domingo, 27 de novembro de 2016

A intelectualidade negra do Império

Antes da Abolição, editores e homens de letras descendentes de escravos 
desempenharam papel social importante

MAURICIO PULS | ED. 249 | NOVEMBRO 2016

Em novembro de 1831, o tipógrafo negro Francisco de Paula Brito (1809-1861) comprou a livraria de seu primo, o mulato Silvino José de Almeida, e a transformou em uma das maiores editoras do Segundo Reinado. Entre seus acionistas figurou o próprio d. Pedro II, que em 1851 lhe concedeu o título de impressor da Casa Imperial. A importância de Paula Brito não se limitou a seu êxito empresarial: ele imprimiu um dos primeiros periódicos em defesa dos direitos dos negros e, mais tarde, publicou as primeiras obras dos escritores Teixeira e Sousa e Machado de Assis.

Como explica Rodrigo Camargo de Godoi em sua tese Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861), defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp) em 2014 e agora publicada em livro pela Edusp, a trajetória do editor não é um caso isolado: “Há toda uma intelectualidade negra que se forma no fim do século XVIII e no início do século XIX, integrada por figuras como o jurista Antonio Pereira Rebouças e o político Francisco Jê de Acaiaba Montezuma, o Visconde de Jequitinhonha. São filhos e netos de escravos que se afastaram do cativeiro, ascenderam socialmente e ocuparam cargos em áreas que vão da medicina até o jornalismo e a política”.

A integração dos afrodescendentes à elite cultural do Império nunca foi fácil, pois o preconceito fechava muitas portas. Na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, diversos professores (como Avellar Brotero e Veiga Cabral) não escondiam suas tendências racistas – tanto assim que foi apenas em 1879 que um negro, José Rubino de Oliveira, conseguiu se tornar professor da instituição. A resistência, contudo, foi diminuindo com a expansão do estrato de afrodescendentes livres.

O percentual de escravos na população diminuiu bastante durante o século XIX, em parte pelas restrições crescentes ao tráfico negreiro, em parte pela expansão de outras relações de trabalho. Em 1818, segundo o historiador Jacob Gorender, no livro O escravismo colonial, de 1978, os cativos ainda representavam 50,5% da população. Esse percentual declinou para 34,5% em 1850 e atingiu 15,2% em 1872. Nesse último ano, de acordo com o professor da Unicamp Sidney Chalhoub (A força da escravidão, 2012), os negros e mulatos livres representavam 42,7% da população. À época, de cada quatro negros três eram livres. Muitos deles se destacavam nas instituições de ensino, nas artes e sobretudo na imprensa, como mostra Ana Flávia Magalhães Pinto em sua tese “Fortes laços em linhas rotas: Literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade do século XIX”, defendida no IFCH-Unicamp em 2014 e que recebeu menção honrosa do Prêmio Capes de Teses em 2015.

Que fatores possibilitaram o aparecimento desses intelectuais negros em uma sociedade ainda cindida pelo trabalho escravo? Segundo Ana Flávia, os esforços dos descendentes de africanos para superar as barreiras colocadas ao exercício da cidadania tiveram de se valer dos canais de poder e prestígio então vigentes. Como argumenta o crítico Roberto Schwarz em seu livro Ao vencedor as batatas (1977), em uma sociedade fundada nas relações de dominação pessoal (senhor-escravo), a distribuição dos cargos públicos e dos benefícios do Estado dependia de favores pessoais prestados pelos detentores do poder. A distribuição desses favores, contudo, não se processava apenas por meio “de relações verticais, hierarquizadas, de proteção pessoal”. Segundo Chalhoub, havia também “redes horizontais”, integradas por muitos indivíduos, que agiam de forma mais ou menos coordenada: “Por exemplo, quando começou a atuar como jornalista, Machado de Assis atendia a muitos pedidos de resenhas para divulgar livros de colegas iniciantes”.

Dentre as redes de sociabilidade, uma das mais conhecidas é a maçonaria. Ligia Fonseca Ferreira, professora do programa de pós-graduação em letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e organizadora da edição crítica de Com a palavra, Luiz Gama: Poemas, artigos, cartas, máximas (2011), observa que dois importantes intelectuais negros, o advogado Luiz Gama e o escritor José Ferreira de Menezes, aderiram à Loja América, em São Paulo, fundada em 1868. Dois anos depois, a instituição já mantinha uma escola noturna de primeiras letras com 214 alunos: “Eles recebiam libertos e alforriados na escola. E, dada a carência de bibliotecas na cidade, criaram também uma biblioteca aberta à população”, diz Ligia. De acordo com ela, o próprio Luiz Gama atuou como professor na escola, e algumas classes funcionavam na casa dele.

Além da maçonaria, os partidos políticos também desempenharam um papel essencial. Enfrentando uma concorrência acirrada de livreiros franceses como Baptiste Louis Garnier, o editor brasileiro Paula Brito deveu parte do seu sucesso a alianças com os políticos liberais em fins da década de 1830 e com os conservadores de 1840 até o fim da vida. Como mostra Rodrigo Godoi, seus contatos políticos permitiram que ele fosse agraciado com os serviços de africanos resgatados de navios negreiros apreendidos. Esses trabalhadores (que na prática pouco se distinguiam dos escravos) eram entregues a particulares, que em troca deveriam vesti-los e alimentá-los. Como explica Godoi em seu livro, “receber tais concessões refletia antes de tudo o prestígio social […], tornando-se sinônimo de favor político”.

Mas a emergência da intelectualidade negra não se apoiou apenas em conexões com as classes proprietárias, sustenta Ana Flávia. “É comum explicar a ascensão de pessoas como Luiz Gama, José do Patrocínio e Machado de Assis a partir da identificação da presença de algum medalhão como protetor”, afirma a pesquisadora. “Sem negar a importância da lógica do favor entre ‘senhores’ e ‘livres dependentes’, a pesquisa tem me permitido acessar outras redes de proteção tão importantes quanto essas.” Ana Flávia destaca os casos de Arthur Carlos, Ignácio de Araújo Lima e Theophilo Dias de Castro, envolvidos com a edição dos jornais A Pátria e O Progresso, primeiros exemplares da imprensa negra em São Paulo, e que eram vinculados às irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora dos Remédios. Segundo Ana Flávia, cada indivíduo muitas vezes participava de diversas associações ao longo da vida: “Vicente de Souza, que estou pesquisando no pós-doutorado, participou de mais de 50 organizações, religiosas, políticas e literárias. Ele tem vínculos com a maçonaria e o positivismo. Era abolicionista, republicano e socialista. Vários líderes do movimento operário no Rio de Janeiro nas décadas de 1890 eram negros”.

Paula Brito criou uma espécie de clube, a Sociedade Petalógica, que se reunia em sua livraria para discutir assuntos da atualidade. Entre seus integrantes estavam os políticos Visconde de Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos), Eusébio de Queiroz e Justiniano Rocha, os escritores Joaquim Manuel de Macedo, Teixeira e Sousa e Machado de Assis, o jornalista Augusto Emílio Zaluar e o ator João Caetano. Segundo escreveu Machado de Assis na crônica Ao acaso, publicada em 1865, na Petalógica se conversava sobre tudo, “desde a retirada de um ministério até a pirueta da dançarina da moda”. Era um “campo neutro” no qual o estreante em letras se encontrava com o conselheiro, e o cantor italiano dialogava com o ex-ministro.

Neto de negros libertos que se alfabetizaram ainda no século XVIII, Paula Brito teve acesso às letras ainda muito jovem, o que permitiu que ele se tornasse tipógrafo em 1824. Também compunha poesias (um de seus poemas, a “Ode à imprensa”, foi escrito diante de dom Pedro II no Paço Imperial) e, após comprar a livraria de seu primo, passou a imprimir dezenas de jornais. Foi ele quem publicou um dos primeiros periódicos da imprensa negra no Brasil, O mulato ou O homem de cor, que criticava a ausência dos afrodescendentes nos cargos públicos.

Uma vez inseridos em redes de sociabilidade, intelectuais negros conseguiam abrir caminho para outros. Paula Brito deu emprego a Teixeira e Sousa, do qual publicou Cânticos líricos em 1841 e O filho do pescador, o primeiro romance brasileiro, em 1843. Paula Brito também publicou os primeiros poemas e artigos de Machado de Assis em seu jornal Marmota Fluminense. Segundo Godoi, com Paula Brito nasceu no Brasil a figura do “editor moderno, aquele que compra o manuscrito e o publica”. Em uma época em que as editoras costumavam publicar traduções piratas de autores estrangeiros, ele decidiu comprar textos e direitos de autores nacionais.

Esses intelectuais, porém, eram alvo de muitas críticas. Alguns estudiosos, como o historiador Humberto Fernandes Machado (autor da tese “Palavras e brados: A imprensa abolicionista do Rio de Janeiro, 1880-1888”), afirmam que jornalistas como José do Patrocínio tinham “uma postura paternalista, conciliadora e reformista”, sintonizada com os interesses dos senhores. Acusações semelhantes eram feitas já no século XIX a Machado de Assis pelo gramático negro Hemetério José dos Santos. Na opinião de Ana Flávia, considerações desse tipo esquecem o fato de que os intelectuais negros eram obrigados a dialogar com um público muito diversificado, que incluía tanto senhores de escravos refratários a qualquer concessão quanto abolicionistas radicais.

Para Chalhoub, os intelectuais negros ganharam maior visibilidade a partir da década de 1870 porque o abolicionismo se tornou uma causa generalizada, agregando intelectuais de diferentes tendências (liberais, conservadores, republicanos). Mas, após o fim da escravidão, “houve um silenciamento do legado da escravidão: o regime republicano foi em grande medida criado em reação à percepção de que a Coroa, ao se aliar à luta contra a escravidão, prejudicara os interesses da cafeicultura”. A partir daí, a intelectualidade negra começou a perder espaço.

Projetos
1. Fortes laços em linhas rotas: Experiências de intelectuais negros em jornais fluminenses e paulistanos no fim do século XX (nº 2009/09115-0); Modalidade Bolsa no País – Doutorado; Pesquisador responsável Sidney Chalhoub (IFCH-Unicamp); Beneficiária Ana Flávia Magalhães Pinto; Investimento R$ 126.751,52.
2. Operários das letras: Escritores, jornalistas e editores no Rio de Janeiro (1850-1920) (nº 2014/19669); Modalidade Bolsa no País – Pós-doutorado; Pesquisador responsável Sidney Chalhoub (IFCH-Unicamp); Beneficiário Rodrigo Camargo de Godoi; Investimento R$ 182.696,80.

Livro
GODOI, R. C. de. Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861). São Paulo: Edusp, 2016, 392 p.

