domingo, 25 de junho de 2017

Conselho de Estado

A criação do Conselho de Estado esteve ancorada na tradição dos conselhos reais das monarquias europeias do Antigo Regime, tendo sido adotado no Brasil na conjuntura do processo de independência. A crise instalada pela revolução constitucionalista que eclodiu no Porto em 1820 e a convocação das Cortes Gerais Extraordinárias da Nação Portuguesa em 1821 fomentaram no Brasil a criação do Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias, pelo decreto de 16 de fevereiro de 1822. O órgão assumiu funções similares a um conselho de Estado, e sua atuação não apenas fortaleceu as relações da Corte do Rio de Janeiro com as províncias, como contribuiu para tornar a capital da colônia em uma alternativa à centralidade política do império luso-brasileiro reivindicada por Portugal.

Realizada a transição para um regime constitucional e independente no Brasil, o Conselho de Procuradores-Gerais foi extinto por lei de 20 de outubro de 1823, que declarava que, enquanto a Constituição a ser elaborada não decretasse a existência formal de um conselho, seriam conselheiros os ministros e secretários de Estado.

Ao longo dos trabalhos da Assembleia Constituinte, instalada em 3 de maio de 1823, os impasses e tensões sobre a elaboração da Constituição brasileira deram lugar a uma crise política, aprofundada pelos embates entre os deputados e o imperador, o que levaria à sua dissolução em 12 de novembro do mesmo ano. No dia seguinte, com o objetivo de elaborar uma constituição para o Império, d. Pedro instituiu o Conselho de Estado, composto por dez membros, além dos ministros, considerados conselheiros natos.

A nova Constituição, outorgada pelo imperador em 25 de março de 1824, ratificou a existência do Conselho de Estado e confirmou seu papel de elemento estratégico para garantia da estabilidade institucional, necessário à manutenção do Império e à consolidação do regime monárquico no Brasil.

O Conselho de Estado, conforme disposto na Carta Magna, seria composto por até 10 membros vitalícios, com a função de aconselhar em todos os negócios graves e ações gerais da administração pública, especialmente em questões relativas à declaração da guerra, ajustes de paz, negociações com as nações estrangeiras, etc. Os conselheiros deveriam ser ouvidos em todas as ocasiões em que o imperador se propusesse a exercer qualquer das atribuições próprias ao Poder Moderador, visto que este constituía-se num importante instrumento de intervenção nos outros poderes, assegurando o papel de verdadeiro árbitro na “manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos” (BRASIL. Constituição (1824), art. 98). Os ministros de Estado não estavam compreendidos entre os conselheiros, salvo por especial nomeação do imperador.

O conselho funcionava como árbitro em contenciosos administrativos e conflitos de competências, especialmente no julgamento dos recursos contra as decisões dos presidentes das províncias e dos ministros de Estado, além de exercer o papel de guardião da constitucionalidade e da legalidade dos atos do Executivo (NOGUEIRA, 1999). Em suas sessões eram discutidas questões como candidaturas ao Senado, aprovação de leis, atos legislativos, constitucionalidade das resoluções dos conselhos gerais das províncias, convocação e prorrogação da Assembleia Geral, petições de graça, queixas contra magistrados, questões eleitorais, supressão de rebeliões e revoltas, bem como reconhecimento de cidadania (RIBEIRO, 2010).

Como formuladores da Constituição, os conselheiros manifestavam-se sobre as mais variadas questões do Império, da diplomacia à administração da coisa pública, da repressão sobre as revoltas imperiais às indenizações individuais. A nova ordem exigiu que as decisões de governo fossem pautadas nos preceitos constitucionais, o que valorizava o conhecimento e a experiência administrativa de seus membros. Tais atribuições conferiram ao conselho uma enorme influência nos diversos âmbitos da política e administração do Estado brasileiro e, não por acaso, muitas das pastas ministeriais foram ocupadas por conselheiros. Quando a Assembleia Legislativa foi aberta em 1826, observou-se a migração destes conselheiros das secretarias de Estado para o Senado, reduto conservador do Império (ALVES, 2008). Este deslocamento teve por objetivo garantir apoio à política do governo no Legislativo, além de uma maior harmonia entre os diferentes poderes constitucionais.

A intrínseca ligação do Conselho de Estado com o Poder Moderador, somada ao posicionamento histórico de conservadorismo político dos conselheiros, acabou por identificar aquele órgão com o absolutismo. As tentativas de controlar as ações e a influência dos conselheiros na política nacional não se fizeram tardar, podendo ser verificadas desde a década de 1820. A lei de 15 de outubro de 1827, votada na Assembleia Legislativa, estabeleceu quais seriam os crimes de responsabilidade dos conselheiros, assim como os trâmites para eventuais processos. Mas, foi com a abdicação de d. Pedro I, em 1831, que a existência do Conselho de Estado foi colocada em xeque. A renúncia do imperador ao trono brasileiro gerou o enfraquecimento das facções favoráveis ao centralismo político e à primazia do Poder Executivo sobre os demais, o que abriu espaço para os grupos políticos liberais que pregavam o fortalecimento da autonomia regional e dos poderes legislativos central e provinciais. Os debates acerca da conveniência do Conselho de Estado na política imperial foram constantes até a promulgação do Ato Adicional de 1834, que suprimiu o Conselho de Estado, mas manteve o Poder Moderador.

