terça-feira, 9 de maio de 2017

"Prezado Cacá Diegues.

Sou filho de alemães, nascido no Rio de Janeiro, e amo a nossa terra. Fico contente sempre que vejo alguém enaltecendo o nosso povo miscigenado, tanto na sua genética como na cultura. A roximidade
do 13 de maio é uma época apropriada para lembrarmos a história. Permito-me apenas discordar de você em alguns pontos.

O evento merece sim ser festejado. Vejo a citação, de forma isolada, de que o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão como uma forma de atentar contra a nossa autoestima. Fomos sim o último, mas talvez os melhores neste processo. Os EUA levaram 88 anos, a contar da sua independência a eliminar por lei a escravidão, e mesmo assim, isso custou uma sangrenta guerra civil. A partir de 1822, o Império levou 66 anos para votar e assinar a Lei Áurea. E tudo foi feito progressivamente seguindo os trâmites democráticos, sem guerra.

Após o fim do tráfico negreiro em 1850, a lei conhecida como Do Ventre Livre, que foi árduamente negociada pelo grande Visconde do Rio Branco, e assinada em 28 de setembro de 1873 pela Princesa Regente, obviamente foi um tiro mortal para a instituição do trabalho escravo. Concordo com você quanto à lei do sexagenário, como a que livrou os latifundiários do sustento dos velhos. Mas, em decorrência da primeira lei, além das inúmeras alforrias estimuladas pela Familia Imperial, em 1888 o número de escravos era residual, mais concentrados nas lavouras decadentes do Rio de
Janeiro e do Espírito Santo.

É também uma avaliação correta sua, de que o atraso do Brasil para entrar na era industrial teve tudo a ver com o fim tardio do trabalho escravo. Havia a consciência disso, indiscutivelmente. Não foi à toa que D. PedroII atraíu imigrantes europeus e árabes para introduzir aqui outras formas de produção. Após do 13 de maio, já estava redigida a Lei Senador Dantas, que previa a distribuição de terras e investimentos em educação para os recém-libertos. Havia também a corrente que queria a indenização nos negros. Mas os latifundiários pretendiam, ao contrário, indenizações pelas perdas de suas propriedades humanas.

Os mesmos que se vingaram apoiando o golpe militar positivista de 1889. Este, perpetrado apenas 18 meses após a assinatura da Lei Áurea, enterrou a Lei Senador Dantas, e estendeu a situação de semi- escravidão do povão pobre até a ditadura de Vargas. Infelizmente ainda hoje há discriminação
racial entre nós. Mas também neste aspecto fomos melhor que nossos irmãos do norte. Lá, na década de 1960 ainda existia banheiro só para negros, segregação dentro de coletivos, universidades etc.

Para finalizar, quero lembrar que o filme Joaquim é pura ficção. A história da Inconfidência Mineira e de Tiradentes foi hipertrofiada pelos republicanos, que queriam elaborar um herói nacional não ligado à monarquia. O movimento mineiro rebelde ao pagamento de impostos, não tinha a menor chance de levar à independência do Brasil como um todo. Talvez conseguisse separar um pequeno segmento. O Joaquim José (Tiradentes) é uma figura obscura. Versões recentes contam que enforcaram um mendigo em seu lugar. Ele mesmo foi embarcado secretamente para a Europa. onde morreu de velho. No geral um artigo muito bom.

Atenciosamente,
Bruno Hellmuth
médico

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