LINK ORIGINAL: REVISTA PESQUISA - https://goo.gl/vixkJs

Galanteios do bardo agreste - Proclamação da república

Um marechal poeta e dançarino

Nos anos finais da monarquia não houve oficial que desfrutasse maior prestígio nas fileiras do Exército brasileiro que o marechal Manoel Deodoro da Fonseca. Alagoano de 62 anos, ele é o filho mais ilustre de uma numerosíssima família de militares. Seu pai, Manoel Mendes da Fonseca, atingiu o oficialato só aos 38 anos, participou de uma revolta contra o governo em Alagoas, foi reformado como tenente-coronel e morreu há trinta anos. De seus oito filhos homens, todos seguiram carreira militar, sete participaram da Guerra do Paraguai, três nela morreram e outros dois foram feridos em combate - entre eles, Deodoro. O clã dos Fonseca não pára aí; pelo menos cinco sobrinhos de Deodoro, todos oficiais do Exército, participaram dos acontecimentos de sexta-feira passada. Integrante de um clã de oficiais, com medalhas e promoções conquistadas na Guerra do Paraguai, o marechal envolveu-se até o pescoço na chamada "questão militar", sendo um defensor extremado dos interesses da corporação. Tanto a tropa como a corte imperial viram nele o representante por excelência da maneira de agir e pensar dos oficiais brasileiros.

De porte altivo e gestos largos, o marechal é militar até na maneira de escrever. Nas cartas que enviou ao imperador no início de 1887, defendendo o cancelamento de punições oficiais, tropeça-se a cada frase em referências ao "pundonor", "brio", "dignidade", "honra" e "hombridade' do Exército. Dentro desse rígido figurino militar, no entanto, esconde-se um Deodoro mais ameno, mais humano. Ele é vaidoso na aparência e no vestir, gosta de usar jóias, pavoneia seus conhecimentos de latim, não tem filhos mas ama crianças, conta piadas, considera-se um bom dançarino, escreve seus versinhos e, mais que tudo, aprecia sobremaneira os encantos femininos. O marechal está para completar seu trigésimo aniversário de casamento com Mariana Cecília de Sousa Meireles, 63 anos, mas sua atribulada vida amorosa é assunto de todas as conversas. Deodoro, o valente, só tinha medo das irmãs Emília e Amélia, que o enfrentavam abertamente para condenar suas aventuras extraconjugais.

Quando se interessa por uma jovem, o chefe do governo provisório é capaz dos maiores improvisos e proclamações. Nesses embates, prefere armas literárias; com sua caligrafia caprichada, escreve rimas ou quadras nos leques das moças nas quais está interessado. Quando foi comandante de Armas na Província do Rio Grande do Sul, Deodoro compôs versos singelos para a filha de um amigo, o visconde de Pelotas:

Anjo que sois, permiti
ao bardo agreste
A ousadia do pobre
galanteio.

Na mesma ocasião, o bardo agreste ensaiou outros pobres galanteios para a baronesa do Triunfo, mas parece que quem caiu nas graças da moça foi o senador Silveira Martins. O senador quis impressionar a baronesa como cavalariço e acabou caindo do cavalo na frente da fazenda da família dela. Quebrou a perna e, durante mais de um mês, foi a jovem quem cuidou de Silveira Martins. Quando Deodoro tentou encantar a baronesa, já era tarde. Data daí a inimizade entre o marechal e Silveira Martins. No momento, Deodoro nutre uma profunda admiração e amizade pela viúva de um rico fazendeiro uruguaio. Mal entrada na casa dos 20 anos, a jovem embeleza os salões cariocas. Ela é um bom par para o marechal, um verdadeiro pé-de-valsa. Até num salão de baile Deodoro gosta de ser o comandante, orientando os volteios de todos os dançarinos e gritando em francês: "Les dames en avant, les chevaliers en arrière!" (As damas na frente, os cavalheiros atrás).

Alegre e extrovertido. o marechal escreveu um poema satírico chamado A Guerra do Paraguai por um Português, no qual imita o sotaque lusitano, e duas canções brejeiras. Quem já escutou as cançonetas não ousa repetir seus versos, por não considerá-Ios apropriados a crianças e mulheres. Contador e criador de piadas, Deodoro imita vozes e trejeitos ao narrar anedotas. "Desopilante", comenta o doutor Palha, cirurgião do Exército que serviu com o marechal em Corumbá no ano passado, referindo-se ao desempenho do chefe do governo ao contar piadas depois do jantar. Com boa memória, Deodoro lembra não só de anedotas como de trechos inteiros das Bucólicas, de Virgílio, e de A Arte de Amar, de Ovídio, que costuma recitar em latim. Sai-se melhor, porém, ao recitar máximas e locuções latinas, mais curtas. Ou sai-se pior: costuma escandir provérbios latinos a propósito de tudo. Alguns dos amigos e companheiros já estão cansados do latim do marechal.

Aristides Lobo, o novo ministro do Interior, cismou com um outro hábito de Deodoro da Fonseca - o de usar jóias. O ministro acha de gosto duvidoso o pesado anel que o chefe do governo usa no dedo mínimo. Sem contar o peito repleto de medalhas e comendas - uma delas, a Grande Dignatária da Ordem da Rosa, lhe foi conferida pessoalmente por D. Pedro II em março passado -, há também o prendedor de gravata de pérola, os chamativos botões nos punhos da farda ou do paletó e a correntona que segura o relógio de bolso. Elegante no vestir, o marechal manda fazer suas sobrecasacas no alfaiate Raunier, um dos melhores do Rio de Janeiro, e não deixa o seu sobrado no Campo de Santana sem antes perfumar a barba grisalha com fragrância de violetas. Ainda que sua mulher tenha herdado algumas posses, Deodoro está longe de ser rico. Anda de bonde pelas ruas do Rio e, de uma família de classe média, tem fácil comunicabilidade com o povo. Isto quando não está irritado ou exaltado, o que lhe acontece com certa freqüência. Nessas ocasiões, mesmo em discussões com companheiros, apela para a grosseria. A arteriosclerose e a falta de ar freqüentemente fazem com que Deodoro oscile rapidamente entre a exaltação e a prostração corno aconteceu na sexta-feira passada.

LINK ORIGINAL: VEJA - https://goo.gl/tgiiO6

A TRAMA DA VITÓRIA - PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Numa sexta-feira de boatos e agitação, 600 militares se revoltam, saem à rua, 
e o Brasil entra na era republicana

O major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, 46 anos, saiu alarmado da sede do Ministério da Guerra, no Campo da Aclamação, na tarde de quinta-feira passada, dia 14. Sem maiores explicações, havia recebido ordens para deslocar o 9º Regimento de Cavalaria e o 2º de Artilharia do quartel São Cristóvão para o da Praia Vermelha. Era um obstáculo a mais, e talvez intransponível, para a conspiração que desde o início do mês Sólon penava em fazer andar adiante. Ainda antes de receber suas ordens no ministério, o major gaúcho havia conversado com o tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, 53 anos, e com relutância concordara em adiar a deflagração do movimento militar. O adiamento era necessário, argumentou Constant, professor de Matemática na Escola Militar e líder dos cadetes, porque ainda havia muitos oficiais a serem convencidos a aderir à conspiração. Sólon agora recebia ordens de levar para a Praia Vermelha, muito mais distante do centro do Rio de Janeiro que São Cristóvão, justamente os dois regimentos mais mobilizados contra o governo liderado por Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto. O que fazer?

Parado ali no Campo da Aclamação – que teve o nome mudado em 1831, mas a população carioca insiste em chamar de Campo de Santana –, Sólon achou que a conspiração se esvaziaria se os dois regimentos fossem transferidos para a Praia Vermelha e decidiu agir no momento. Teve uma idéia originalíssima, genial mesmo. Seguiu direto para a Rua do Ouvidor, o centro nervoso do Rio de Janeiro, repleto de cafés e redações de jornais, e começou a dizer a amigos e em rodas de bar que o governo havia mandado prender o marechal Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant. Espalhou ainda que várias guarnições estavam sendo transferidas do Rio para o interior do país e que quem manteria a ordem na capital seria a Guarda Negra - a organização criada pelo vereador José do Patrocínio e integrada por ex-escravos -, que, a pretexto de apoiar a princesa Isabel, havia sido usada para dissolver comícios republicanos. Da Guarda Negra também faziam parte "capoeiras", arruaceiros e ex-policiais, formando uma espécie de "Patrociniolândia" ou "Isabelândia" - um movimento que, tocando na política, tinha elementos de banditismo.

Condecorado por bravura na Guerra do Paraguai, militante na campanha pela Abolição da Escravatura e republicano, o major Sólon tinha como objetivo, ao espalhar o boato, levar as tropas do Exército a odiar ainda mais o Visconde de Ouro Preto - a ponto de saírem à rua para derrubá-Io. Na seqüência da revolta talvez surgisse a República. E era justamente a República que Sólon queria.

Se tudo tivesse dado errado, a idéia de Sólon de soltar o boato poderia ter-lhe valido o título de "o precipitado do ano". O risco era muito grande, pois, até a tarde de quinta-feira, a conspiração andava aos trancos. A sedição militar vinha se desenvolvendo desde o final de outubro, numa série de escaramuças entre oficiais e o gabinete ministerial presidido por Ouro Preto, 53 anos. Primeiro, o visconde imaginou que o oficial de guarda do Ministério da Fazenda, o tenente Pedro Carolino, estava dormindo em serviço e mandou prendê-Io. Depois, o ministro da Guerra demitiu, por desacato, o tenente-coronel João Nepomuceno de Medeiros Mallet do comando da Escola Militar do Ceará. O governo também suspendeu Benjamin Constant do cargo de professor da Escola Militar e puniu seus alunos por terem afrontado, em público e em manifesto, o ministro da Guerra. E, por fim, o 22º o Batalhão de Infantaria foi transferido para a Amazônia por ter participado das manifestações de solidariedade a Benjamin Constant.

O descontentamento na tropa crescia, mas não havia quem o congregasse. A idéia republicana grassava com maior vigor na recém-criada Escola Superior de Guerra, em São Cristóvão, e na Escola Militar, na Praia Vermelha, onde o republicano Benjamin Constant era admirado. Mas os cadetes das escolas não eram muito bem vistos pela tropa, nem Benjamin Constant tinha ascendência sobre ela. Era preciso um líder, um respeitado oficial de carreira na tropa que sintetizasse o protesto militar. Era preciso o marechal Manoel Deodoro da Fonseca, 62 anos, e a ele acorreram os oficiais revoltosos, tentando trazê-Io para a causa republicana.

No dia 4 de novembro, graças a um pedido de seu sobrinho, o tenente Clodoaldo da Fonseca, 29 anos, Deodoro recebeu em sua casa um grupo de oficiais. O marechal, que padecia de falta de ar devido à sua arteriosclerose, os atendeu na cama. Os militares lhe disseram que o Visconde de Ouro Preto pretendia reorganizar a Guarda Nacional - um corpo militar formado e armado por homens ricos no interior do país - e fortalecer a Polícia no Rio para contrapô-las ao Exército. "Só mesmo mudando a forma de governo", comentou Deodoro. Os jovens oficiais ficaram surpresos com o comentário do marechal, e o capitão Antônio Menna Barreto arriscou uma pergunta. "Podemos agir afoitamente no sentido de congraçarmos mais elementos?". Deodoro respondeu como quem dá uma bênção: "Podem". E lá se foram os afoitos, congraçar-se com os elementos civis da causa republicana, principalmente com o jornalista Quintino Bocaiúva, 52 anos, líder do Partido Republicano Brasileiro, e o advogado Aristides Lobo, 51. Ambos entraram em contato em São Paulo com o advogado campineiro Manuel Ferraz de Campos Sales, que colocou os republicanos paulistas a par da conspiração. Se entre os casacas se falava de República, entre os militares a conversa dominante era a de derrubar o governo de Ouro Preto, e não a monarquia. Na reunião no Clube Militar na noite de sábado, dia 9, na mesma hora em que a monarquia se deliciava no baile da Ilha Fiscal, em nenhum momento se colocou a necessidade de proclamar a República. Até Benjamin Constant não usou a palavra república. Só disse à platéia de cerca de 100 militares que, se em oito dias não conseguisse resgatar a honra castrense, iria para a rua quebrar a espada e derramar sangue.

