domingo, 27 de novembro de 2016

A TRAMA DA VITÓRIA - PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Numa sexta-feira de boatos e agitação, 600 militares se revoltam, saem à rua, 
e o Brasil entra na era republicana

O major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, 46 anos, saiu alarmado da sede do Ministério da Guerra, no Campo da Aclamação, na tarde de quinta-feira passada, dia 14. Sem maiores explicações, havia recebido ordens para deslocar o 9º Regimento de Cavalaria e o 2º de Artilharia do quartel São Cristóvão para o da Praia Vermelha. Era um obstáculo a mais, e talvez intransponível, para a conspiração que desde o início do mês Sólon penava em fazer andar adiante. Ainda antes de receber suas ordens no ministério, o major gaúcho havia conversado com o tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, 53 anos, e com relutância concordara em adiar a deflagração do movimento militar. O adiamento era necessário, argumentou Constant, professor de Matemática na Escola Militar e líder dos cadetes, porque ainda havia muitos oficiais a serem convencidos a aderir à conspiração. Sólon agora recebia ordens de levar para a Praia Vermelha, muito mais distante do centro do Rio de Janeiro que São Cristóvão, justamente os dois regimentos mais mobilizados contra o governo liderado por Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto. O que fazer?

Parado ali no Campo da Aclamação – que teve o nome mudado em 1831, mas a população carioca insiste em chamar de Campo de Santana –, Sólon achou que a conspiração se esvaziaria se os dois regimentos fossem transferidos para a Praia Vermelha e decidiu agir no momento. Teve uma idéia originalíssima, genial mesmo. Seguiu direto para a Rua do Ouvidor, o centro nervoso do Rio de Janeiro, repleto de cafés e redações de jornais, e começou a dizer a amigos e em rodas de bar que o governo havia mandado prender o marechal Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant. Espalhou ainda que várias guarnições estavam sendo transferidas do Rio para o interior do país e que quem manteria a ordem na capital seria a Guarda Negra - a organização criada pelo vereador José do Patrocínio e integrada por ex-escravos -, que, a pretexto de apoiar a princesa Isabel, havia sido usada para dissolver comícios republicanos. Da Guarda Negra também faziam parte "capoeiras", arruaceiros e ex-policiais, formando uma espécie de "Patrociniolândia" ou "Isabelândia" - um movimento que, tocando na política, tinha elementos de banditismo.

Condecorado por bravura na Guerra do Paraguai, militante na campanha pela Abolição da Escravatura e republicano, o major Sólon tinha como objetivo, ao espalhar o boato, levar as tropas do Exército a odiar ainda mais o Visconde de Ouro Preto - a ponto de saírem à rua para derrubá-Io. Na seqüência da revolta talvez surgisse a República. E era justamente a República que Sólon queria.

Se tudo tivesse dado errado, a idéia de Sólon de soltar o boato poderia ter-lhe valido o título de "o precipitado do ano". O risco era muito grande, pois, até a tarde de quinta-feira, a conspiração andava aos trancos. A sedição militar vinha se desenvolvendo desde o final de outubro, numa série de escaramuças entre oficiais e o gabinete ministerial presidido por Ouro Preto, 53 anos. Primeiro, o visconde imaginou que o oficial de guarda do Ministério da Fazenda, o tenente Pedro Carolino, estava dormindo em serviço e mandou prendê-Io. Depois, o ministro da Guerra demitiu, por desacato, o tenente-coronel João Nepomuceno de Medeiros Mallet do comando da Escola Militar do Ceará. O governo também suspendeu Benjamin Constant do cargo de professor da Escola Militar e puniu seus alunos por terem afrontado, em público e em manifesto, o ministro da Guerra. E, por fim, o 22º o Batalhão de Infantaria foi transferido para a Amazônia por ter participado das manifestações de solidariedade a Benjamin Constant.

O descontentamento na tropa crescia, mas não havia quem o congregasse. A idéia republicana grassava com maior vigor na recém-criada Escola Superior de Guerra, em São Cristóvão, e na Escola Militar, na Praia Vermelha, onde o republicano Benjamin Constant era admirado. Mas os cadetes das escolas não eram muito bem vistos pela tropa, nem Benjamin Constant tinha ascendência sobre ela. Era preciso um líder, um respeitado oficial de carreira na tropa que sintetizasse o protesto militar. Era preciso o marechal Manoel Deodoro da Fonseca, 62 anos, e a ele acorreram os oficiais revoltosos, tentando trazê-Io para a causa republicana.

