidente e outras pessoas e seguiu para Cabedelo. Foi recebido em festa pelo povo”, narra o livro de Maurílio de Almeida.

“Em Cabedelo, o imperador andou pelo Lazareto da Ilha da Restinga, uma área destinada a receber pessoas que chegavam de navio, para evitar que trouxessem doenças ou adoecessem. O Lazareto era um  órgão do governo”, contou o jornalista Otinaldo Lourenço de Arruda Melo, acrescentando que o imperador retornou á Capital no período da tarde, onde visitou igrejas e conventos.

“À noite, após jantar no Palácio, ele foi visitar a cadeia e reclamou da comida servida aos presos. Depois, quis saber como os presos eram tratados e comeu bananas. Achou a cadeia ótima, exceto a construção e a falta de água”, acrescentou Otinaldo.

A viagem a Pilar aconteceu no dia 26, uma segunda-feira. “Ele foi a Pilar acompanhado de homens da Guarda Nacional, e do presidente da Província. Parou no engenho Santo Amaro, em Bayeux. Depois, seguiu com destino ao engenho Tibiri, em Santa Rita. Também visitou o engenho deMaraú, então pertencente a José Teixeira de Vasconcelos, posteriormente Barão de Maraú, avô do ex-prefeito de Santa Rita, Marcus Odilon Ribeiro Coutinho”, disse Otinaldo Lourenço.

O imperador chegou a Pilar antes do previsto e nada tinha sido preparado, ainda, para recepcioná-lo. Enquanto preparavam algo para ele comer, Dom Pedro deitou-se numa rede e descansou. O governador, segundo Otinaldo Lourenço, mandou prender Herique Lins, então responsável pela cidade, pelo descaso em relação à visita do imperador. Mas o próprio Pedro II mandou soltá-lo,  assumindo a culpa pela antecipação da chegada ao povoado.

Dormiu em Pilar e, no dia 27, a comitiva seguiu para Mamanguape, a cidade mais próspera e rica da Província, depois da Capital. Em Mamanguape, ele foi ovacionado. No dia 30, o imperador deixou a Parahyba por volta das 8h. Seguiu para as Províncias de Alagoas e Sergipe.

Começo pela Bahia

No dia 11 de setembro de 1859, durante o encerramento da 3ª sessão da 10ª Legislatura da Assembleia Geral na Corte, o imperador comunicou a pretensão de visitar as Províncias localizadas ao norte da Capital do Império: Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Parahyba. As demais Províncias do Norte e do Centro-Oeste seriam visitadas em outra ocasião.
A viagem começou pela Bahia e se estendeu a Pernambuco, as duas Províncias mais importantes. De Pernambuco, Dom Pedro II seguiu para a Paraíba, onde passou o Natal com a imperatriz, Teresa Cristina. Antes, em 1845, segundo Maurílio de Almeida, ele tinha visitado as províncias do Sul: Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande do Sul e São Paulo.

Conforme ficou registrado, em português da época, o imperador disse, em seu discurso, no encerramento da 10ª Legislatura da Assembleia Geral da Corte, que queria conhecer melhor as Províncias do Império, “cujos melhoramentos moraes e materiaes são alvo dos meus constantes desejos, e dos esforços do meu governo”.

“Decidi visitar as que ficão ao norte do Rio de Janeiro, sentindo que a estreiteza do tempo que medea entre as sessões legislativas me obriguem a percorrer somente as Províncias do Espírito -Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Parahyba”, acrescentou em português arcaico. O imperador morreu sem realizar o sonho de visitar o Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Pará e Amazonas, entre outras províncias.

Como sabia que a Parahyba era uma Província palpérrima e que enfrentava dificuldades financeiras, Dom Pedro II enviou a importância de 4 contos de réis para que o Governo preparasse a visita. Depois, enviou mais 3 contos porque o dinheiro inicial foi insuficiente. Com o que já tinha investido nas melhorias feitas no Palácio, os gastos somaram quase 7 contos, uma fortuna para a época. (ABS)

Palácio foi recuperado

A população da Cidade da Parahyba e o governador da Província ficaram sabendo da visita do imperador no dia 5 de setembro de 1859, por meio de um aviso imperial. Segundo historiadores, a palpérrima Capital da longínqua Província precisava se preparar para a visita do ilustre monarca.
Para tanto, a Assembleia Provincial aprovou a lei número 30, de 3 de outubro daquele ano, que disponibilizou crédito ilimitado para que o presidente mandasse comprar o que fosse necessário para proporcionar bem estar aos visitantes. O crédito foi aprovado porque os 7 contos enviados do Rio de Janeiro não foram suficientes para as despesas.