De República se falou a sério com Deodoro na segunda-feira da semana passada, dia 11. Graças ao pedido de outro de seus sobrinhos militares, o capitão Hermes da Fonseca, 34 anos, o marechal concordou em receber Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo. A dupla chegou à casa de Deodoro no Campo de Santana às 7 horas da noite e lá encontraram o contra-almirante Eduardo Wandenkolk, 51 anos, o primeiro oficial da Marinha a aderir à conspirata. Benjamin foi claro: disse que era preciso proclamar a República e que só Deodoro tinha liderança o suficiente para fazê-lo. Quintino e Aristides bateram na mesma tecla: a de que o marechal precisava decidir-se, e já. Deodoro ouviu a todos em silêncio. "Eu queria acompanhar o caixão do imperador, que já está idoso e a quem respeito muito, mas o velho já não regula", disse o adoentado marechal de 62 anos a respeito do monarca de 63, para prosseguir com exaltação: "Se ele assim quer, que leve a breca a monarquia! Façamos a República".

Constant falou então de seu receio quanto à posição do poderoso marechal Floriano Peixoto, que ocupava o cargo de ajudante de general, o segundo posto na hierarquia do Ministério da Guerra. Deodoro os tranqüilizou, contando que uma vez Floriano lhe dissera que não se meteria em coisa alguma para derrubar ministérios, mas acrescentara, pegando num botão de sua farda: "Seu Manoel, a monarquia é inimiga disto. Se for para derrubá-Ia, estarei pronto". Floriano não estava muito "pronto" para derrubar a monarquia, conforme demonstrou no seu encontro com Deodoro, no dia seguinte, terça-feira. Foi uma conversa um tanto torta. Floriano supôs que Deodoro estivesse falando apenas de um golpe para derrubar o Visconde de Ouro Preto, e mesmo assim recomendou prudência. "Só te digo, Manoel, que nada deves fazer antes de ter procurado um entendimento com o governo." Como Deodoro insistisse, afirmando que mesmo contando apenas "com quatro gatos pingados colocaria a procissão na rua" , Floriano terminou a conversa meio que concordando, mas com ironia e usando o termo "casacas" para falar dos civis. "Enfim, se a coisa é contra os casacas, tenho lá em casa uma espingarda velha".

Posição ambígua, a do alagoano Floriano Peixoto, 50 anos. Ouviu de um marechal a pregação de um golpe militar, e teria duas alternativas: aderir ao golpe ou mandar prender Deodoro por conspiração. Achou, no entanto, uma terceira alternativa. Para Deodoro, insinuou que concordava com a sedição, mas não se comprometeu. Para Cândido de Oliveira - o ministro que assumira interinamente a Pasta da Guerra em razão da doença do titular, o visconde de Maracaju, e agora voltava para a da Justiça -, Floriano fez chegar uma carta na manhã de quinta-feira, dia 14. "A esta hora V. Exa. deve ter conhecimento de que tramam algo por aí além. Não dê importância, confio na lealdade dos chefes". Na mesma carta, Floriano agradece ao ministro favores prestados em seu protegido.

O 'tramam algo" de Floriano chegou a mesa do Visconde de Ouro Preto, que se alarmou e convocou uma reunião em seu gabinete no mesmo dia. "Estou perfeitamente seguro que a ordem pública não será alterada", garantiu-Ihe o ministro da Guerra, visconde de Maracaju. Ouro Preto foi direto ao centro da questão, querendo saber do envolvimento na trama do militar de maior prestígio no Exército. "Consta-lhe alguma coisa a respeito do marechal Deodoro?", perguntou. "Nada consta", respondeu o ministro da Guerra, "e suponho que não se envolverá em distúrbios, até porque se acha enfermo".

Nessa reunião, portanto, não se falou em prisão de Deodoro, mas o boato do major Sólon já começava a surtir efeito, ainda que alguns dos líderes da revolta não soubessem que a mudança histórica estava em marcha. Era o caso de Constant, que estivera com Deodoro e estava desolado ao cair da noite. Ao descer do bonde no Largo de São Francisco, encontrou por acaso Aristides Lobo e Francisco Glicério e Ihes deu péssimas notícias sobre o estado de saúde do marechal. "Creio que ele não amanhece, e se ele morrer a revolução está gorada", anunciou.

"Os senhores, civis, podem salvar-se, mas nós, militares, arrostaremos as conseqüências das nossas responsabilidades." Dito isso, Constant seguiu para o Clube Naval para uma reunião com o contra-almirante Wandenkolk e outros oficiais da Marinha. O boato da prisão de militares havia chegado aos ouvidos de Quintino Bocaiúva, que enviou um mensageiro ao Clube Naval para saber se Constant estava bem. Através do mensageiro, o tenente-coronel respondeu que sim, estava bem, mas que o levante estava adiado para o domingo, dia 17, em função do agravamento da doença de Deodoro. Quintino recebeu a resposta de Benjamin, assustou-se com a perspectiva de adiamento e procurou o major Sólon. De comum acordo os dois decidiram que, apesar da prostração de Deodoro e do bilhete de Constant, era tudo ou nada: mantiveram a data da insurreição para o dia seguinte.

A partir daí, a movimentação politicomilitar se subdividiu em três cenários, espalhados pelo Rio de Janeiro. Num estavam as tropas rebeladas, em São Cristóvão, nos quartéis e na Escola Militar. Noutro ponto estava o marechal Deodoro, que abandonou a casa de seu irmão em Andaraí, no número 4 da Rua Barão de Mesquita, onde havia passado o dia tentando se recuperar de seus problemas cardíacos, e retomou ao seu sobrado no Campo de Santana. E no terceiro situava-se o Visconde de Ouro Preto, também em sua casa, nas cercanias da estação de trem São Francisco Xavier, onde recebeu as primeiras notícias sobre a sublevação.

Pouco antes da meia-noite, o visconde recebeu um telefonema do chefe de Polícia, conselheiro José Basson de Miranda Osório, informando que o 1º Regimento de Cavalaria estava em armas. Ouro Preto não esperou que lhe mandassem condução: seguiu a pé pela Rua de São Francisco Xavier, acompanhado pelo coronel Gentil José de Castro, que estava hospedado em sua casa, na esperança de tomar um tílburi. Nas proximidades da Ponte do Maracanã, Ouro Preto encontrou com o carro de Polícia que ia buscá-Io em casa. Subiu nele, deu uma passada pelo Quartel de Cavalaria Policial - onde só se encontravam quarenta praças e dois oficiais - e seguiu para a Secretaria de Polícia.

O chefe de governo sentiu na Secretaria de Polícia que a resistência ao golpe não havia começado com a energia que ele considerava necessária para o caso. O responsável pelo início tímido da resistência foi o ajudante-general Floriano Peixoto, inaugurando um comportamento que iria se repetir em todas as suas atitudes ao longo do dia. Floriano soubera da sublevação de toda a 1ª Brigada através do capitão Godolfim, que lhe falara em nome do tenente-coronel João Batista da Silva Teles. Ouro Preto perguntou a Floriano por que não prendera imediatamente o capitão Manoel Joaquim Godolfim, já que ele se apresentara em nome de uma força que se armara sem ordem superior. "Respondeu-me que não o prendera para ganhar tempo e poder se acautelar", diz o ex-presidente do Conselho de Ministros. No raciocínio de Floriano, se o capitão Godolfim não voltasse ao quartel, os revoltosos logo saberiam que havia sido preso e atacariam o governo militarmente antes que a reação pudesse ser concatenada. No terreno político, Ouro Preto convocou uma reunião ministerial no Arsenal da Marinha e para lá se dirigiu, enquanto Floriano foi para o Quartel General no Campo de Santana.

No arsenal, o visconde levou quinze minutos para acordar o porteiro, fazer chamar o inspetor e conseguir que o responsável peta guarnição se apresentasse à sua frente. Já no Quartel-General, Floriano recebeu o tenente-coronel Silva Teles, comandante interino da 2ª Brigada, amotinada, e não lhe deu qualquer ordem, quanto mais a de prendê-Io - limitou-se a recomendar-lhe prudência e disse que gostaria de falar com Deodoro e Benjamin Constant. No aguardo da chegada de seus colegas de ministério, Ouro Preto enviou um telegrama para D. Pedro II, no seu palácio, em Petrópolis, relatando a sublevação. O imperador recebeu o telegrama na manhã de sexta, dia 15, mas não fez nada com ele. D. Pedro II continuou seu cotidiano como se nada tivesse ocorrido. Chegou então ao arsenal da Marinha o ministro da Guerra, o visconde de Maracaju, que sugeriu que se transferissem todos para o Quartel-General, a começar por Ouro Preto. Ouro Preto aceitou a sugestão e, por volta das 7 horas da manhã, chegou ao Quartel-General - encalacrou-se na ratoeira na qual seria cercado e derrubado.

No ínterim, os oficiais da 2ª Brigada ouviram Silva Teles relatar como tinha sido o seu encontro com Floriano Peixoto e acharam melhor avisar Benjamin Constant, que até aquela hora, plena madrugada de sexta-feira, pensava que o levante só aconteceria no domingo. Constant, que é o diretor do Instituto dos Meninos Cegos, também no Campo de Santana, e lá mora com a família, estava dormindo placidamente. Acordado, animou-se logo. "Preparemo-nos para vencer ou morrer", disse o tenente-coronel aos oficiais. "Guardemos o último cartucho para saltar nossos miolos caso sejamos infelizes na luta contra o governo infame." Previdente, Maria Joaquina, mulher de Constant, deu-lhe um sobretudo civil para que escondesse a farda, embrulhou seu quepe num jornal e recomendou ao marido que, caso fosse parado pela polícia, dissesse que era um médico indo visitar um paciente. Constant enviou seu cunhado, o tenente Bittencourt Costa, à casa de Deodoro, no outro lado do Campo, e seu irmão, o major Marciano Botelho de Magalhães, para sublevar seus alunos na Escola Militar da Praia Vermelha.