No dia 4 de novembro, graças a um pedido de seu sobrinho, o tenente Clodoaldo da Fonseca, 29 anos, Deodoro recebeu em sua casa um grupo de oficiais. O marechal, que padecia de falta de ar devido à sua arteriosclerose, os atendeu na cama. Os militares lhe disseram que o Visconde de Ouro Preto pretendia reorganizar a Guarda Nacional - um corpo militar formado e armado por homens ricos no interior do país - e fortalecer a Polícia no Rio para contrapô-las ao Exército. "Só mesmo mudando a forma de governo", comentou Deodoro. Os jovens oficiais ficaram surpresos com o comentário do marechal, e o capitão Antônio Menna Barreto arriscou uma pergunta. "Podemos agir afoitamente no sentido de congraçarmos mais elementos?". Deodoro respondeu como quem dá uma bênção: "Podem". E lá se foram os afoitos, congraçar-se com os elementos civis da causa republicana, principalmente com o jornalista Quintino Bocaiúva, 52 anos, líder do Partido Republicano Brasileiro, e o advogado Aristides Lobo, 51. Ambos entraram em contato em São Paulo com o advogado campineiro Manuel Ferraz de Campos Sales, que colocou os republicanos paulistas a par da conspiração. Se entre os casacas se falava de República, entre os militares a conversa dominante era a de derrubar o governo de Ouro Preto, e não a monarquia. Na reunião no Clube Militar na noite de sábado, dia 9, na mesma hora em que a monarquia se deliciava no baile da Ilha Fiscal, em nenhum momento se colocou a necessidade de proclamar a República. Até Benjamin Constant não usou a palavra república. Só disse à platéia de cerca de 100 militares que, se em oito dias não conseguisse resgatar a honra castrense, iria para a rua quebrar a espada e derramar sangue.

De República se falou a sério com Deodoro na segunda-feira da semana passada, dia 11. Graças ao pedido de outro de seus sobrinhos militares, o capitão Hermes da Fonseca, 34 anos, o marechal concordou em receber Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo. A dupla chegou à casa de Deodoro no Campo de Santana às 7 horas da noite e lá encontraram o contra-almirante Eduardo Wandenkolk, 51 anos, o primeiro oficial da Marinha a aderir à conspirata. Benjamin foi claro: disse que era preciso proclamar a República e que só Deodoro tinha liderança o suficiente para fazê-lo. Quintino e Aristides bateram na mesma tecla: a de que o marechal precisava decidir-se, e já. Deodoro ouviu a todos em silêncio. "Eu queria acompanhar o caixão do imperador, que já está idoso e a quem respeito muito, mas o velho já não regula", disse o adoentado marechal de 62 anos a respeito do monarca de 63, para prosseguir com exaltação: "Se ele assim quer, que leve a breca a monarquia! Façamos a República".

Constant falou então de seu receio quanto à posição do poderoso marechal Floriano Peixoto, que ocupava o cargo de ajudante de general, o segundo posto na hierarquia do Ministério da Guerra. Deodoro os tranqüilizou, contando que uma vez Floriano lhe dissera que não se meteria em coisa alguma para derrubar ministérios, mas acrescentara, pegando num botão de sua farda: "Seu Manoel, a monarquia é inimiga disto. Se for para derrubá-Ia, estarei pronto". Floriano não estava muito "pronto" para derrubar a monarquia, conforme demonstrou no seu encontro com Deodoro, no dia seguinte, terça-feira. Foi uma conversa um tanto torta. Floriano supôs que Deodoro estivesse falando apenas de um golpe para derrubar o Visconde de Ouro Preto, e mesmo assim recomendou prudência. "Só te digo, Manoel, que nada deves fazer antes de ter procurado um entendimento com o governo." Como Deodoro insistisse, afirmando que mesmo contando apenas "com quatro gatos pingados colocaria a procissão na rua" , Floriano terminou a conversa meio que concordando, mas com ironia e usando o termo "casacas" para falar dos civis. "Enfim, se a coisa é contra os casacas, tenho lá em casa uma espingarda velha".