Segundo relatório elaborado pelo ex-presidente da Província, Ambrósio Leitão da Cunha, o crédito aprovado pela Assembleia foi destinado à compra de móveis, reparo no telhado do Palácio, compra de cortinas, louça e alimentos. Tudo fora adquirido na vizinha e mais desenvolvida Província de Pernambuco. O presidente mandou recuperar o Palácio, a Igreja do Colégio, onde hoje está o mausoléu do ex-presidente João Pessoa. (ABS)

Mamoré

O presidente da Paraíba era o paraense Ambrósio Leitão da Cunha, que recebeu o título de Barão da Mamoré, depois da visita do imperador à Parahyba. Ambrósio era advogado e juiz de Direito. Nasceu em Belém (PA) em 21 de agosto de 1825. Ele também foi deputado geral, e senador do Império do Brasil de 1870 a 1889. Além de presidente da Parahyba, foi presidente de Pernambuco, do Pará, do Maranhão (quatro vezes) e da Bahia. Assumiu o governo da Parahyba no dia 4 de junho de 1858 e ficou no cargo até 13 de abril de 1860.  (ABS)

Caminhada entre o Porto do Capim e o Palácio do Governo

Monarquista convicto, o jornalista e historiador paraibano Otinaldo Lourenço de Arruda Melo disse que o imperador, a imperatriz, os ministros e demais membros da comitiva foram muito bem recebidos na Cidade da Parahyba naquele dia 24 de dezembro de 1859.

O governador da Província, Ambrósio Leitão da Cunha, que tinha assumido o mandato no dia 4 de junho, foi surpreendido com um aviso imperial comunicando a visita de Dom Pedro II e fez tudo o que era possível para proporcionar uma recepção à altura da importância do soberano.

Dom Pedro II, conforme Otinaldo Lourenço, chegou à Cidade da Parahyba às 16h30h  do dia da véspera do Natal. “Ele, a imperatriz, o médico, os ministros e os demais membros da comitiva desembarcaram do navio APA no ancoradouro do Porto do Capim, no Varadouro”, disse Otinaldo.

“O imperador tinha 33 anos e seguiu a pé, com a comitiva (subindo ladeiras), do Porto do Capim, seguindo pela Rua da Areia, Rua Duque de Caxias, Ponto de Cem Réis, até o Palácio do Governo da Província, hoje Palácio da Redenção, sede do Governo do Estado”, acrescentou Otinaldo Lourenço.
Segundo ele, o povo acompanhou a comitiva pelas ruas da Capital. E em frente ao Palácio, outra multidão aguardava a comitiva imperial dando vivas ao imperador. Dom Pedro, Dona Teresa Cristina e demais membros do governo imperial se hospedaram no Palácio, que fora totalmente reformado e preparado para o acontecimento histórico, segundo Otinaldo Lourenço.

A Capital da Província, segundo o médico e historiador Maurílio de Almeida, que pesquisou, escreveu e lançou em 1975 um livro sobre a “Presença de D. Pedro II na Paraíba”, tinha 25 mil habitantes no ano de 1859. Era uma cidade pequena, pobre e atrasada, conforme narra Maurílio de Almeida, que fala em “aglomerado urbano pequeno, pobre e dos mais atrasados”, com 35 ruas, travessas e becos nas partes alta e baixa.

A parte alta tinha, segundo Maurílio, 17 ruas. As principais eram as ruas Nova, da Misericórdia, da Matriz, das Mercês, da Cadeia, das Trincheiras e o Largo do Erário. Na parte baixa, conhecida como Varadouro, estavam outras 16 ruas, travessas e becos. As principais ruas: das Convertidas, do Varadouro, da Areia, do Império, da Viração, do Quartel e das Flores.

Maurílio Almeida escreveu em sua obra que “todas as despesas efetuadas com a viagem à Paraíba e as demais Províncias correram por conta pessoal do D. Pedro II, como se o imperador estivesse empreendendo uma excursão turística para regalo íntimo, como se não estivesse no desempenho de um dever inerente às suas funções conspícuas”.

Ainda segundo Maurílio Almeida, não possuindo dinheiro suficiente para os custos da viagem, Dom Pedro II, teria feito empréstimos pessoais. O primeiro teria sido de 20 contos de réis.