Deodoro, a princípio, não quis acreditar no recado recebido no meio da madrugada. "É mentira! Isso não passa de uma cilada do governo!", gritou. Quando lhe falaram que era o próprio Constant quem mandava o recado, mudou de atitude. "Ah, foi ele'? Nesse caso é verdade", disse. Levantou-se com dificuldade, fardou-se, colocou um revólver no bolso e os arreios de sua montaria num saco de lona. Não levou a espada por não poder suportar-lhe o peso sobre o ventre. Antes de sair teve de enfrentar a oposição doméstica, materializada nos pedidos de sua mulher, Mariana, de 63 anos. "Receando seriamente um grave acidente na enfermidade do marido, ela procurou impedir por todos os meios que Deodoro saísse de casa" , conta o doutor Carlos Gross, médico do marechal. Deodoro embarcou num carro e ordenou que o cocheiro seguisse para São Cristóvão.

Constant chegou antes de Deodoro a São Cristóvão e dirigiu-se primeiro para a Escola Superior de Guerra, nas vizinhanças dos quartéis que abrigavam a 2ª Brigada. Todos os sessenta cadetes da escola estavam em armas - portando revólveres, carabinas e espadas - à espera das ordens de Constant. Os três regimentos da 2ª Brigada também já se encontravam em pé de guerra. Foi dado o toque de reunir e as colunas se organizaram. A frente marchava o 1º Regimento de Cavalaria, com lanceiros e carabineiros, comandado pelo tenente-coronel João Batista da Silva Teles. Depois, desfilavam dois pelotões da Escola Superior de Guerra, liderados pelo tenente reformado Pedro Paulino da Fonseca, irmão de Deodoro. Em seguida saiu o 2º Regimento de Artilharia, com dezesseis "bocas de fogo" (canhões), comandado pelo major João Carlos Lobo Botelho. Nesse regimento marchou o funcionário público Antônio Rodrigues de Campos Sobrinho, que pediu para participar do movimento e foi alocado ali. Campos Sobrinho foi o único civil a partir com os revoltosos, fazendo o papel de "povo em armas" .

Fechando o cortejo marchava o 9º Regimento de Cavalaria, comandado pelo major Sólon. Marchava a pé a cavalaria, devido à falta de cavalos, e levava atrás uma carroça com munições. Esse regimento levava caraabinas Winchester, arma nova no Exército, que ninguém em São Cristóvão sabia usar direito. As forças do Exército sublevadas em São Cristóvão reuniam cerca de 450 praças e cinqüenta oficiais. Somados os sessenta alunos da Escola Superior de Guerra, o contingente reunia algo em tomo de 600 homens. Era um contingente problemático na base e no topo. Na base porque a tropa, além de estar mal armada, não foi plenamente informada pelos líderes de que estava saindo à rua para derrubar a monarquia. No topo, também havia problemas porque só marchavam oficiais de média patente. E também porque, entre os comandantes, contavam-se alguns monarquistas em posições estratégicas. Era o caso do tenente-coronel Silva Teles, que comandava interinamente toda a 2ª Brigada, substituindo o general Almeida Barreto, e de Lobo Botelho. O major Botelho ficou tão incomodado ao chegar no Campo de Santana que, pretextando estar doente, retirou-se para sua casa. Mesmo assim, partiram os revoltosos. Não levavam bandas nem fanfarras, pois as tropas eram poucas e os músicos se incorporaram a elas.

Constatando que com aquele contingente, aquele armamento e aqueles oficiais os revoltosos não iriam muito longe, Constant enviou o tenente Lauro MüIler para saber o que era feito de Deodoro, que ele presumia doente. MülIer chegou à casa do marechal no Campo de Santana, mas ele já havia saído para São Cristóvão. O marechal topou com a coluna sublevada na altura do Gasômetro do Mangue. Foi ovacionado por oficiais e soldados e continuou a acompanhá-los de dentro de seu carro. Nas imediações da Praça 11 de Junho, Deodoro enviou o capitão Godolfim e oito soldados para fazer o reconhecimento no Campo de Santana. Goldofim retomou em minutos com notícias dúbias. Havia forças da Polícia e da Marinha fora do Quartel-General no Campo de Santana, e do Exército e dos Bombeiros dentro dele. Mas as tropas da ordem, apesar de em maior número e mais bem aparelhadas, estavam em posição de descanso.

Deodoro ordenou que o cortejo continuasse avançando e, com extrema dificuldade, abandonou o carro e montou num cavalo. Mais alguns minutos e a coluna sublevada chegou à saída da Rua Visconde de ltaúna, que desemboca no Campo de Santana. Estavam ali forças da Polícia e da Marinha para dar combate aos revoltosos. Houve momentos de hesitação nas fileiras da ordem, que Deodoro aproveitou com habilidade de autoridade. "Então, não me prestam continência?", perguntou o marechal, severo, a marinheiros e policiais. Em resposta, todos apresentaram-lhe armas. A revolta republicana ganhava na primeira refrega, sem disparar um tiro, e o govemo perdia uma partida decisiva Havia, no entanto, muito o que fazer para a sedição triunfar: dentro do Quartel-General havia cerca de 2.000 soldados

Mas as coisas dentro do Quartel-General iam pessimamente para o Visconde de Ouro Preto. "Quem contemplasse aquela força suporia que ali se achava para uma simples parada ou acompanhamento de procissão", diz o ex-ministro. O barão de Ladário, ministro da Guerra, esclarecia a seu chefe que nenhuma força fora enviada para atacar os revoltosos fora do Quartel porque elas não eram muito confiáveis. Não eram realmente confiáveis, tanto que Deodoro já se havia apossado de uma delas e o 10º de Infantaria, enviado para impedir a passagem dos cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, simplesmente não retomara. Havia, de fato, aderido à revolta.

Ouro Preto notou, de dentro do QG, o capitão Godolfim circulando com seus oito soldados pelo Campo de Santana, sem que ninguém se aproximasse deles. Achou aquilo um absurdo. Falou com Floriano e não aconteceu nada. Por fim, ordenou ao general Almeida Barreto, o comandante titular da 2ª Brigada, que estava lá fora sublevada, que fosse capturar o destacamento avançado. "Estou certo de que cumprirá o seu dever", disse o visconde ao general. "Seguramente hei de cumprir o meu dever", respondeu Almeida Barreto, mas adotando, como lembra Ouro Preto, uma "expressão singular". Singularíssima mesmo, até porque Almeida Barreto havia se comprometido dias antes a formar junto com os revoltosos, mas na hora agá marchou para o QG e se alinhou com as forças de Ouro Preto. Mais singular ainda, porque o general circulou pelo Campo da Aclamação fingindo que ia atacar os sublevados, mas na prática não fez nada. E singular, ainda, porque fingiu que colocava suas tropas sob as ordens de Deodoro, mas relutava em cumpri-las. Em determinando momento, vendo como Almeida Barreto zanzava sem definir-se, o marechal usou um retumbante palavrão para xingá-Io.

Quem mais chamava a atenção de Ouro Preto dentro do Quartel-General era Floriano Peixoto. "Impressionou-me a funda tristeza que se estampava na fisionomia dos oficiais, quer superiores, quer subalternos", lembra o ex-ministro. Já Floriano "conservava a serenidade que lhe é habitual". Floriano andava dum lado para o outro, falava com vários oficiais, mas sempre que Ouro Preto chegava perto mudava de assunto ou baixava a voz. Ficou o QG nessa lengalenga, nesse jogo de cartas marcadas, até que, por volta das 8 horas da manhã, as tropas de Deodoro se puseram à frente dos seus portões. O marechal enviou o tenente-coronel Silva Teles para conferenciar. Deixaram que ele entrasse - mas a pé e sozinho. Silva Teles, que estava longe de ser republicano, disse a Floriano que Deodoro queria conversar com ele. Ouro Preto estrilou na hora: "Conferência! Pois o marechal Deodoro, não tendo recebido do governo nenhum comando militar, aqui se apresenta à frente de força armada, em atitude hostil, e pretende conferenciar?" O visconde viu Floriano montar a cavalo, sair com seu estado-maior e em seguida ouviu tiros. "Julguei que ia começar o desagravo da lei", diz.

Julgou errado. Lá fora, retomando num carro cupê ministerial do arsenal da Marinha, surgiu o barão de Ladário. "É o Ladário!", exclamou Deodoro, ordenando a prisão do ministro da Marinha. Ladário puxou da pistola e atirou, segundo conta, para acertar em Deodoro. Errou. Apertou o gatilho de novo, mas os tenentes Müller e Adolfo Pena também atiraram. "Não matem esse homem", gritou Deodoro. O barão de Ladário tombou, parece que com dois tiros (um deles com certeza pegou na região glútea), levou uma coronhada e se arrastou até uma loja, cujo dono lhe fechou as portas. O ministro da Marinha foi socorrido nas imediações e em seguida colocado num bonde, que o levou até o Cosme Velho, onde mora. O barão está fora de perigo e se recupera bem.

No interior do Quartel-General, Ouro Preto arriscava sua última cartada, apelando para os brios de Floriano. O ministro queria que os canhões, as bocas-de-fogo de Deodoro fossem tomados à força de baionetas. "No Paraguai, os nossos soldados apoderaram-se da artilharia em piores condições" , disse Ouro Preto a Floriano. "Sim, mas as bocas no Paraguai eram inimigas, e aquelas que Vossa Excelência está vendo são brasileiras, e eu sou, antes tudo, um soldado da nação." O chefe do governo constatou, então, que não havia o que fazer.

Faltava que os revoltosos entrassem no Quartel-General, e quem os ajudou, segundo uma versão do episódio, foi o capitão Pedro Paulo Fonseca Galvão, outro dos incontáveis sobrinhos de Deodoro, que se encontrava dentro do QG. Consta que, apesar dos desmentidos dos amigos do marechal, ao entrar no Quartel-General. Deodoro gritou: "Viva sua majestade o imperador!". Um obscuro alferes que estava ao seu lado, o mato-grossense Cândido Rondon, 24 anos, garante que ouviu o "viva". Deodoro, em seguida, conversou amistosamente com Floriano Peixoto e foi convidado por ele a subir ao 1º andar, onde estava Ouro Preto.

Ao entrar na sala, Deodoro cumprimentou primeiro seu primo, o ministro da Guerra, Visconde de Maracaju. Em meio ao maior silêncio, o marechal fez um discurso intempestivo. "Vossa Excelência e seus colegas estão demitidos por haver perseguido o Exército", disse a Ouro Preto. "Os senhores não têm nem nunca tiveram patriotismo. Patriotismo tem tido o Exército, e disso deu provas exuberantes durante a campanha do Paraguai." O marechal lembrou ainda os três dias e noites que passou no meio de um lodaçal durante a guerra, "sacrifício que Vossa Excelência não pode avaliar". Impassível, o Visconde de Ouro Preto ouviu tudo sem interromper. Depois, disse a Deodoro: "A vida política, senhor general, tem também os seus dissabores. E a prova disso tenho agora, em que sou obrigado a ouví-Io" .

O marechal demitiu o ministério e afirmou que Ouro Preto e Cândido de Oliveira, ministro da Justiça, ficariam presos até serem deportados para a Europa. "Quanto ao imperador", concluiu, "tem a minha dedicação, sou seu amigo, devo-lhe favores: seus direitos serão respeitados e garantidos." Disse também que encaminharia uma lista de nomes do novo ministério a D. Pedro II. De República, nada falou. Floriano Peixoto intercedeu junto ao marechal pedindo que os dois ministros depostos não fossem presos. Deodoro concordou. Encerrada a conversa, Deodoro desceu para confraternizar com as tropas no Campo de Santana. Floriano esperou os soldados se retirarem da praça, tomou um bonde e foi para casa.