Posição ambígua, a do alagoano Floriano Peixoto, 50 anos. Ouviu de um marechal a pregação de um golpe militar, e teria duas alternativas: aderir ao golpe ou mandar prender Deodoro por conspiração. Achou, no entanto, uma terceira alternativa. Para Deodoro, insinuou que concordava com a sedição, mas não se comprometeu. Para Cândido de Oliveira - o ministro que assumira interinamente a Pasta da Guerra em razão da doença do titular, o visconde de Maracaju, e agora voltava para a da Justiça -, Floriano fez chegar uma carta na manhã de quinta-feira, dia 14. "A esta hora V. Exa. deve ter conhecimento de que tramam algo por aí além. Não dê importância, confio na lealdade dos chefes". Na mesma carta, Floriano agradece ao ministro favores prestados em seu protegido.

O 'tramam algo" de Floriano chegou a mesa do Visconde de Ouro Preto, que se alarmou e convocou uma reunião em seu gabinete no mesmo dia. "Estou perfeitamente seguro que a ordem pública não será alterada", garantiu-Ihe o ministro da Guerra, visconde de Maracaju. Ouro Preto foi direto ao centro da questão, querendo saber do envolvimento na trama do militar de maior prestígio no Exército. "Consta-lhe alguma coisa a respeito do marechal Deodoro?", perguntou. "Nada consta", respondeu o ministro da Guerra, "e suponho que não se envolverá em distúrbios, até porque se acha enfermo".

Nessa reunião, portanto, não se falou em prisão de Deodoro, mas o boato do major Sólon já começava a surtir efeito, ainda que alguns dos líderes da revolta não soubessem que a mudança histórica estava em marcha. Era o caso de Constant, que estivera com Deodoro e estava desolado ao cair da noite. Ao descer do bonde no Largo de São Francisco, encontrou por acaso Aristides Lobo e Francisco Glicério e Ihes deu péssimas notícias sobre o estado de saúde do marechal. "Creio que ele não amanhece, e se ele morrer a revolução está gorada", anunciou.

"Os senhores, civis, podem salvar-se, mas nós, militares, arrostaremos as conseqüências das nossas responsabilidades." Dito isso, Constant seguiu para o Clube Naval para uma reunião com o contra-almirante Wandenkolk e outros oficiais da Marinha. O boato da prisão de militares havia chegado aos ouvidos de Quintino Bocaiúva, que enviou um mensageiro ao Clube Naval para saber se Constant estava bem. Através do mensageiro, o tenente-coronel respondeu que sim, estava bem, mas que o levante estava adiado para o domingo, dia 17, em função do agravamento da doença de Deodoro. Quintino recebeu a resposta de Benjamin, assustou-se com a perspectiva de adiamento e procurou o major Sólon. De comum acordo os dois decidiram que, apesar da prostração de Deodoro e do bilhete de Constant, era tudo ou nada: mantiveram a data da insurreição para o dia seguinte.

A partir daí, a movimentação politicomilitar se subdividiu em três cenários, espalhados pelo Rio de Janeiro. Num estavam as tropas rebeladas, em São Cristóvão, nos quartéis e na Escola Militar. Noutro ponto estava o marechal Deodoro, que abandonou a casa de seu irmão em Andaraí, no número 4 da Rua Barão de Mesquita, onde havia passado o dia tentando se recuperar de seus problemas cardíacos, e retomou ao seu sobrado no Campo de Santana. E no terceiro situava-se o Visconde de Ouro Preto, também em sua casa, nas cercanias da estação de trem São Francisco Xavier, onde recebeu as primeiras notícias sobre a sublevação.

Pouco antes da meia-noite, o visconde recebeu um telefonema do chefe de Polícia, conselheiro José Basson de Miranda Osório, informando que o 1º Regimento de Cavalaria estava em armas. Ouro Preto não esperou que lhe mandassem condução: seguiu a pé pela Rua de São Francisco Xavier, acompanhado pelo coronel Gentil José de Castro, que estava hospedado em sua casa, na esperança de tomar um tílburi. Nas proximidades da Ponte do Maracanã, Ouro Preto encontrou com o carro de Polícia que ia buscá-Io em casa. Subiu nele, deu uma passada pelo Quartel de Cavalaria Policial - onde só se encontravam quarenta praças e dois oficiais - e seguiu para a Secretaria de Polícia.