VERSALHES BRASILEIRA: COMO PETRÓPOLIS SE TORNOU PRIMEIRAS CIDADES PLANEJADAS PAIS

A Versalhes brasileira: como Petrópolis se tornou uma das primeiras cidades planejadas do país

Em uma de suas muitas viagens pelo país em 1822, ao passar pela Serra dos Órgãos, na região serrana fluminense, dom Pedro I hospedou-se na fazenda do Padre Correia. Encantou-se com a vegetação e o clima ameno e tornou-se visitante assíduo, atrás de um refresco do alto verão carioca e à procura de “melhores ares” para a filha, Paula Mariana, sempre adoentada. Se, como diz o ditado popular, visita é como peixe, depois de três dias começa a cheirar mal, é de imaginar o transtorno que as estadas do imperador causavam aos donos do lugar. Após a morte do padre, sua irmã e herdeira, dona Arcângela, continuou tendo de receber, além de dom Pedro e de seus filhos, a amante Marquesa de Santos, outros membros da corte e um séquito de serviçais – cozinheiros, camareiras, aias e cavalariços. Farta, a anfitriã chegou a desabafar com a filha após uma das visitas imperiais, em que até o cavalo do falecido padre levaram embora: “E, quando se despediram, foi até outra vez que esperam tornar; essa gente pensa que há obrigação de os receber.”

A folga do imperador teria um basta. Segundo Lourenço Luiz Lacombe, em seu livro Biografia de um Palácio, “todo esse transtorno das estadas do imperador foi notado pela nova imperatriz dona Amélia, que sugeriu ao marido a compra da propriedade”. A proprietária declinou a oferta e teria sugerido a compra de outro imóvel à venda na região, a Fazenda do Córrego Seco. Depois de anos aguentando as visitas de dom Pedro e sua corte, parece que dona Arcângela teve o seu momento de vingança: a fazenda, relativamente próxima da dela, não possuía as mesmas qualidades. As terras foram descritas em um inventário como “frias e inferiores, não frutificam nem servem para a cultura”. Dom Pedro comprou a fazenda e contratou um engenheiro para erguer no local o Palácio Imperial da Concórdia. Mas nada saiu do papel: pouco mais de um ano após a aquisição, o imperador abdicou e partiu para a Europa. Em 1834, dom Pedro I morreu em Portugal cheio de dívidas. A Fazenda do Córrego Seco, hipotecada aos credores, acabou sendo resgatada pelo Estado brasileiro para dom Pedro II.

Cidade planejada

O destino da futura cidade de Petrópolis foi selado pelo Decreto Imperial nº 155, de 16 de março de 1843. Nele, dom Pedro II autorizou o plano do mordomo-mor da Casa Imperial, Paulo Barbosa da Silva, de arrendar a fazenda ao major e engenheiro militar alemão Júlio Frederico Koeler. No decreto, dom Pedro reservou para si um terreno para a construção de um palácio e doou outros para a construção de uma igreja, sob a invocação de São Pedro de Alcântara, e de um cemitério. O restante foi dividido em lotes a ser aforados para particulares. O lugar estava longe de ser uma Versalhes, a cidade artificial construída pelo rei francês Luís XIV. Mas funcionaria como um refúgio para o soberano brasileiro ficar longe das agruras da corte no Rio de Janeiro.

Para a historiadora Alessandra Fraguas, do Instituto Histórico de Petrópolis, a criação da cidade é fruto de três elementos: um plano do governo da província do Rio de Janeiro, que “buscava o emprego de mão de obra estrangeira e livre nas obras públicas, além da formação de colônias agrícolas”; um plano estabelecido pelo mordomo da Casa Imperial, que pretendia construir um palácio “fora da Corte, onde a família imperial pudesse passar temporadas, especialmente durante o verão”; e um plano pessoal do major Koeler “visando ao arrendamento das terras da Fazenda do Córrego Seco e a contratação de colonos livres para a sua ocupação e desenvolvimento econômico”.