No Campo de Santana havia uma multidão considerável. O 10º de Infantaria, que havia sido enviado para barrar os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, chegava à praça junto com os alunos, festejando o fato consumado. Chegaram, também, os líderes civis republicanos, como Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo, e um monte de curiosos, atraídos pela movimentação militar. Ao montar no cavalo, Deodoro recebeu aclamações delirantes, aplausos e vivas. O capitão Antônio Adolfo Menna Barreto deu tantos "vivas" que acabou tendo um piripaque e desmaiou. Sabe-se, no caso, que Menna Barreto dava vivas à República, mas várias testemunhas da cena afirmam que em nenhum momento o líder máximo da revolta triunfante, Deodoro da Fonseca, proclamou a República. O tenente Sebastião Bandeira notou que aqueles eram o local e o momento apropriados para se proclamar a República e disse isso a Benjamin Constant. Constant, então, sussurrou algo no ouvido de Deodoro e tranqüilizou o tenente Bandeira. "Descanse, a nossa causa triunfou", disse. Um oficial, em seguida, deu um outro viva à República. "Deixe ao povo essa manifestação", repreendeu Deodoro.

Constatando que a derrubada da monarquia estava malparada, o major Sólon teria dito a Deodoro que só embainharia a espada se ele proclamasse a República. Os deodooristas mais fanáticos garantem que o marechal deu um viva à República nesse momento. Mas só eles dizem isso. Deodoro tomou a dianteira das tropas e liderou o cortejo pelo centro da cidade. Seu objetivo era ir até o arsenal da Marinha, para se certificar se aquela arma recebera bem a notícia da deposição de Ouro Preto. Bocaiúva arrumou um cavalo e destilou junto do marechal e de Benjamin Constant. Aristides Lobo seguiu a pé. "Os cariocas olhavam uns para os outros pasmados, interrogando-se com os olhos sem dizer palavra", diz o dramaturgo Arthur Azevedo, que viu o cortejo militar. Na Rua 1º de Março a passeata desfilou em silêncio, conta Azevedo, com Deodoro tentando manter-se ereto na sela e apresentando sintomas de recrudescimento de sua doença cardíaca.

No arsenal da Marinha, Deodoro constatou que tudo estava bem. Deu ordem para que os regimentos sublevados voltassem a seus quartéis e seguiu para sua casa, onde se meteu na cama. Como não havia nada para fazer, os populares que acompanhavam o cortejo se aproximaram do republicano José Lopes da Silva Trovão, 42 anos, civil como eles, e pediram-lhe que pagasse uma rodada de bebida numa taverna das imediações para comemorar os eventos da manhã. Com 11 000 reis no bolso, Lopes Trovão topou. Só que a conta ficou em 40 000 reis e o taverneiro teve de arcar com o prejuízo.

No início da tarde, portanto, o movimento era vitorioso. O Exército, sob o comando de Deodoro, havia "lavado" sua honra, restituído o brio ganho na Guerra do Paraguai - a mais longa e sangrenta da América Latina e fonte de um endividamento de 45 milhões de libras esterlinas do Império junto ao Banco Rothschild. Ao mesmo tempo, o movimento estava derrotado, já que as instituições monárquicas estavam de pé e D. Pedro ll, retornando de Petrópolis, chegava à Estação de São Francisco Xavier e se dirigia para seu palácio no paço da cidade. Às 3 horas da tarde, ao perambular pela cidade e constatar que pouquíssimas pessoas falavam de República, Constant percebeu o quanto a situação era esdrúxula. O tenente-coronel encontrou com o jornalista republicano Arubal Falcão, 30 anos, com um grupo de amigos na Rua do Ouvidor, em frente à redação de Cidade do Rio e tomou providências. "Agitem o povo que a República não está proclamada", disse-Ihes.

Falcão não perdeu tempo. Juntou-se primeiro aos republicanos Pardal Mallet e Silva Jardim - um temperamento vulcânico de quem os próprios líderes republicanos haviam escondido a conspiração, por considerá-Io demasiado radical. A trinca precisava de um local para fazer a agitação e procurou um vereador para ver se era possível usar a Câmara Municipal. Estranhamente, procuraram o monarquista negro José do Patrocínio, 36 anos, detestado pelos republicanos devido às suas conhecidas ligações com a Guarda Negra. Estranhamente, Patrocínio havia aderido à República naquele dia e, na condição de vereador mais moço (conforme a lei exige), convocou uma sessão da Câmara.

Os republicanos arregimentaram algumas pessoas que passavam e se dirigiram para a Câmara, que também fica no Campo de Santana. Lá, referendaram uma confusa moção que Aníbal Falcão havia escrito às pressas na redação de Cidade do Rio. "O povo, reunido em massa na Câmara Municipal, fez proclamar, na forma da lei ainda vigente, pelo vereador mais moço, após a revolução que aboliu a monarquia no Brasil, o governo republicano", diz o documento. Logo a seguir, a moção solicitava uma proclamação para valer a quem de fato detinha o poder. "Convencidos de que os representantes das classes militares, que virtualmente exercem as funções de govemo no Brasil, sancionarão este ato, esperam os abaixo-assinados a pronta e imediata proclamação da República. Os "abaixo-assinados" se intitulavam "os órgãos espontâneos da população do Rio de Janeiro"' e "o povo reunido em massa" contava umas 100 pessoas.

De posse desse papel, uma parte dos manifestantes atravessou o Campo de Santana às 6 horas da tarde e postou-se na frente da casa de Deodoro. O Marechal, com falta de ar e os pés inchados, continuou na cama, mas Constant apareceu na sacada do primeiro andar do sobrado. De baixo, Patrocínio berrou o que havia se passado na Câmara. De cima, Constant hesitou, respondendo que um governo provisório convocaria uma Assembléia Constituinte para que a nação pudesse "deliberar definitivamente acerca de uma forma de governo".

A hesitação de Constant se devia a motivos diferentes dos de Floriano. Positivista de longa data, Constant era um pacifista, e talvez quisesse que o Exército não tivesse um papel tão preponderante na instituição da República no Brasil, preferindo que uma Constituinte proclamasse o novo regime. A proclamação, no entanto, se impôs logo a seguir, devido às trapalhadas perpetradas pelo Visconde de Ouro Preto e por D. Pedro II. Instalado no palácio do Rio de Janeiro o imperador mandou chamar Ouro Preto, aceitou sua renúncia com dificuldade e concordou também com o nome que o visconde lhe indicou para sucedê-Io no cargo: o senador Gaspar Silveira Martins, 55 anos.

Havia duas dificuldades para viabilizar nome de Silveira Martins como novo presidente do Conselho de Ministros. Primeiro, o senador gaúcho estava em viagem de sua província para o Rio de Janeiro, onde deveria chegar somente no domingo. Era muito difícil que a situação política permanecesse a mesma no Rio durante dois dias. A segunda dificuldade, esta realmente intransponível, era fazer Deodoro aceitar um ministério presidido por Silveira Martins. Ambos eram inimigos desde o tempo em que o marechal serviu no Rio Grande do Sul, quando disputaram as graças da baronesa do Triunfo. Desde então, Silveira Martins não perdia oportunidade para espicaçar Deodoro da tribuna do Senado, dizendo que ele era um indisciplinado, insinuando que malversava fundos e até contestando sua eficácia enquanto militar. "Quanto habilitações do marechal em negócios, sua profissão", disse certa vez o senador, provocando riso entre seus colegas parlamentares, "recordo que, quando comandante de uma divisão de observação, dividira-a em duas brigadas, confiando o comando, uma a um paralítico e o da outra a um octagenário, que caiu do cavalo parado."

Somente ao saber, já de noite, através de Benjamin Constant, que o imperador havia nomeado Silveira Martins para chefia do ministério, Deodoro teria se resolvido a aceitar a instauração do regime republicano. Também se tentou que Deodoro fosse ter um encontro pessoal com D. Pedro II, mas o marechal recusou com essas palavras: "Se eu for, o velho chora, eu choro também, e está tudo perdido". Mais tarde. D. Pedro II foi convencido a mudar de posição e indicou nome do conselheiro José Antônio Saraiva, 66 anos, para o lugar de Silveira Martins. Saraiva enviou o capitão Roberto Trompowsky a Deodoro para saber se marechal aceitava que ele organizasse ministério. "É tarde, a República já está feita e o novo governo constituído", disse Deodoro a Trompowsky, depois de ler carta do conselheiro Saraiva. "Os principais culpados de tudo isso são o conde D’Eu e o Visconde de Ouro Preto: o último por perseguir o Exército e o primeiro por consentir nessa perseguição".

Ouro Preto, deduz-se, ainda poderia ser substituído, mas o conde D’Eu, casado com a princesa Isabel, era intolerável por um longo período. O conde tem fama de arrogante porque ouve mal e, portanto, responde coisas diferentes das que lhe são perguntadas, fala com sotaque francês e é dono de cortiços no Rio, pelos quais cobra aluguéis exorbitantes de gente pobre. Temia-se que, com a subida de Isabel ao trono, ele viesse a ser o governante de fato do Brasil.

Com a concordância de Deodoro em se instituir a República, Bocaiúva, Aristides Lobo, o campineiro Francisco Glicério reuniram-se com Benjamin Constant no Instituto dos Meninos Cegos que acabou com a monarquia, lembrar em to jocoso o ditado popular "Em terra de cego, quem tem um olho é rei". Houve uma certa disputa em torno dos nomes, mas no final concordou-se que Deodoro chefiaria o governo, Bocaiúva ficaria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros ( que foi rebatizado de Ministério das Relações Exteriores), o gaúcho Demérito Ribeiro com o da Agricultura, Constant com o da Guerra, Wandenwolk com o da Marinha, Rui Barbosa com o da Fazenda e Campos Sales – que só veio a conhecer Deodoro no dia 18 – com o da Justiça, para agradar aos paulistas. O primeiro artigo do decreto inaugural do governo afirma: "Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da nação brasileira a República Federativa". O "provisoriamente" talvez tenha sido colocado por sugestão de Constant, ainda na esperança de que a Constituinte reconhecesse o fato consumado republicano.

Terminada a redação, Constant perguntou, com a papelada na mão: "Quem leva isto ao velho?" O "velho", para os republicanos, é Deodoro da Fonseca. O tenente Jaime Benévolo levou os papéis para Deodoro em sua casa ali do lado, número 99 do Campo de Santana. O marechal só pestanejou na hora de assinar a nomeação de Demérito Ribeiro. "Este quem é?", perguntou. Foi lhe explicado que era um republicano gaúcho. Deodoro disse que havia morado no Sul, mas não lembrava de nenhum republicano com esse nome. Mesmo assim, disse: "Vá lá" e assinou a nomeação. No dia seguinte, sábado, o governo ordenou a D. Pedro II que saísse do país, e coube ao boateiro major Sólon levar a comunicação. O major se embaralhou todo na hora, chamando o imperador de "Excelência, Alteza e Majestade" e até pediu permissão para retirar-se. Estava encerrados os quase cinqüenta anos de reinado do imperador.