O chefe de governo sentiu na Secretaria de Polícia que a resistência ao golpe não havia começado com a energia que ele considerava necessária para o caso. O responsável pelo início tímido da resistência foi o ajudante-general Floriano Peixoto, inaugurando um comportamento que iria se repetir em todas as suas atitudes ao longo do dia. Floriano soubera da sublevação de toda a 1ª Brigada através do capitão Godolfim, que lhe falara em nome do tenente-coronel João Batista da Silva Teles. Ouro Preto perguntou a Floriano por que não prendera imediatamente o capitão Manoel Joaquim Godolfim, já que ele se apresentara em nome de uma força que se armara sem ordem superior. "Respondeu-me que não o prendera para ganhar tempo e poder se acautelar", diz o ex-presidente do Conselho de Ministros. No raciocínio de Floriano, se o capitão Godolfim não voltasse ao quartel, os revoltosos logo saberiam que havia sido preso e atacariam o governo militarmente antes que a reação pudesse ser concatenada. No terreno político, Ouro Preto convocou uma reunião ministerial no Arsenal da Marinha e para lá se dirigiu, enquanto Floriano foi para o Quartel General no Campo de Santana.

No arsenal, o visconde levou quinze minutos para acordar o porteiro, fazer chamar o inspetor e conseguir que o responsável peta guarnição se apresentasse à sua frente. Já no Quartel-General, Floriano recebeu o tenente-coronel Silva Teles, comandante interino da 2ª Brigada, amotinada, e não lhe deu qualquer ordem, quanto mais a de prendê-Io - limitou-se a recomendar-lhe prudência e disse que gostaria de falar com Deodoro e Benjamin Constant. No aguardo da chegada de seus colegas de ministério, Ouro Preto enviou um telegrama para D. Pedro II, no seu palácio, em Petrópolis, relatando a sublevação. O imperador recebeu o telegrama na manhã de sexta, dia 15, mas não fez nada com ele. D. Pedro II continuou seu cotidiano como se nada tivesse ocorrido. Chegou então ao arsenal da Marinha o ministro da Guerra, o visconde de Maracaju, que sugeriu que se transferissem todos para o Quartel-General, a começar por Ouro Preto. Ouro Preto aceitou a sugestão e, por volta das 7 horas da manhã, chegou ao Quartel-General - encalacrou-se na ratoeira na qual seria cercado e derrubado.

No ínterim, os oficiais da 2ª Brigada ouviram Silva Teles relatar como tinha sido o seu encontro com Floriano Peixoto e acharam melhor avisar Benjamin Constant, que até aquela hora, plena madrugada de sexta-feira, pensava que o levante só aconteceria no domingo. Constant, que é o diretor do Instituto dos Meninos Cegos, também no Campo de Santana, e lá mora com a família, estava dormindo placidamente. Acordado, animou-se logo. "Preparemo-nos para vencer ou morrer", disse o tenente-coronel aos oficiais. "Guardemos o último cartucho para saltar nossos miolos caso sejamos infelizes na luta contra o governo infame." Previdente, Maria Joaquina, mulher de Constant, deu-lhe um sobretudo civil para que escondesse a farda, embrulhou seu quepe num jornal e recomendou ao marido que, caso fosse parado pela polícia, dissesse que era um médico indo visitar um paciente. Constant enviou seu cunhado, o tenente Bittencourt Costa, à casa de Deodoro, no outro lado do Campo, e seu irmão, o major Marciano Botelho de Magalhães, para sublevar seus alunos na Escola Militar da Praia Vermelha.

Deodoro, a princípio, não quis acreditar no recado recebido no meio da madrugada. "É mentira! Isso não passa de uma cilada do governo!", gritou. Quando lhe falaram que era o próprio Constant quem mandava o recado, mudou de atitude. "Ah, foi ele'? Nesse caso é verdade", disse. Levantou-se com dificuldade, fardou-se, colocou um revólver no bolso e os arreios de sua montaria num saco de lona. Não levou a espada por não poder suportar-lhe o peso sobre o ventre. Antes de sair teve de enfrentar a oposição doméstica, materializada nos pedidos de sua mulher, Mariana, de 63 anos. "Receando seriamente um grave acidente na enfermidade do marido, ela procurou impedir por todos os meios que Deodoro saísse de casa" , conta o doutor Carlos Gross, médico do marechal. Deodoro embarcou num carro e ordenou que o cocheiro seguisse para São Cristóvão.