Petrópolis deve o seu nome ao mordomo Paulo Barbosa, que deixou um testemunho a respeito: “Lembrei-me de Petersburgo, cidade de Pedro, recorri ao grego e, sendo o imperador dom Pedro, julguei que lhe cabia bem esse nome”. O major Koeler, com o seu projeto da nova cidade planejada, rompeu com a herança colonial. Evany Noel, diretora de Turismo da Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis, afirma que o plano urbanístico de Koeler “foi concebido com uma visão de vanguarda no século 19”. Entre outros detalhes, o traçado contou com “um minucioso levantamento topográfico, previu a construção de casas de frente para os rios, para evitar a degradação das margens e águas, distanciamento da construção das casas em relação às vias públicas, ajardinamento das testadas e proteção, com gradis de madeira ou ferro, normas de parcelamento da terra, sistema de abastecimento de água, reflorestamento e preocupação com o meio ambiente”.

O plano de Koeler não deu as diretrizes urbanísticas só para o entorno do palácio a ser construído, mas também aos quarteirões adjacentes, que receberam nomes de regiões da Alemanha de onde vieram as famílias dos imigrantes, como Bingen, Palatinado, Renânia e Westfália. Com a chegada de novos imigrantes, dom Pedro II adquiriu novas terras ao redor. À Fazenda do Córrego Seco juntaram-se as fazendas Quitandinha, Itamarati e Morro Queimado, que passaram a compor em 1854 a Imperial Fazenda de Petrópolis.

Imigração alemã

Em 1859, além de outros europeus, como portugueses e suíços, era esmagadora a presença dos alemães, que somavam 3 300 colonos. Abrigados em barracões até receberem os lotes onde construiriam suas casas, os alemães trabalhariam na urbanização de Petrópolis e na construção do Palácio Imperial. Segundo Alessandra Fraguas, os colonos germânicos “adaptaram-se mais às atividades manufatureiras do que à agricultura. Possuíam seus grêmios recreativos, sociedades musicais, clubes, enfim, redes de sociabilidade que mantiveram suas tradições”. Essa forte presença da cultura alemã na região trouxe atritos na década de 1940, como diz Alessandra: “Devido à Segunda Guerra houve grande represálias à comunidade alemã em Petrópolis. Nomes de logradouros foram trocados, houve apedrejamentos e a colônia foi hostilizada. Por outro lado, é fato que havia um número considerável de simpatizantes do nazismo na cidade”.

Além do Rio de Janeiro, Petrópolis é uma das únicas cidades brasileiras com a memória do cotidiano da corte. Não era apenas em busca de um clima mais ameno e uma atmosfera mais saudável que Pedro II subia a serra. Na capital, sede do poder real, ele era o monarca; em Petrópolis, no palácio construído com o seu próprio dinheiro, era o cidadão Pedro de Alcântara. Alessandra Fraguas recorda ter localizado nos escritos do imperador trechos em que ele deixa clara a sua predileção pela cidade que lhe permitia “ser um pouco mais ele mesmo”, onde encontrava a paz para “dedicar-se às atividades que verdadeiramente lhe causavam prazer, como os estudos e as leituras”.

Mas, aonde o imperador ia, a corte ia atrás, e logo Petrópolis passou a ser ponto de encontro da elite política, financeira e cultural. A queda do Império não trouxe grandes transtornos à cidade além da falta de seu cidadão mais ilustre. Entre 1894 e 1903, chegou a ser nomeada capital do Estado do Rio de Janeiro. Com a presença da sede do poder nacional próxima, na cidade do Rio de Janeiro, a tradição das temporadas na cidade continuou durante muitas décadas. A partir de 1903, quando foi adquirido pelo governo brasileiro, o Palácio Rio Negro passou a ser a residência de verão dos presidentes, e ao menos dois deles chegaram a ter casas de veraneio em Petrópolis: Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

A convivência contínua da cidade com a diplomacia, a política e a elite financeira e econômica brasileira perdurou até a mudança da capital para Brasília, nos anos 1960. Porém, como um eco do passado, ainda hoje recebe esporadicamente os presidentes brasileiros. Em 27 de março de 1981, o Decreto nº 85 849, assinado pelo então presidente João Figueiredo, concedeu a Petrópolis o título de “Cidade Imperial”.

SAIBA MAIS

Livro

Biografa de um palácio, Lourenço Luiz Lacombe, Museu Imperial, 2007

DOM ANTONIO GASTÃO

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O Príncipe Dom Antonio nasceu em Paris, pois, em 1878, seus pais e irmãos haviam viajado para a Europa, com o objetivo de encontrar uma cura para o braço deficiente de seu irmão mais velho, o Príncipe do Grão-Pará. Para garantir os direitos sucessórios do Príncipe Dom Antonio, o Governo Francês declarou a casa em que a Princesa Imperial daria à luz como território brasileiro. Em dezembro de 1881, a família retornou ao Brasil, onde foi recebida, com grande entusiasmo, pelo povo.