No próprio dia 15, Aristídes Lobo escreveu um artigo para o Diário Popular, que só publicou na segunda-feira, dia 18, a respeito de proclamação da República. "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava. Muitos acreditavam estar vendo uma parada", diz o ministro do Interior em seu artigo, com uma sinceridade e uma capacidade de síntese notáveis. A população carioca realmente contemplou tudo aquilo bestificada. Mas, em outro canto do artigo, Aristides Lobo projeta os fatos de sexta-feira passada para o futuro. "O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era", escreve, e completa depois: "Estamos em presença de um esboço rude, incompleto, completamente amorfo. Não é tudo, mas é muito". O Brasil apenas adentrou na era republicana, que pode trazer grandes benefícios para o país em matéria de desenvolvimento e liberdade. O que se fez na sexta-feira passada foi subir um degrau marcante para se entrar na grande era.

Quem são os ministros mais fortes no governo provisório da República

Campos Sales, 48 anos: advogado de Campinas, filho de uma família de fazendeiros e republicano histórico, já foi deputado. É o representante de São Paulo no governo provisório. Só veio a conhecer o marechal Deodoro da Fonseca pessoalmente na noite de segunda-feira, dia 18.

Aristides Lobo, 51 anos: paraibano de Mamanguape, é formado em Direito. Integrava a ala radical dos republicanos até o congresso do partido, em maio, quando apoiou os moderados de Bocaiuva. Acha que os cariocas confundiram a proclamação com uma parada militar.

Benjamin Constant, 53 anos: tenente-coronel e professor, ensinou matemática aos netos do imperador, mas não agüentou a malcriação dos meninos e se demitiu. Líder dos cadetes nas escolas militares, é positivista convicto. "Ordem e Progresso" é o seu lema.

Quintino Bocaiuva, 52 anos: jornalista, fundador e dirigente do Partido Republicano Brasileiro. Nasceu com o sobrenome Sousa, mas adotou o Bocaiuva, do tupi, para afirmar-se como nacionalista. Foi quem fez a ligação entre civis e militares na conspiração republicana.

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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O maior golpe político da história do Brasil

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Por: Bruno Garschagen em 15/11/16 20:09

Não compreendo a celebração da mentira que se convencionou chamar de "proclamação da república". Porque a república presidencialista no Brasil foi imposta em 15 de novembro de 1889 com um golpe militar que derrubou a Monarquia Parlamentar Constitucional.

Desde lá, tivemos 34 presidentes e sete constituições. Assim como voltaria a acontecer em 1964, o golpe militar contou com o apoio das elites militar, política, econômica e intelectual. Diz-se que naquele 15 de novembro de 1889 o Brasil dormiu monarquista e acordou republicano. Era melhor o país não ter dormido.

Encerrava, assim, com imerecida desonra, a nossa Monarquia, que em três ocasiões (1834, 1837, 1881) reformou o seu modelo político para se adequar aos desafios da época e estava prestes a realizar a quarta reforma, com o Gabinete Ouro Preto, quando foi derrubada.

A república nasceu, portanto, maculada. Fruto de um golpe militar, jamais conseguiu superar as virtudes construídas pela nossa Monarquia. Com a república, o que era ruim não era novo, e o que era novo era péssimo.

A história da república presidencialista brasileira é, também, uma sucessão de golpes e do desenvolvimento de uma tradição política autoritária. A república começou com duas ditaduras (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto). A República Velha terminou em estado de sítio seguido de um golpe militar. A Era Vargas começou com um golpe eufemisticamente chamado de "Revolução de 1930" e sediou um golpe dentro do golpe em 1937, eufemisticamente batizado de "Estado Novo". Um golpe afastou Getúlio Vargas do poder em 1945 e novas eleições foram convocadas. Em 1964, um contragolpe impediu o golpe orquestrado pelas forças ideológicas e políticas que sustentavam o governo de João Goulart. Entre 1964 e 1984, também houve golpes dentro do golpe. Golpe, portanto, não é novidade na história política brasileira.

Alguns apoiadores do golpe de 1889 perceberam muito cedo o tamanho do problema que ajudaram a criar. O sentimento de muitos que apoiaram a derrubada da Monarquia foi, aliás, semelhante ao expresso pelo jornalista e político Quintino Bocaiúva, polemista inveterado, republicano fervoroso. Em carta à Princesa Isabel, Bocaiúva pediu perdão a Deus pelo que fez para o advento da república e se disse surpreso pelo fato de o povo não "ter cortado a cabeça de quantos" como ele que haviam cometido "tão funesto erro".

A república presidencialista permitiu o crescimento do estado e do poder do governo e contribuiu decisivamente para esvaziar do imaginário popular o sentido de dever e de responsabilidade existente durante a Monarquia e o substituiu gradualmente pela ação do governo. A consequência foi o aumento do estatismo na elite política e no imaginário popular.

Para impor culturalmente o novo modelo político num país majoritariamente monarquista, os republicanos fizeram tudo o que podiam para "eliminar o mais rapidamente da paisagem os vestígios da Monarquia". Nesse processo, a bandeira foi modificada, foram criadas diversas datas cívicas e o cumprimento maçônico saúde e fraternidade foi convertido por lei "em saudação obrigatória no Brasil republicano".

Com isso, os republicanos sepultaram não só a Monarquia Parlamentar Constitucional, mas a parte benéfica de sua experiência de quase sete décadas de Brasil independente, incluindo a tentativa de desenvolver um governo representativo para delimitar o poder de cooptação pelo estado patrimonial. A república destruiu a herança e o espírito de continuidade que fornecia "um princípio seguro de conservação e um seguro princípio de transmissão; sem de todo excluir um princípio de melhoramento", elementos capazes de manter "a união do passado e do presente, da tradição e do progresso".

Lamentavelmente, nos restou não um legado virtuoso, mas uma infame caricatura criada pela ignorância e a ridicularização de um período relevante e fascinante da história brasileira.
Não, não houve "proclamação da república". Houve golpe.

***

Bruno Garschagen é autor do best-seller "Pare de Acreditar no Governo - Por que os Brasileiros não Confiam nos Políticos e Amam o Estado" (Editora Record). É Doutorando e Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, palestrante, podcaster, colunista e colaborador do EXTRA.

LINK ORIGINAL: EXTRA - https://goo.gl/EBueLt

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

LEMBRANDO PEDRO II


SÃO PAULO, 16 DE NOVEMBRO DE 2016 ÀS 11:10
POR ARISTÓTELES DRUMMOND

Autores mal informados ou mal intencionados costumam se referir à monarquia como solução do passado, ignorando a experiência de países que são modelo de democracia e progresso
Feriado nacional, a Proclamação da República é reconhecida por todos os historiadores, e nos depoimentos das personalidades da época ,como um acontecimento sem apoio e até sem conhecimento popular.

Foi fruto da habilidade de uns, como Benjamin Constant, e da ingenuidade de outros, como o Marechal Deodoro da Fonseca, ele mesmo um admirador e amigo do Imperador.
O movimento republicano só encontrava eco na imprensa e em alguns círculos intelectuais. E pela liberdade reinante no país, no meio século do segundo reinado.

Colaborou para o rápido desfecho e embarque da família imperial o temperamento ameno de Pedro II, que não reagiu temeroso do derramamento de sangue brasileiro. Ao que poderia somar alguns erros políticos, incluindo aí a não hereditariedade dos títulos brasileiros.

Muitos equivocados, como Rui Barbosa, logo se decepcionaram, mas era tarde demais. D. Pedro II, que entrou para a história como o maior dos brasileiros, morreu dois anos depois, e a Princesa Isabel, herdeira do trono, apesar de gozar da estima nacional, não se dispôs a comandar um movimento pela restauração.

Prova inequívoca do prestígio da monarquia e da família imperial é que, mais de cem anos depois, em 1993, a consulta popular, fruto de proposta do deputado constituinte Cunha Bueno, deu à monarquia, sem campanha e sem dispor de um mínimo de recursos, 13% dos votos computados.

Na crise da renúncia de Jânio Quadros, o ministro da Aeronáutica Brigadeiro Grum Moss se lembrou do nome do oficial da Força Aérea, com presença na II Guerra, D. João de Orleans e Bragança.
Embora, vale lembar, o herdeiro legítimo fosse seu primo D. Pedro Henrique, que sofria, na ocasião, despropositada contestação de seu primo Pedro Gastão, cujo pai havia renunciado em carta do próprio punho.

Essas observações de caráter histórico podem servir para a inclusão na pauta nacional desta possibilidade, desde que submetida ao Parlamento ou à consulta popular com igual manifestação das correntes de pensamento.

Hoje, o parlamentarismo é reconhecido como regime estabilizador das instituições, pela experiência na Europa.

Autores mal informados ou mal intencionados costumam se referir à monarquia como solução do passado, ignorando a experiência de países que são modelo de democracia e progresso, como Inglaterra, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Espanha, Suécia, Noruega e Dinamarca, além do Japão, em que o regime e o imperador sobreviveram ao desastre na II Guerra, entre outros.

Só para meditar!!!

República: https://goo.gl/E30mCn

terça-feira, 15 de novembro de 2016

VOCÊ QUER SABER O QUE É A REPÚBLICA ? Aprenda com Lima Barreto.


Lima Barreto foi um dos nossos grandes escritores. Nascido em fins do século XIX, foi testemunha ocular dos primeiros anos da violenta, triste, corrupta e jovem República brasileira.

Leia esse maravilhoso texto escrito em 1918 (mas que poderia ser de 2016) e veja a diferença entre a Monarquia e a República:

"Não gosto, nem trato de política. Não há assunto que mais me repugne do que aquilo que se chama habitualmente política. Eu a encaro, como todo o povo a vê, isto é, um ajuntamento de piratas mais ou menos diplomados que exploram a desgraça dos humildes.
Nunca quereria tratar de semelhante assunto, mas a minha obrigação de escritor leva-me a dizer alguma coisa a respeito, a fim de que não pareça que há medo em dar, sobre a questão, qualquer opinião.

No Império, apesar de tudo, ela tinha alguma grandeza e beleza. As fórmulas eram mais ou menos respeitadas; os homens tinham elevação moral e mesmo, em alguns, havia desinteresse.
Não é mentira isto, tanto assim que muitos que passaram pelas maiores posições morreram pobríssimos e a sua descendência só tem de fortuna o nome que recebeu.

O que havia neles não era ambição de dinheiro. Era, certamente, a de glória e de nome; e, por isso mesmo, pouco se incomodariam com os proventos da "indústria política".

A República, porém, trazendo a tona dos poderes públicos a borra do Brasil, transformou completamente os novos costumes administrativos e todos os "arrivistas" se fizeram políticos para enriquecer.