Constant chegou antes de Deodoro a São Cristóvão e dirigiu-se primeiro para a Escola Superior de Guerra, nas vizinhanças dos quartéis que abrigavam a 2ª Brigada. Todos os sessenta cadetes da escola estavam em armas - portando revólveres, carabinas e espadas - à espera das ordens de Constant. Os três regimentos da 2ª Brigada também já se encontravam em pé de guerra. Foi dado o toque de reunir e as colunas se organizaram. A frente marchava o 1º Regimento de Cavalaria, com lanceiros e carabineiros, comandado pelo tenente-coronel João Batista da Silva Teles. Depois, desfilavam dois pelotões da Escola Superior de Guerra, liderados pelo tenente reformado Pedro Paulino da Fonseca, irmão de Deodoro. Em seguida saiu o 2º Regimento de Artilharia, com dezesseis "bocas de fogo" (canhões), comandado pelo major João Carlos Lobo Botelho. Nesse regimento marchou o funcionário público Antônio Rodrigues de Campos Sobrinho, que pediu para participar do movimento e foi alocado ali. Campos Sobrinho foi o único civil a partir com os revoltosos, fazendo o papel de "povo em armas" .

Fechando o cortejo marchava o 9º Regimento de Cavalaria, comandado pelo major Sólon. Marchava a pé a cavalaria, devido à falta de cavalos, e levava atrás uma carroça com munições. Esse regimento levava caraabinas Winchester, arma nova no Exército, que ninguém em São Cristóvão sabia usar direito. As forças do Exército sublevadas em São Cristóvão reuniam cerca de 450 praças e cinqüenta oficiais. Somados os sessenta alunos da Escola Superior de Guerra, o contingente reunia algo em tomo de 600 homens. Era um contingente problemático na base e no topo. Na base porque a tropa, além de estar mal armada, não foi plenamente informada pelos líderes de que estava saindo à rua para derrubar a monarquia. No topo, também havia problemas porque só marchavam oficiais de média patente. E também porque, entre os comandantes, contavam-se alguns monarquistas em posições estratégicas. Era o caso do tenente-coronel Silva Teles, que comandava interinamente toda a 2ª Brigada, substituindo o general Almeida Barreto, e de Lobo Botelho. O major Botelho ficou tão incomodado ao chegar no Campo de Santana que, pretextando estar doente, retirou-se para sua casa. Mesmo assim, partiram os revoltosos. Não levavam bandas nem fanfarras, pois as tropas eram poucas e os músicos se incorporaram a elas.

Constatando que com aquele contingente, aquele armamento e aqueles oficiais os revoltosos não iriam muito longe, Constant enviou o tenente Lauro MüIler para saber o que era feito de Deodoro, que ele presumia doente. MülIer chegou à casa do marechal no Campo de Santana, mas ele já havia saído para São Cristóvão. O marechal topou com a coluna sublevada na altura do Gasômetro do Mangue. Foi ovacionado por oficiais e soldados e continuou a acompanhá-los de dentro de seu carro. Nas imediações da Praça 11 de Junho, Deodoro enviou o capitão Godolfim e oito soldados para fazer o reconhecimento no Campo de Santana. Goldofim retomou em minutos com notícias dúbias. Havia forças da Polícia e da Marinha fora do Quartel-General no Campo de Santana, e do Exército e dos Bombeiros dentro dele. Mas as tropas da ordem, apesar de em maior número e mais bem aparelhadas, estavam em posição de descanso.

Deodoro ordenou que o cortejo continuasse avançando e, com extrema dificuldade, abandonou o carro e montou num cavalo. Mais alguns minutos e a coluna sublevada chegou à saída da Rua Visconde de ltaúna, que desemboca no Campo de Santana. Estavam ali forças da Polícia e da Marinha para dar combate aos revoltosos. Houve momentos de hesitação nas fileiras da ordem, que Deodoro aproveitou com habilidade de autoridade. "Então, não me prestam continência?", perguntou o marechal, severo, a marinheiros e policiais. Em resposta, todos apresentaram-lhe armas. A revolta republicana ganhava na primeira refrega, sem disparar um tiro, e o govemo perdia uma partida decisiva Havia, no entanto, muito o que fazer para a sedição triunfar: dentro do Quartel-General havia cerca de 2.000 soldados