No Brasil, o Príncipe Dom Antonio cresceu entre as residências Imperiais do Rio de Janeiro e de Petrópolis e foi educado por tutores. Assim como todos os membros da Família Imperial, Sua Alteza demonstrou, desde a mais tenra infância, fortes tendências abolicionistas. Junto aos seus irmãos, editava e distribuía pela Corte um jornalzinho abolicionista. Em 13 de maio de 1888, o Príncipe Dom Antonio estava ao lado de sua mãe quando a Princesa Imperial, como Regente do Império, assinou a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil.

Em 15 de novembro de 1889, os criminosos republicanos deram o Golpe da Proclamação da República. O Príncipe Dom Antonio e seus irmãos se encontravam em Petrópolis, mas foram trazidos para o Rio de Janeiro, onde, na madrugada do dia 17, a Família Imperial partiu para o seu banimento na Europa. Ainda em 28 de dezembro daquele ano, na cidade do Porto, a Imperatriz Dona Teresa Cristina faleceu. Em 5 de dezembro de 1891, em Paris, faleceu o Imperador Dom Pedro II, e a Princesa Imperial assumiu a Chefia da Casa Imperial, sendo aclamada, pelos monarquistas, como Imperatriz Constitucional e Defensora Perpétua do Brasil.

Após uma temporada de viagens pela Europa, onde aproveitaram para rever seus parentes, o Príncipe Dom Antonio, seus pais e irmãos fixaram residência em Paris, onde a Chefe da Casa Imperial havia adquirido o Palacete de Boulogne-sur-Seine, transformado em uma “embaixada informal” do Brasil. Em 1902, o Conde d’Eu se tornou proprietário do Castelo d’Eu, na Normandia, onde também imperava o clima brasileiro. Os três jovens Príncipes foram matriculados no Colégio Stanislas, em Paris.

Após concluir seus estudos, o Príncipe Dom Antonio, seguiu os passos de seus irmãos mais velhos, indo estudar na Academia Militar de Wiener Neustadt, na Áustria, pois seu primo-tio-avô, o Imperador Franz Joseph da Áustria (1830-1916), havia permitido que Sua Alteza ingressasse no Exército do Império Austro-Húngaro. Entre 1908 e 1914, o Príncipe Dom Antonio serviu como Hussardo do Exército Imperial, obtendo diversas honras. Ainda em 1909, acumulou o título de Príncipe de Orleans e Bragança e teve seu pronome de tratamento elevado a Alteza Real, devido às disposições do Pacto de Bruxelas, assinado entre pela Família Imperial do Brasil e pela Família Real da França. O Príncipe Dom Antonio chegou a propor casamento à sua prima segunda, a Princesa Adelaide de Bourbon e Parma (1885-1959), mas esta preferiu seguir a vida religiosa, e o Príncipe decidiu permanecer solteiro e se dedicar às suas atividades militares.

Quando estourou a Primeira Guerra, Sua Alteza Real – impedido, por sua ascendência, de se alistar no Exército Francês – ingressou, como Tenente, no Corpo Expedicionário do Canadá, onde serviu como piloto de avião e oficial de inteligência. Em 1918, o Príncipe Dom Antonio foi promovido a Capitão. Sua Alteza Real também serviu como Ajudante de Ordens do Brigadeiro-General John Edward Bernard Seely (1868-1947), 1º Barão Mottistone e Comandante Brigada Canadense de Cavalaria.

O Príncipe Dom Antonio faleceu em 29 de agosto de 1918, aos trinta e sete anos de idade, após a queda de seu avião, em Edmonton, no Reino Unido. Sua Alteza Real foi sepultado no Mausoléu Real de Dreux, na França. Ao longo de sua vida, o Príncipe acumulou diversas distinções. Foi Cavaleiro Grã-Cruz das Imperiais Ordens de Pedro I, do Cruzeiro do Sul e da Rosa, do Império do Brasil; da Ordem de Carlos III, da Espanha; da Ordem Militar de Cristo, de Portugal; da Ordem do Sol Nascente, do Japão; da Ordem de Mérito da Bulgária, foi Cavaleiro da Ordem da Legião de Honra da França e recipiente da Cruz Militar e da Medalha de Guerra Britânica, do Reino Unido; e da Medalha da Vitória dos Aliados.