A República no Brasil é o regime da corrupção. Todas as opiniões devem, por esta ou aquela paga, ser estabelecidas pelos poderosos do dia. Ninguém admite que se divirja deles e, para que não haja divergências, há a "verba secreta", os reservados deste ou daquele ministério e os empreguinhos que os medíocres não sabem conquistar por si e com independência".

Lima Barreto faleceu em 1922.

O golpe republicano ocorrido em 15 de novembro de 1889 é um dia de infâmia. Um dia para ser lembrado com luto e vergonha.

Príncipe brasileiro visita Brusque para início das comemorações do bicentenário da Independência

Dom Bertrand participa de uma série de eventos na cidade durante esta terça-feira

Monarquia 15/11/2016 | 08h01

Augusto Ittner
augusto.ittner@santa.com.br
Houve festa, é claro, mas longe, bem longe, do que seria a chegada de um monarca ao Vale do Itajaí se estivéssemos no Século 19. Esqueça a corte imperial, porque foi ao lado de alguns secretários e integrantes do movimento monárquico brasileiro que desembarcou em Navegantes ontem o príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança. Sim, príncipe. Por mais que você não esteja acostumado com essa expressão, o senhor de 75 anos de idade nascido na França, durante o exílio após a Proclamação da República — comemorada hoje — leva esse título.

O dia se contrastou com uma grande ironia. A vinda de Dom Bertrand a Brusque — motivada pelo início das comemorações do bicentenário da Independência — ocorreu justamente na véspera da data que ele chama de primeiro golpe no Brasil. O feriado que fez com que muitas pessoas tivessem hoje um merecido dia de descanso é, para o príncipe, uma data de luto. Data essa que remete ao fim do Império e início de uma jornada de 56 anos entre a expulsão de Dom Pedro II e o retorno da Família Imperial ao solo brasileiro.

De direito, mas não de fato, Dom Bertrand é o segundo na linha de sucessão ao trono no Brasil — mais uma expressão com a qual você não está acostumado, certo? Bisneto de princesa Isabel, ele seria, após a morte do irmão, Dom Luís, o nosso imperador caso ainda estivéssemos em uma monarquia parlamentarista. Mas esqueça as pompas tradicionais de qualquer coisa que remeta à realeza. Com o sorriso de lado, a voz lenta e o olhar firme, a maior preocupação do príncipe é fazer com que as pessoas levem a sério aquilo que ele defende.

— A monarquia segue todo o preceito básico da democracia, com o poder Executivo, representado pelo primeiro-ministro, o Legislativo, com Câmara e Senado, e o Judiciário totalmente independente. A diferença está no quarto poder, que é o Moderador, exercido pelo imperador com o objetivo de garantir a harmonia entre os outros três. Como em uma sinfonia — destaca Dom Bertrand com orgulho nos olhos ao falar sobre aquilo que ele passou a vida inteira defendendo.

Morando de
   aluguel

Bertrand é gente como a gente. Não tem uma vida de luxo, como muitos podem imaginar, e mora de aluguel em uma casa no bairro Pacaembu em São Paulo. Lá, como ele mesmo brinca, aprendeu a torcer contra o Corinthians pelas brigas que presenciava da porta de casa. Quando criança era torcedor do Fluminense, mas preferiu deixar passar a paixão pelo tricolor das Laranjeiras. Esporte? Tiro esportivo:

— Sou bom de mira, hein!

Esquecida por décadas e décadas, a Família Imperial brasileira voltou à cena em 1993, no plebiscito — feito 104 anos após Marechal Deodoro da Fonseca proclamar a República. Com o jingle “vote no rei” que pode ser alguns lembrem até hoje, integrantes do movimento pró-monarquia tentavam convencer o eleitor de que aquele era o melhor regime possível. Não deu certo, é verdade, mas 6,8 milhões (13,4% dos votos válidos) de pessoas apertavam o botão de start de uma mobilização discreta, mas que se estende até hoje: a de restaurar o Império do Brasil.

— Apesar do flerte do povo do Vale do Itajaí com o separatismo (Sul é Meu País), o movimento monarquista está crescendo. Com a internet o cidadão tem a oportunidade de pesquisar mais sobre a monarquia e avaliar o assunto sem pressões ideológicas ou preconceitos. Por isso o movimento cresce — analisa o blumenauense Vitor Rebelo Brehsan, membro fundador do Círculo Monárquico Brasileiro.

Quanto à possibilidade do Brasil deixar de ser uma república presidencialista para voltar a ser uma monarquia parlamentarista, Dom Bertrand é objetivo e, ao mesmo tempo, otimista.

– Tenho uma certeza íntima de que a monarquia voltará. A República é uma utopia e foi um desastre para o Brasil – finalizou.

LINK ORIGINAL: JORNAL DE SC - https://goo.gl/pMwkya

domingo, 13 de novembro de 2016

Trocando a Faixa pela Coroa


por:  Pedro Forbes  em: 1 de novembro de 2016

Ninguém duvida que 2016 foi o ano das maiores reviravoltas ocorridas no cenário político brasileiro desde muito tempo. Um novo processo de impedimento presidencial consumado, deputados cassados e presos, grandes empreiteiros delatando a alta estirpe congressista de Brasília – e novembro ainda está começando agora.

Diante de uma situação tão complexa e instável, muitas são as vozes que buscam distanciar-se da inércia política e representar seus interesses e visões de Brasil. Uma delas, alavancada principalmente pela força das redes sociais, é o clamor pela restauração da Monarquia brasileira – sim, aquela mesma que você estudou no colégio!

Diante desse fato, a Gazeta entrevistou dois gevenianos – Guilherme de Faria Nicastro, do 8º semestre de Direito e Leonardo Beraldin, formado em administração de empresas em 2015 – apoiadores da causa monárquica e membros da Juventude Monárquica Brasileira, na tentativa de conhecer um pouco mais esse discurso que, lentamente, vem buscando ganhar proeminência no debate político nacional, esclarecendo alguns pontos importantes e dúvidas que vêm à cabeça de qualquer um ao cogitar-se escolher uma forma de governo que vigorou há tanto tempo por aqui e que, se algum dia voltar, encarará outra realidade econômica, política e social.

Explicam os dois entrevistados que os grupos monárquicos estiveram expressamente impedidos de se organizarem até à Constituição de 1988, que previu a realização do plebiscito acerca da forma e sistema de governo em vigor no Brasil, ocorrido em 1993 por influência da família imperial antes exilada.

Somente em 2013, 20 anos após a derrota nas urnas, que o movimento monárquico buscou os holofotes políticos nacionais mais uma vez por meio da tomada mais firme de posições e, como relatam os entrevistados, com um súbito apoio jovem.

O próprio Guilherme Nicastro é ativo mobilizador da juventude monárquica, administrando e atualizando os canais oficiais da família imperial nas mídias sociais e em contato direto com os príncipes da Casa de Bragança – descendentes de D. Pedro II e, dentro do meio, aclamados como herdeiros legítimos do trono. Desde esse esforço de revigoramento, o movimento tem crescido vertiginosamente e inclusive disseminando-se no meio universitário brasileiro, como explica Nicastro:

Atualmente, estamos reorganizando, nós dois e um grupo de outros jovens, a estrutura da nova e oficial Juventude Monárquica Brasileira, ligada à Pró Monarquia – Casa Imperial do Brasil, com membros das mais diversas universidades pelo Brasil. A ideia é criar um braço da Juventude em cada Estado Federativo para que sejam criados, organicamente, núcleos dentro das universidades, com foco em estudar e difundir a Monarquia Parlamentarista”.

Enxergando a monarquia parlamentar constitucional como eficiente meio para a estabilidade política que historicamente e ainda hoje falta ao país, a julgar pelas destituições, renúncias e regimes de exceção ocorridos no período republicano, os entrevistados sustentam que a mediação proporcionada por um Poder Moderador, concentrado na figura do Imperador, seria extremamente benéfico ao cenário político nacional e às relações dos poderes já instituídos: “se esse sistema fosse hoje vigente no país, teríamos a oportunidade de resolver com muito mais celeridade a crise institucional pela qual estamos passando, e também as que vivenciamos no último século”, podendo o Parlamento ser dissolvido para a realização de novas eleições.

Ressaltam, porém, que deve ter-se muita cautela em não se confundir o sistema proposto com absolutismo, sendo essa conexão vista pela dupla como o principal fator que imputa aos defensores do Imperador ares retrô.

O poder Moderador seria atribuído ao monarca, que é também Chefe de Estado e representante máximo da nação, e exercido de forma imparcial, visto que o imperador vitalício não seria vinculado aos partidos políticos e grupos econômicos, distanciando-se dos vícios e, assim, podendo estar mais comprometido com os problemas reais do Brasil e idealizando projetos nacionais e longevos para as gerações futuras.

Ademais, o Monarca é preparado, pois é educado desde criança para reinar com honestidade e competência. Durante toda a sua formação já participa dos problemas e do governo do país, não tendo interesse em interromper as obras dos antecessores, das quais participou antes mesmo de subir ao trono”, explica a dupla.

O poder Executivo e Chefia de Governo, segundo os entrevistados, caberia ao Primeiro-Ministro. O Legislativo é representado pela figura do Congresso Nacional elegível por sufrágio universal e o Judiciário mantém toda as suas prerrogativas e independência.

Guilherme e Leonardo lamentam também o estigma imputado à monarquia pelos livros de história republicanos como algo retrógrado e ultrapassado, ao invés de ser levada em conta uma real análise do sistema monárquico constitucional e seu funcionamento no mundo globalizado atual, como acontece em países como a Inglaterra, a Noruega, a Dinamarca, a Holanda e o Japão.

Os dois garantem que, dentro do sistema da monarquia constitucional parlamentar, há espaço para pautas progressistas, bem como as opiniões de qualquer corrente ideológica, política e filosófica, como seria em qualquer outra verdadeira democracia e garantindo a diversidade saudável ao regime: “um exemplo que podemos citar são as reformas progressistas encabeçadas pelo Visconde de Ouro Preto, então presidente do Conselho de Ministros no reinado de Dom Pedro II, que incluíam, por exemplo, a reforma agrária para beneficiar escravos libertos, sendo inclusive uma das razões que levaram à sua deposição como Chefe de Governo em 15 de Novembro de 1889 pelo golpe militar”.

A questão da laicidade do Estado é outro ponto de inflexão e polêmica quando a monarquia é trazida à luz do debate. É sabido que os dois primeiros da linha sucessória mais reconhecida, D. Luiz e D. Bertrand, são membros da TFP – Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Haveria, então, algum risco à liberdade de culto no Brasil?

Os dois entrevistados asseguram que não, colocando dois pontos principais.

O primeiro diz respeito à própria essência da figura do imperador, que atua indiretamente no Governo, sancionando as leis em respeito aos interesses nacionais e ao Parlamento. Guilherme e Leonardo trazem à tona o exemplo do rei Balduíno, da Bélgica:

Em 1990, diante da aprovação do aborto pelo Parlamento Belga, o rei, tão católico quanto nossos príncipes, atuando por suas convicções próprias se recusou a sancionar a lei, no entanto, reconhecendo a supremacia do Parlamento, e da vontade nacional expressa pelo Legislativo, pediu ao Parlamento que o declarasse impedido temporariamente de reinar, cabendo à Chefia de Estado excepcionalmente ao Primeiro-Ministro, como regente, somente durante o dia de apresentação da aprovação do aborto, para que o rei, que se retirou no dia para um retiro espiritual, estivesse escusado de sua faculdade de sancionar. Desta forma, o imperador, ou rei neste caso, pode se declarar impedido sobre certa matéria, assim como um juiz”.