Mas as coisas dentro do Quartel-General iam pessimamente para o Visconde de Ouro Preto. "Quem contemplasse aquela força suporia que ali se achava para uma simples parada ou acompanhamento de procissão", diz o ex-ministro. O barão de Ladário, ministro da Guerra, esclarecia a seu chefe que nenhuma força fora enviada para atacar os revoltosos fora do Quartel porque elas não eram muito confiáveis. Não eram realmente confiáveis, tanto que Deodoro já se havia apossado de uma delas e o 10º de Infantaria, enviado para impedir a passagem dos cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, simplesmente não retomara. Havia, de fato, aderido à revolta.

Ouro Preto notou, de dentro do QG, o capitão Godolfim circulando com seus oito soldados pelo Campo de Santana, sem que ninguém se aproximasse deles. Achou aquilo um absurdo. Falou com Floriano e não aconteceu nada. Por fim, ordenou ao general Almeida Barreto, o comandante titular da 2ª Brigada, que estava lá fora sublevada, que fosse capturar o destacamento avançado. "Estou certo de que cumprirá o seu dever", disse o visconde ao general. "Seguramente hei de cumprir o meu dever", respondeu Almeida Barreto, mas adotando, como lembra Ouro Preto, uma "expressão singular". Singularíssima mesmo, até porque Almeida Barreto havia se comprometido dias antes a formar junto com os revoltosos, mas na hora agá marchou para o QG e se alinhou com as forças de Ouro Preto. Mais singular ainda, porque o general circulou pelo Campo da Aclamação fingindo que ia atacar os sublevados, mas na prática não fez nada. E singular, ainda, porque fingiu que colocava suas tropas sob as ordens de Deodoro, mas relutava em cumpri-las. Em determinando momento, vendo como Almeida Barreto zanzava sem definir-se, o marechal usou um retumbante palavrão para xingá-Io.

Quem mais chamava a atenção de Ouro Preto dentro do Quartel-General era Floriano Peixoto. "Impressionou-me a funda tristeza que se estampava na fisionomia dos oficiais, quer superiores, quer subalternos", lembra o ex-ministro. Já Floriano "conservava a serenidade que lhe é habitual". Floriano andava dum lado para o outro, falava com vários oficiais, mas sempre que Ouro Preto chegava perto mudava de assunto ou baixava a voz. Ficou o QG nessa lengalenga, nesse jogo de cartas marcadas, até que, por volta das 8 horas da manhã, as tropas de Deodoro se puseram à frente dos seus portões. O marechal enviou o tenente-coronel Silva Teles para conferenciar. Deixaram que ele entrasse - mas a pé e sozinho. Silva Teles, que estava longe de ser republicano, disse a Floriano que Deodoro queria conversar com ele. Ouro Preto estrilou na hora: "Conferência! Pois o marechal Deodoro, não tendo recebido do governo nenhum comando militar, aqui se apresenta à frente de força armada, em atitude hostil, e pretende conferenciar?" O visconde viu Floriano montar a cavalo, sair com seu estado-maior e em seguida ouviu tiros. "Julguei que ia começar o desagravo da lei", diz.

Julgou errado. Lá fora, retomando num carro cupê ministerial do arsenal da Marinha, surgiu o barão de Ladário. "É o Ladário!", exclamou Deodoro, ordenando a prisão do ministro da Marinha. Ladário puxou da pistola e atirou, segundo conta, para acertar em Deodoro. Errou. Apertou o gatilho de novo, mas os tenentes Müller e Adolfo Pena também atiraram. "Não matem esse homem", gritou Deodoro. O barão de Ladário tombou, parece que com dois tiros (um deles com certeza pegou na região glútea), levou uma coronhada e se arrastou até uma loja, cujo dono lhe fechou as portas. O ministro da Marinha foi socorrido nas imediações e em seguida colocado num bonde, que o levou até o Cosme Velho, onde mora. O barão está fora de perigo e se recupera bem.

No interior do Quartel-General, Ouro Preto arriscava sua última cartada, apelando para os brios de Floriano. O ministro queria que os canhões, as bocas-de-fogo de Deodoro fossem tomados à força de baionetas. "No Paraguai, os nossos soldados apoderaram-se da artilharia em piores condições" , disse Ouro Preto a Floriano. "Sim, mas as bocas no Paraguai eram inimigas, e aquelas que Vossa Excelência está vendo são brasileiras, e eu sou, antes tudo, um soldado da nação." O chefe do governo constatou, então, que não havia o que fazer.