O Príncipe Dom Antonio é um grande exemplo a ser seguido. Mesmo banido, lutou pela liberdade e pela paz de sua Nação e de seu povo, cumprindo a mais nobre tarefa dos Príncipes cristãos, servir no campo de batalha. A memória de Sua Alteza Real deve ser eternamente preservada e lembrada.

PRÍNCIPE DOM ANTONIO DO BRASIL (9-VIII-1881 – 29-XI-1918)

sexta-feira, 19 de abril de 2019

A DEMOCRACIA COROADA

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Com certeza vocês já ouviram dois lados da moeda pra falar da política Imperial, seja a que fala que era uma Monarquia opressora e retrógrada como também a de que era uma Democracia à época, daí fiz esse pequeno quadro pra vocês, que pode ser útil pra julgar e tirarem as próprias conclusões.

Primeiramente, para dizer se o Império era ou não democrático, considere duas coisas:

  1. O contexto da época e o que era entendido como "democrático";
  2. Como as nações incorporavam instituições ou valores que hoje consideramos democráticos.


A DIVISÃO DE PODERES

INGLATERRA

Nunca houve divisão formal dos poderes da Coroa. Diferente dos EUA ou demais países que fizeram divisão formal, o Reino Unido não tem uma Constituição escrita, mas sim leis pulverizadas que foram constituindo as instituições nacionais.

O Reino Unido opera por soberania parlamentar, não por Poderes divididos, o que significa que o que temos por executivo, judiciário e legislativo são operados pelo Parlamento, que é composto do Monarca, Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes.

Há diversas interpretações desse arranjo, há quem teorize um grande legislativo, uma divisão tripartite informal, um absolutismo controlado ou ainda vários poderes não estabelecidos exercidos de outras formas, que é uma das bases da teoria de Benjamin Constant para propor seus 5 poderes (que influenciaram a Constituição do Império), embora a lei britânica não aponte divisão do exercício de poderes, que emanam da Monarquia.

ESTADOS UNIDOS

Vocês já conhecem bem a divisão de poderes da República americana, os 3 principais baseados na divisão proposta por Montesquieu que também regem o Brasil hoje, apesar de diversas notas e visões que podem ser traçadas a partir dela.

FRANÇA

Quase idêntica aos Estados Unidos, porém ao ano dado, que é 1885, a França já estava iniciando os passos para o semi-presidencialismo, em que o poder executivo estava dividido entre o Presidente do Conselho de Ministros e o Presidente da República.

O último nomeava o primeiro e era eleito indiretamente pelo próprio poder legislativo, mas apesar dessas diferenças, a divisão de poderes na França era consideravelmente sólida

BRASIL

Também devem conhecer como era a divisão de poderes no Império, os 3 principais mais o Moderador, como prerrogativa privativa do Imperador, mas para analisar como era, é preciso entender a teoria de Constant e como o Império se desenvolveu a partir disso.

No livro "Princípios de Política", ele desenvolve uma teoria a partir da Constituição restauradora pós derrota de Napoleão, que advoga uma Monarquia Constitucional, a liberdade entendida pelos princípios da Revolução Francesa e o modo com que se deve operar o país com tais elementos.

Contrariamente ao Reino Unido, a Monarquia Benjamina não é Parlamentarista, pois propõe um Monarca chefe máximo do executivo, que nomeia ministros para exercê-lo.

O curioso é que a Monarquia de Constant prevê a divisão do executivo em vários presidentes, especializados na atuação que respondem somente ao monarca. Zero é a participação popular nas decisões executivas, porém no Congresso é quase total.

A partir da formação das leis, a liberdade é mantida por um Legislativo popular que submete a própria Monarquia às leis. Quando o Império é formado, Dom Pedro I aplica estes princípios na Constituição. A Monarquia no Primeiro Reinado poderia ser categorizada como "presidencialista" devido aos poderes conferidos ao Imperador no executivo e moderador.

Porém, a situação muda após o decreto de 1847, que criara a posição de Presidente do Conselho de Ministros, que seria responsável por exercer as funções executivas em nome do Imperador, tornando o Brasil em um país Parlamentarista.

ELEIÇÃO DO CONGRESSO

Senado

INGLATERRA: Casa dos Lordes

É vitalício e nomeado. Sempre foi reservada para a nobreza. Diferente do Brasil, os títulos são hereditários no Reino Unido e muitos assentos na câmara são hereditários, porém podem ser cedidos pelo Monarca ou realocados a depender da situação que a lei estabelece.