A liberdade de culto não seria ameaçada pela existência de uma religião oficial do Estado, garantem os entrevistados. Até algumas repúblicas, como a Argentina, mantém uma religião oficial apenas em respeito às tradições nacionais, sem vincular tal símbolo à atuação do Parlamento e à liberdade individual de cada indivíduo.

Aos que não conhecem, ou até agora não conheciam esta forma de governo como opção, lembramos que dos 10 países mais democráticos do mundo 8 são Monarquias, e 9 são Parlamentaristas[1]; dos 10 países com maior IDH, 8 são Monarquias, 9 Parlamentaristas[2]; dos 10 países mais respeitados do mundo, 8 são Monarquias, 9 Parlamentaristas[3], e o país mais feliz do mundo é uma Monarquia Parlamentarista[4]”.

Apesar do notório crescimento, o movimento monárquico ainda é muito novo e é mantido por doações, como informa a dupla entrevistada.

Quem tiver interesse e curiosidade, a página oficial da Casa Imperial do Brasil, mantida e atualizada por nós e outros jovens voluntários, se chama Pró-Monarquia (www.facebook.com/promonarquia). Lá publicamos informações atualizadas, curiosidades, dados e convites diariamente. Contamos também com a cartilha oficial da Casa Imperial, idealizada como um livro de perguntas e respostas, para desmistificar a forma monárquica de governo, disponível digitalmente. (http://tinyurl.com/cartilhamonarquica)”.

Se o Imperador volta ou não, é impossível saber. Mas já existem aqueles que gostariam de trocar a faixa presidencial pela coroa imperial.

[1] Dados do índice de Democracia da The Economist para 2015

[2] Dados do Fórum Econômico Mundial para 2015.

[3] Dados do Reputation institute para 2015

[4] Ranking Mundial da Felicidade para 2016

LINK ORIGINAL: GAZETA VARGAS - https://goo.gl/23gWV7

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

TRINETO DA PRINCESA ISABEL VISITA MG

Príncipe Dom Rafael estará em Pompéu neste sábado (12).
Visita visa fortalecer a presença da família real no estado.

O município de Pompéu, no Centro-Oeste de Minas, receberá neste sábado (12) a visita do trineto da princesa Isabel, o príncipe Dom Rafael de Orleans e Bragança. A visita faz parte da 1ª Jornada Monárquica do Interior de Minas Gerais.

Segundo informações do chanceler do Círculo Monárquico de Minas Gerais, Hugo de Castro, o objetivo da visita é fortalecer a presença da família real no estado. A visita começa às 8h e, seguindo o protocolo, o primeiro local visitado será a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição.

O organizador da visita disse que a presença do príncipe no Centro-Oeste levará para o interior de Minas Gerais a consciência do que foi o período da monarquia entre 1822 e 1889.  "Esse será o primeiro evento e, a partir de então, definiremos outras cidades às quais o príncipe fará visitas", disse.
Programação

Na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, o princípe será recepcionado pelo padre Carlos André, pároco da paróquia. Em seguida ele irá ao Centro Cultural Dona Joaquina do Pompéu, onde será recebido pelas autoridades locais e demais pessoas da comunidade.

Às 10h ocorrerá uma sessão solene em honra à visita e saudação do presidente do Círculo Monárquico de Minas Gerais. Haverá também palestra com o tema “Golpe Republicano de 15 de novembro e a expulsão de Dom Pedro II”.

Em seguida, haverá um pronunciamento de Dom Rafael de Orleans e Bragança. Por volta de 12h, o príncipe sairá para almoço e, às 13h30, ocorrerá um passeio da comitiva pelas ruas da cidade. Às 15h30, ele se despede de Pompéu.

Dom Rafael
Dom Rafael é engenheiro de produção formado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e atualmente trabalha na Companhia de Bebidas das Américas (Ambev), onde fez estágio.
Seu nome completo é Rafael Antônio Maria José Francisco Miguel Gabriel Gonzaga de Orleans e Bragança e Ligne, príncipe do Brasil e príncipe de Orleans e Bragança. É o terceiro filho e segundo varão de Antônio João de Orléans e Bragança, príncipe do Brasil e príncipe de Orléans e Bragança, e de Cristina de Ligne, princesa de Ligne.


Pelo lado paterno, é trineto da princesa Isabel e tetraneto de Dom Pedro II. Pelo lado materno pertence à casa de Ligne, uma das mais antigas famílias nobres belgas.

LINK ORIGINAL: G1 - https://goo.gl/hdA5w4

terça-feira, 8 de novembro de 2016

CONSIDERE A MONARQUIA, AMÉRICA


Enquanto cresce exponencialmente o movimento monarquista no Brasil, com cada vez mais adeptos e visibilidade tanto da causa quanto dos Príncipes da Casa Imperial do Brasil na imprensa nacional e internacional, como uma alternativa à decrépita República Presidencialista, por mais incrível que pareça, no The New York Times, um dos maiores jornais de circulação dos Estados Unidos da América e referência jornalística mundial, diante da triste escolha eleitoral que terão os norte-americanos hoje, foi publicado no último dia 6, o artigo de opinião intitulado "Consider a Monarchy, America", de autoria de Nicolai Tolstoy, Chanceler da International Monarchist League, historiador e novelista:

"Southmoor, Inglaterra - Como estrangeiro com dupla cidadania, britânica e russa, não me cabe comentar em profundidade os méritos dos candidatos rivais à presidência dos Estados Unidos. Parece-me, porém, incontroverso dizer que nenhum dos dois se assemelha a um Washington ou um Lincoln, e que a presidência eletiva está passando por um exame cada vez mais crítico.
Que o seu chefe de Estado deva ser eleito pelo povo é, imagino, a visão inata de quase todos os cidadãos norte-americanos. Mas, nesta hora de inquietação, eles podem muito bem se perguntar se, em que pese toda a sabedoria dos Founding Fathers, seu sistema republicano de governo os está realmente levando à prometida “união mais perfeita”.

Afinal, basta que os nossos primos americanos dirijam o olhar ao seu vizinho do norte para verem, no satisfeito Canadá, uma nação que tem como chefe de Estado um monarca hereditário. Este simples exemplo demonstra que a democracia é perfeitamente compatível com a monarquia constitucional.
De fato, a história moderna da Europa mostrou que os países que têm a sorte de desfrutar de um rei ou rainha como chefe de Estado tendem a ser mais estáveis e mais bem governados do que a maioria dos estados republicanos do continente. Da mesma forma, os ditadores demagógicos têm se mostrado inflexivelmente hostis à monarquia porque a instituição, perigosamente venerada, representa uma alternativa às suas ambições.

Refletindo em 1945 sobre os fatores que levaram à ascensão da Alemanha nazista, Winston Churchill escreveu: “Esta guerra nunca teria acontecido se não tivéssemos expulsado - sob pressão americana e modernizadora - os Habsburgos da Áustria e da Hungria, e os Hohenzollern da Alemanha.”

“Ao criar tais vácuos”, continuou, “abrimos o flanco para o monstro hitleriano rastejar do seu esgoto até os tronos vazios”.

Para ser justo com relação à influência "americana e modernizadora", uma consideração semelhante levou o presidente Harry S. Truman e o general Douglas MacArthur a preservarem a monarquia japonesa no final da Segunda Guerra Mundial. Esta sábia política permitiu a notável e rápida evolução do Japão para tornar-se a próspera e pacífica sociedade democrática que tem sido desde então.

Sem dúvida, republicanos entrincheirados responderão que governantes hereditários podem revelar-se loucos ou maus. Porém, as democracias também têm dinastias. Os EUA podem ter se livrado do jugo do rei George III, mas os americanos escolheram ser governados por George Bush II. É salutar lembrar que George III, quando lúcido, perdeu as colônias americanas, mas quando ficou louco governou uma Grã-Bretanha que triunfou sobre os exércitos do [eleito] Imperador Napoleão.
Os autores da Constituição [norte-americana] eram, sem dúvida, homens de preeminente julgamento e intelecto. Mas não gozavam de um monopólio de tais qualidades. Do outro lado do Atlântico, pensadores igualmente elevados argumentavam que uma monarquia era inerentemente mais estável do que uma república.

Nenhum estadista britânico apoiou mais a causa dos colonos do que Edmund Burke, mas nenhum foi mais eloquente do que ele em defesa dos benefícios da monarquia britânica.
“O povo da Inglaterra sabe muito bem", escreveu ele, que a ideia de legado fornece um princípio seguro de conservação e um princípio seguro de transmissão, sem excluir de modo algum um princípio de melhoria”.

Em outras palavras, uma monarquia dá a uma ordem política um elemento vital de continuidade que permite uma reforma gradual. Desta forma, o Estado de Direito é garantido pelo respeito à autoridade, como Dr. Johnson aconselhou a Boswell: “Agora, senhor, este respeito pela autoridade é muito mais facilmente concedido a um homem cujo pai o possui do que a um principiante, e assim a sociedade é mais facilmente escorada”.

Seu contemporâneo, o historiador Edward Gibbon, ponderou os sistemas rivais e pronunciou-se com característica acidez a favor de um soberano hereditário. “Podemos facilmente inventar formas imaginárias de governo nas quais o cetro seria constantemente concedido aos mais dignos pelo livre e incorrupto sufrágio de toda a comunidade”, escreveu, mas “a experiência desmente essas balelas”.
A vantagem da monarquia é que a instituição “extingue veleidades facciosas” elevando-se acima do partidarismo tóxico de partidos concorrentes e de eleitos rivais. Gibbon conclui: “Devemos à sucessão pacífica e a administração moderada das monarquias europeias ao fato de que esta ideia se encontra firmemente estabelecida”.

Lembre-se de que nenhum monarca britânico foi assassinado durante cerca de cinco séculos, enquanto quatro presidentes americanos o foram nos últimos 150 anos. Um fator a ponderar, sugiro.
A opinião de Gibbon hoje permanece verdadeira. A muitos britânicos, por exemplo, agradaria ver aumentadas as prerrogativas reais em certos campos, como a distribuição de títulos e assentos na casa alta do Parlamento. O crescente uso venal de tais honras pelo apadrinhamento do primeiro ministro levou a pedidos para que a Rainha restabeleça a integridade do governo reassumindo autoridade sobre o sistema.

O estadista francês do início do século XX Georges Clemenceau ressaltou uma vez que “há duas coisas no mundo para as quais eu jamais vi qualquer uso: a próstata e o presidente da república”. Ao contemplar a escolha que têm diante de si esta semana, muitos americanos talvez compartilhem algo desse sentimento. Há uma alternativa."

- Tradução de José Aloísio Schelini

LINK ORIGINAL: THE NEW YORK TIMES - https://goo.gl/S9QYny