A conturbada conjuntura do período regencial (1831-1840), marcada por uma série de revoltas provinciais, abriu espaço para execução dos projetos políticos em conformidade com o temor crescente dos movimentos populares e da desintegração da unidade territorial e política do Império. Tal contexto conferiu o mote para revisão do projeto de descentralização que vinha sendo experimentado, gerando um contexto de disputa política que conduziu à antecipação da maioridade de d. Pedro, em 1840. Este foi o cenário de restabelecimento do Conselho de Estado, pela lei n. 234, de 23 de novembro de 1841.

Diferente do que fora estabelecido para o primeiro Conselho de Estado, a lei definia que o órgão seria presidido pelo imperador, composto por doze conselheiros ordinários e até doze extraordinários, além dos ministros de Estado. A lei de 1841 também reafirmava o dever dos conselheiros responderem pelas consultas em decisões do Poder Moderador e, nos casos de pareceres que ferissem a Constituição e os interesses do Estado, deveriam ser julgados pelo Senado, conforme previa a lei da responsabilidade de 1827.

As atribuições do conselho, muito mais amplas que as definidas em 1824, seriam exercidas por meio de consultas e pareceres emitidos ao imperador, aos secretários de Estado e às autoridades provinciais. Para tanto, sua estrutura foi organizada em quatro seções: Justiça e Estrangeiros, Império, Fazenda e Marinha e Guerra. Cada seção seria composta por três conselheiros, convocada e presidida pelo secretário da pasta encarregado de deliberar sobre assuntos de sua alçada. Havia ainda o Conselho Pleno, constituído quando o colegiado reunia-se por convocação do imperador para tratar de assuntos de maior complexidade, que demandavam um parecer especializado. No entanto, enquanto a Constituição de 1824 estabeleceu que os conselheiros fossem ouvidos em todos os negócios graves e medidas gerais da administração pública, a lei de 1841 dispôs que as consultas se dessem quando o imperador houvesse por bem ouvi-lo, inclusive no que constituía exceção, como a nomeação e demissão dos ministros de Estado.

O conselho assumiu, ao longo do Segundo Reinado (1840-1889), o papel que lhe fora atribuído pela elite política, de constituir-se como mantenedor do regime constitucional, fiador da ordem e da integridade do Império. Ao órgão coube a função de propor e interpretar as leis do Estado, bem como assegurar o seu cumprimento. Assim, podemos observar uma característica do Conselho de Estado que permeou em todo o período imperial: o de ser “a inteligência da lei” (MARTINS, 2007). O Conselho conduziu ainda o processo de estruturação do Estado monárquico e sua organização administrativa, dirimindo dúvidas sobre conflitos de competências ou sobreposição de funções de autoridades e órgãos públicos, bem como reformas em sua estrutura e funcionamento. Por suas seções tramitaram consultas, pareceres, projetos de lei e grande parte da regulamentação do aparato legal que forjou os princípios político-administrativos do Estado imperial.

Como instância mediadora do exercício do Poder Moderador, a atuação do órgão se estendeu pelos outros poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e, em especial, na administração provincial. Profundamente adequada aos interesses do Estado, a atuação do Conselho permitiu-lhe fazer ingerências em diferentes áreas de governo, o que acabou por torná-lo, ao lado do Poder Moderador, objeto de duras críticas à centralização e controle exercido pelo governo imperial, especialmente sobre os governos locais. A crise da monarquia brasileira, desencadeada pela queda do Gabinete Zacarias em 1868 e pela criação do Partido Republicano, marcou também o ocaso do Conselho de Estado e do Poder Moderador, extintos com o advento da República.


Dilma Cabral
22 maio 2014


Bibliografia
ALVES, João Victor Caetano. O Conselho de Estado e princípio da divisão de poderes. Franca: UNESP, 2008.

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1989.

BRASIL. Lei n. 234, de 23 de novembro de 1841. Criando um Conselho de Estado. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte I, p. 58-60, 1842.  Disponível em: <http://www.camara.leg.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/legimp-27/Legimp-27_6.pdf#page=9> Acesso em: 22 maio 2014.

CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem/Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Relume Dumará, 1996. 2 ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007.

NOGUEIRA, Octaciano. Constituições brasileiras: 1824. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999.

RODRIGUES, Jose Honorio. ____. Atas do segundo Conselho de Estado (1823-1834). Disponível em: <http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS2-Segundo_Conselho_de_Estado_1822-1834.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2011.

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