EUA: Senado

Desde a independência, os EUA deram uma relativa vantagem com relação à composição do Senado. Com um compromisso dos Federalistas com os Antifederalistas, o Senado seria composto de membros com mandato de 6 anos, porém seriam eleitos pelos Estados e as assembleias internas.

A eleição popular para Senadores por lá viria no início do Século XX.

BRASIL: Senado do Império

Os Senadores eram vitalícios e eleitos indiretamente. As exigências de renda para a candidatura eram maiores que para a Câmara Geral. Votava-se para o Senado a partir de um colégio eleitoral, que então votaria para a escolha dos Senadores da Província, o que durou até 1881, com a Lei Saraiva.

A partir dela, o Senado continuou vitalício, porém seus membros seriam diretamente eleitos pela população, da mesma forma como passou a ser com os Deputados, levando em conta uma cláusula da Constituição que estabelecia assento garantido no Senado para membros da Família Imperial.

FRANÇA: Senado

Até hoje, como também em 1885, a França tem seu Senado eleito indiretamente. Como era no Brasil, havia um colégio eleitoral próprio para eleger os Senadores. As funções das casas em questão eram praticamente as mesmas.

ELEIÇÃO PARA CHEFE DE GOVERNO

BRASIL: Presidente do Conselho de Ministros e o Imperador

Formalmente, como estabelecia a Constituição, o Imperador era o chefe do poder executivo, porém a criação do cargo de Presidente do Conselho de Ministros, essa função foi afastada da Coroa. O gabinete que governaria o Império seria composto pelo partido majoritário que entregaria os nomes de indicados ao Imperador para a nomeação.

Elemento curioso do Parlamentarismo Brasileiro era que, caso houvesse impasse entre o Congresso e o Presidente, caberia à Coroa decidir qual devia prevalecer, podendo dissolver o gabinete ou o próprio Congresso.

EUA: Presidente

Como já deve ser conhecido, a eleição para Presidente nos EUA não é direta, pois ainda passa pelo Colégio Eleitoral. Há a votação popular, que  influencia no resultado dado pelos delegados, porém a eleição como um todo não é direta e possíveis distorções dentro do sistema são enormes.

FRANÇA: Presidente da República e Presidente do Conselho de Ministros

O Presidente da República Francesa era eleito indiretamente, um colégio similar, porém sujeito a outras regras, era estabelecido para eleger o Presidente da República. Não existia voto popular envolvido. O Presidente do Conselho, o qual compartilhava o poder executivo com o Presidente da República, respondia ao Congresso e ao Presidente, sendo nomeado pelo mesmo.

INGLATERRA: Primeiro-Ministro

De forma semelhante ao Brasil, o Reino Unido também era Parlamentarista e a eleição do chefe de governo era indireta, porém não anti-democrática, pois o poder executivo era extensão do legislativo e a eleição do Primeiro-Ministro não era alheia à população, embora o controle da Monarquia sob tais aspectos era bem menor no Reino Unido.

GARANTIAS TRABALHISTAS

INGLATERRA

Sendo o primeiro país a ver transformar a realidade social de um país agrário para um industrial, as leis que exigiam mínimas condições de trabalho, salário, transporte e vida eram mais presentes. A Alemanha também vai ser expoente na produção de garantias trabalhistas no fim do Século XIX, mas é o Reino Unido o principal país a fazer valer de tais garantias.

FRANÇA

Idem Reino Unido.

EUA

Em 1885, os EUA estavam começando seu processo de industrialização, que veio em peso após o fim da Guerra Civil. Ainda cedo, as leis que tratavam da forma de trabalho eram de iniciativa dos Estados, a União pouco ou nada trabalhava em tais assuntos.

BRASIL

Única menção a trabalho digno vem da Constituição, tratando dos escravos, que declara proibido o açoite, castigos físicos e trabalho em condição degradante. Fora isso, nada fazia nem fez o Brasil para melhorar as condições de trabalho.

GARANTIAS SOCIAIS

EUA

Leis que estabeleciam escolas públicas, hospitais, pensões e demais garantias sociais eram de iniciativa dos Estados, a União pouco legislava sobre o assunto.

INGLATERRA

Poucas e razoáveis garantias feitas esporadicamente em leis ordinárias que muitas vezes eram aplicadas na esfera nacional.