Faltava que os revoltosos entrassem no Quartel-General, e quem os ajudou, segundo uma versão do episódio, foi o capitão Pedro Paulo Fonseca Galvão, outro dos incontáveis sobrinhos de Deodoro, que se encontrava dentro do QG. Consta que, apesar dos desmentidos dos amigos do marechal, ao entrar no Quartel-General. Deodoro gritou: "Viva sua majestade o imperador!". Um obscuro alferes que estava ao seu lado, o mato-grossense Cândido Rondon, 24 anos, garante que ouviu o "viva". Deodoro, em seguida, conversou amistosamente com Floriano Peixoto e foi convidado por ele a subir ao 1º andar, onde estava Ouro Preto.

Ao entrar na sala, Deodoro cumprimentou primeiro seu primo, o ministro da Guerra, Visconde de Maracaju. Em meio ao maior silêncio, o marechal fez um discurso intempestivo. "Vossa Excelência e seus colegas estão demitidos por haver perseguido o Exército", disse a Ouro Preto. "Os senhores não têm nem nunca tiveram patriotismo. Patriotismo tem tido o Exército, e disso deu provas exuberantes durante a campanha do Paraguai." O marechal lembrou ainda os três dias e noites que passou no meio de um lodaçal durante a guerra, "sacrifício que Vossa Excelência não pode avaliar". Impassível, o Visconde de Ouro Preto ouviu tudo sem interromper. Depois, disse a Deodoro: "A vida política, senhor general, tem também os seus dissabores. E a prova disso tenho agora, em que sou obrigado a ouví-Io" .

O marechal demitiu o ministério e afirmou que Ouro Preto e Cândido de Oliveira, ministro da Justiça, ficariam presos até serem deportados para a Europa. "Quanto ao imperador", concluiu, "tem a minha dedicação, sou seu amigo, devo-lhe favores: seus direitos serão respeitados e garantidos." Disse também que encaminharia uma lista de nomes do novo ministério a D. Pedro II. De República, nada falou. Floriano Peixoto intercedeu junto ao marechal pedindo que os dois ministros depostos não fossem presos. Deodoro concordou. Encerrada a conversa, Deodoro desceu para confraternizar com as tropas no Campo de Santana. Floriano esperou os soldados se retirarem da praça, tomou um bonde e foi para casa.

No Campo de Santana havia uma multidão considerável. O 10º de Infantaria, que havia sido enviado para barrar os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha, chegava à praça junto com os alunos, festejando o fato consumado. Chegaram, também, os líderes civis republicanos, como Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo, e um monte de curiosos, atraídos pela movimentação militar. Ao montar no cavalo, Deodoro recebeu aclamações delirantes, aplausos e vivas. O capitão Antônio Adolfo Menna Barreto deu tantos "vivas" que acabou tendo um piripaque e desmaiou. Sabe-se, no caso, que Menna Barreto dava vivas à República, mas várias testemunhas da cena afirmam que em nenhum momento o líder máximo da revolta triunfante, Deodoro da Fonseca, proclamou a República. O tenente Sebastião Bandeira notou que aqueles eram o local e o momento apropriados para se proclamar a República e disse isso a Benjamin Constant. Constant, então, sussurrou algo no ouvido de Deodoro e tranqüilizou o tenente Bandeira. "Descanse, a nossa causa triunfou", disse. Um oficial, em seguida, deu um outro viva à República. "Deixe ao povo essa manifestação", repreendeu Deodoro.

Constatando que a derrubada da monarquia estava malparada, o major Sólon teria dito a Deodoro que só embainharia a espada se ele proclamasse a República. Os deodooristas mais fanáticos garantem que o marechal deu um viva à República nesse momento. Mas só eles dizem isso. Deodoro tomou a dianteira das tropas e liderou o cortejo pelo centro da cidade. Seu objetivo era ir até o arsenal da Marinha, para se certificar se aquela arma recebera bem a notícia da deposição de Ouro Preto. Bocaiúva arrumou um cavalo e destilou junto do marechal e de Benjamin Constant. Aristides Lobo seguiu a pé. "Os cariocas olhavam uns para os outros pasmados, interrogando-se com os olhos sem dizer palavra", diz o dramaturgo Arthur Azevedo, que viu o cortejo militar. Na Rua 1º de Março a passeata desfilou em silêncio, conta Azevedo, com Deodoro tentando manter-se ereto na sela e apresentando sintomas de recrudescimento de sua doença cardíaca.

