sábado, 17 de junho de 2017

O LEILÃO DO PALÁCIO IMPERIAL DE SÃO CRISTÓVÃO

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Por Litiere C. Oliveira

O nono leilão realizado no Paço de São Cristóvão, realizado em 3 de outubro de 1890, começou com uma novidade que ainda hoje não é praticada em nenhum leilão de arte, que foi a venda antecipada, "por conveniência", de 28 lotes, não se sabe a quem nem o motivo! Entre as peças vendidas, destacamos: uma bela pintura a óleo sobre tela, "Vista de Veneza" com moldura veneziana, autor não revelado; três quadros pequenos e uma aquarela; um quadro "Paisagem", o.s.t. de artista ignorado; quatro telas, pontes "St. Pierre et neuf á Toulouse", "Hospício de la Grave" e "Eglise des Jesuites", Toulouse; uma pintura o.s.t. "Claustro de um convento" por M.C., 1843; uma pintura o.s.t. "Peregrino" por L. Moureaux; uma mesa e 12 cadeiras de mogno com assento e encosto de palhinha; duas mesas de mogno para jogo; quatro castiçais de Cristofle; seis antigas cadeiras de jacarandá esculturadas; secretária de mogno com guarnições de bronze dourado e fundo de espelho; outros móveis e diversos quadros e aquarelas.

Segundo Francisco Marques dos Santos, "o leilão do Imperador foi como um destes grandes leilões modernos; o entusiasmo não arrefeceu, muito embora não fosse a São Cristóvão um número considerável de pessoas de destaque, justamente aquelas timoratas e outras que imaginavam se comprometer e algumas que, sendo hostis ao novo estado de coisas, não queriam arrostar os desordeiros que espionavam a casa, por própria conta ou de terceiros, fazendo, não raro, achincalhe ao antigo regime. Nesse leilão o que mais se via eram senhoras, formando grupo maior do que em dias anteriores. O leilão atravessou os aposentos particulares do Imperador e aquela gente estava na volúpia de devassar, ver os recantos onde vivia uma família arrebatada de sua Pátria pelo sopro tempestuoso dos acontecimentos políticos. No decorrer do leilão todos os móveis com a coroa imperial ou iniciais dos ex-imperadores adquiriram preços muitas vezes maiores do que a avaliação que lhes fizeram..."

Esse nono leilão também ficou marcado por um fato inusitado e talvez inédito na leiloaria brasileira. Ao apregoar um piano de cauda (lote 1747), em caixa de jacarandá e tuia, com escultura e filetes dourados, fabricado por Chickering e comprado pelo Sr. Antônio Rezende por 2:000$000 (US$ 1.080), o leiloeiro Virgílio sentou-se ao piano e executou uma música. O referido piano está hoje no Museu Histórico Nacional.

O décimo leilão foi realizado em 7 de outubro e se destacou pela acirrada disputa pelo dormitório da Imperatriz. Somente a cama de jacarandá com coroa esculturada e colchão de crina (lote 2001), foi vendida por preço recorde: 7:000$000 (três mil, setecentos e oitenta Dólares). Enquanto isso a cama onde dormia o Imperador (lote 1980), por ser um móvel modesto, sem coroa, brasão ou iniciais, alcançou apenas o preço de 190$000 (102 Dólares)! Era uma sólida cama de mogno e érable, com acolchoado de crina vegetal e lastro de palhinha. O filho e a governanta alemã do comprador afirmaram, tempos depois, que a cama foi destruída pelos cupins e jogada fora!

Outros destaques desse leilão foram: cama de jacarandá que pertenceu à Princesa Isabel quando solteira, com escultura e coroa, comprada pelo Comendador Antônio Rezende por 3:100$000 (US$ 1.673), e que depois foi vendida no leilão do Conde Sebastião de Pinho ao Dr. Castro Maia, cujo filho doou ao Museu Imperial; um lavatório de jacarandá com esculturas, bronze e tampo de mármore (lote 1983), adquirido pelo Sr. A. Rezende por 5:000$000 (US$ 2.700); guarda-roupa de D. Pedro II (lote 1984) vendido por 2:000$000 (US$ 1.512); cadeira de repouso do Imperador (lote 1885) de jacarandá, com escultura, coroa e iniciais comprada pelo Comendador A. Rezende por 3:100:000 (US$ 1.674); entre outros.

Realizado no dia 10 de outubro, o décimo primeiro leilão compreendeu os lotes 2001 a 2345, com aproximadamente 650 peças. Até aquele momento os leilões tinham atingido 400 contos de Réis, cerca de 215 mil Dólares, valor muito superior à avaliação inicial de 90:000$000, e ainda faltavam mais de dez pregões. Esse leilão era constituído de objetos que tinham sobrado do dormitório dos imperadores, das salas 40 e 41, galeria, sacristia e tribuna.