FRANÇA

Idem Reino Unido.

BRASIL

Pela Constituição Imperial, os direitos e garantias são estabelecidos pelo artigo 179, nos quais "os Soccorros Publicos" e "A instrução primária pública e gratuita" são as principais. Os dois incisos são reflexos da preocupação de Dom Pedro I com a educação e situação sanitária do território brasileiro.

O Brasil foi o primeiro país da História a garantir constitucionalmente o Direito à educação. Direito que seria revogado pela Constituição republicana de 1891.

SUBDIVISÃO DO ESTADO

EUA: Federativo

As subdivisões dos EUA, os Estados, detinham imensa autonomia desde a independência. Reflexo da própria formação cultural e política do americano, os diferentes territórios estabeleciam as próprias leis e se desenvolviam da própria forma até a formação da Federação em 1776, centralizada com a Constituição de 1787, após o fim dos Artigos de Confederação.

BRASIL: Unitário descentralizado

Também como reflexo da vida de Dom Pedro I, o Brasil nasce como um Estado unitário e extremamente centralizado. O Imperador temia o federalismo e acreditava que sua aplicação só levaria à anarquia, em contraste com a teoria municipalista de Benjamin Constant.

Apesar disso, com a regência, leis reformadoras foram passadas durante a menoridade de Dom Pedro II, que reestruturaram as relações provinciais com a Corte. Alguns elementos federativos foram introduzidos, mas o Brasil ainda estava longe de se estabelecer como uma Federação.

INGLATERRA: Unitário

Aos fins do Século XIX, o Reino Unido era um Estado Imperial, as possessões ultramarinas pesavam na formulação de instituições nacionais, porém as ilhas britânicas não contavam com elementos federativos, o Parlamento governava soberano e não havia subdivisões com autonomia relativa.

FRANÇA

Idem Reino Unido, diferenciando somente os departamentos da divisão britânica, porém acabavam por serem bem centralizados com relação às possessões internas.

VOTO

BRASIL

Em 1885, o Brasil acabara de passar a Lei Saraiva, que reestruturava as relações eleitorais e diretrizes para as eleições. Apesar da proibição do voto analfabeto, que previamente era elemento crucial da "democracia" brasileira, o voto direto estabelecido era uma instituição respeitável por si só.

Como estabelecia a Constituição, o Brasil tinha voto censitário, que dependia da renda dos votantes. Como mencionei antes, citando José Murilo de Carvalho, o Brasil tinha voto censitário, mas a quantia exigida era tão pífia que na prática a adesão era grande.

A quantia nunca foi reformada e não se ajustou às alterações econômicas que sofreu o Império. Por bem ou mal, a exigência era baixa e tornou fácil que qualquer trabalhador conseguisse votar.

EUA

A Constituição Americana não estabelecia competências para os votantes, tais leis ficavam sob legislação dos Estados. Em 1885, a escravidão ainda deixava rastros e o direito de voto a ex-escravos não era exercido respeitado.

Embora o voto fosse universal masculino, muitas vezes as leis estaduais burlavam essa universalidade e cerceavam esse direito ao voto.

INGLATERRA

Em 1885, o Reino Unido tinha passado por duas reformas legislativas, uma no ano anterior e uma que tinha acabado de ser feita. Elas expandiram o eleitorado, porém faltava muito para o voto ser universal, sendo ainda censitário, porém de maior amplitude que a versão brasileira.

FRANÇA

Universal Masculino. Apesar das poucas posições e do pouco peso de influência do voto na França, desde 1848, o voto era universal para todos os homens.

MORAL DA HISTÓRIA

Tentei trazer aqui informações sobre as instituições desses países (que hoje são tidos como Democracias) no século XIX. A ideia é falar aos dois lados: dos que consideram o Império uma experiência retrógrada e dos que consideram uma experiência democrática para os padrões da época.

Com tais pontos levantados, é possível cada um fazer julgamento sobre a organização do Brasil no período Imperial, tendo em vista dois pontos inegáveis:

  1. Nenhum desses países pode ser considerado democrático hoje em dia; 
  2. O Brasil não estava atrasado em relação aos contemporâneos.
O que importa nessas informações não é refutar a visão de que o Brasil era ultrapassado, mas sim mostrar que o Império tinha um modelo único, que não devia ser comparado superficialmente a outros países.
VIA: The Brazilian Second Reign Ball