Entre as peças leiloadas estavam: um oratório de jacarandá esculturado e guarnecido de cornalinas, lápis lazuli e figuras de bronze (lote 2007) que foi comprado pelo Dr. Faro por 3:000$000 (US$ 1.620); uma secretária de bois-rose com placas de porcelana de Sèvres e guarnições de bronze dourado (lote 2135) adquirida pelo Barão de Itacurussá por 7:000$000 (US$ 3.800); guarda roupa de jacarandá com guarnições de bronze dourado, coroa e espelho francês (lote 2034) alienado por 5:000$000 (US$ 2.700) ao Sr. Antônio Resende; uma mobília de jacarandá com 11 peças (lote 2236) vendida ao Sr. Goulart e outros móveis, ricas pinturas, porcelanas, esculturas, muitos objetos de decoração e bibelots, quase todos esses lotes a preços irrisórios.

Ao final do décimo primeiro leilão, o último realizado no interior do Paço de São Cristóvão, relata Marques dos Santos: "Depois do leilão da galeria do 2º andar, desceu o leiloeiro ao pavimento térreo, onde estava a capela e suas dependências, que deviam imediatamente desaparecer, para dar lugar ao salão cenográfico do Congresso. O singelo e gracioso templo, concepção de Manoel de Araújo Porto Alegre, ostentava na frontaria Ecce Agnus Dei. Abrangia a nave propriamente dita e a sacristia, em dois compartimentos, além da tribuna, onde o pregão do leiloeiro emudeceu! Ali estacou! Naquele lugar onde tanta gente fora batizada, acrescendo ao nome o apelido de do Paço, onde tanta vez rezaram os Imperadores, em horas alegres e amargas! Já que falamos em capela: ainda vemos em São Cristóvão, no primeiro andar, ao Torreão do Norte, o local onde ficava o altar privado dos Imperadores, cuja abóboda, pintada de azul celeste, deixa ver em pequeno céu, mimosas estrelinhas de prata! Que recordações trazem!"

O décimo segundo leilão foi realizado em uma das cocheiras do Paço de São Cristóvão, com os objetos não licitados, não retirados ou que não foram incluídos nos leilões anteriores. Esse leilão foi realizado no dia 20 de outubro, abrangendo 155 lotes. Foram leiloados quadros a óleo, ricos espelhos, estantes de jacarandá e de mogno, porcelanas valiosas, cristais, molduras de quadros que tinham ido para a Europa (!), um telescópio que ficava no terraço do Paço, alguns móveis e outros objetos.

O décimo terceiro leilão foi realizado no dia 10 de novembro de 1890 abrangendo as benfeitorias da Quinta da Boa Vista, assim relatado por Francisco Marques dos Santos: “Foi arrematante dessas benfeitorias o próprio governo. Supomos que foi o Comendador Bethencourt da Silva quem comprou por 320:000$000, como representante do Ministério do Interior e Justiça as casas ali existentes, habitadas pelos empregados e protegidos da família Imperial, desde o tempo de Dom João. Essa operação foi considerada bastante vantajosa. Segundo a Gazetilha do Jornal do Commércio de 12 de novembro, valia perto de 300:000$000 só a casa do mordomo ou Quinta da Joana, como era conhecida a grande habitação próxima ao portão da Estrada de Ferro, na então Rua Duque de Saxe. Era solidamente construída, com vastas acomodações para família, abundância de água, gaz, aparelhos e magnífico terreno. O edifício que o Imperador construíra de seu bolso para escola mista diurna e noturna, destinada aos filhos dos moradores da Quinta e seus arredores, fora reedificado em 1883 e custara 60 contos de réis. Arrematou-a o Ministério da Instrução Pública por 41:000$000. Cumpre, aliás, notar que o governo sempre fez bom negócio naquilo que comprou, pertencente ao Imperador!”

Antes dos leilões da Fazenda Imperial de Santa Cruz, um outro foi realizado nas cocheiras do Paço da Cidade, no dia 5 de dezembro, lotes 1 a 14, compreendendo as últimas carruagens que se achavam espalhadas por diversas cocheiras particulares. O destaque foi um rico coche de gala com lanternas de cristal, guarnições de bronze e armas imperiais. Também foi vendido nesse leilão o carro mortuário, com coroa imperial que, entre outros nomes importantes, fez o enterro do General Osório e do Marques do Paraná.

Continua no próximo número.

Fonte: I Anuário do Museu Imperial / Francisco Marques dos Santos, jornais da época e documentos de coleções particulares.

2 comentários:

  1. Que pena...
    Outros paises expulsaram seus reis, mas mantiveram o patrimônio que hoje é admirado!

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  2. Antes assim do que queimar tudo, num incêndio devido à displicência do governo...

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