No arsenal da Marinha, Deodoro constatou que tudo estava bem. Deu ordem para que os regimentos sublevados voltassem a seus quartéis e seguiu para sua casa, onde se meteu na cama. Como não havia nada para fazer, os populares que acompanhavam o cortejo se aproximaram do republicano José Lopes da Silva Trovão, 42 anos, civil como eles, e pediram-lhe que pagasse uma rodada de bebida numa taverna das imediações para comemorar os eventos da manhã. Com 11 000 reis no bolso, Lopes Trovão topou. Só que a conta ficou em 40 000 reis e o taverneiro teve de arcar com o prejuízo.

No início da tarde, portanto, o movimento era vitorioso. O Exército, sob o comando de Deodoro, havia "lavado" sua honra, restituído o brio ganho na Guerra do Paraguai - a mais longa e sangrenta da América Latina e fonte de um endividamento de 45 milhões de libras esterlinas do Império junto ao Banco Rothschild. Ao mesmo tempo, o movimento estava derrotado, já que as instituições monárquicas estavam de pé e D. Pedro ll, retornando de Petrópolis, chegava à Estação de São Francisco Xavier e se dirigia para seu palácio no paço da cidade. Às 3 horas da tarde, ao perambular pela cidade e constatar que pouquíssimas pessoas falavam de República, Constant percebeu o quanto a situação era esdrúxula. O tenente-coronel encontrou com o jornalista republicano Arubal Falcão, 30 anos, com um grupo de amigos na Rua do Ouvidor, em frente à redação de Cidade do Rio e tomou providências. "Agitem o povo que a República não está proclamada", disse-Ihes.

Falcão não perdeu tempo. Juntou-se primeiro aos republicanos Pardal Mallet e Silva Jardim - um temperamento vulcânico de quem os próprios líderes republicanos haviam escondido a conspiração, por considerá-Io demasiado radical. A trinca precisava de um local para fazer a agitação e procurou um vereador para ver se era possível usar a Câmara Municipal. Estranhamente, procuraram o monarquista negro José do Patrocínio, 36 anos, detestado pelos republicanos devido às suas conhecidas ligações com a Guarda Negra. Estranhamente, Patrocínio havia aderido à República naquele dia e, na condição de vereador mais moço (conforme a lei exige), convocou uma sessão da Câmara.

Os republicanos arregimentaram algumas pessoas que passavam e se dirigiram para a Câmara, que também fica no Campo de Santana. Lá, referendaram uma confusa moção que Aníbal Falcão havia escrito às pressas na redação de Cidade do Rio. "O povo, reunido em massa na Câmara Municipal, fez proclamar, na forma da lei ainda vigente, pelo vereador mais moço, após a revolução que aboliu a monarquia no Brasil, o governo republicano", diz o documento. Logo a seguir, a moção solicitava uma proclamação para valer a quem de fato detinha o poder. "Convencidos de que os representantes das classes militares, que virtualmente exercem as funções de govemo no Brasil, sancionarão este ato, esperam os abaixo-assinados a pronta e imediata proclamação da República. Os "abaixo-assinados" se intitulavam "os órgãos espontâneos da população do Rio de Janeiro"' e "o povo reunido em massa" contava umas 100 pessoas.

De posse desse papel, uma parte dos manifestantes atravessou o Campo de Santana às 6 horas da tarde e postou-se na frente da casa de Deodoro. O Marechal, com falta de ar e os pés inchados, continuou na cama, mas Constant apareceu na sacada do primeiro andar do sobrado. De baixo, Patrocínio berrou o que havia se passado na Câmara. De cima, Constant hesitou, respondendo que um governo provisório convocaria uma Assembléia Constituinte para que a nação pudesse "deliberar definitivamente acerca de uma forma de governo".

A hesitação de Constant se devia a motivos diferentes dos de Floriano. Positivista de longa data, Constant era um pacifista, e talvez quisesse que o Exército não tivesse um papel tão preponderante na instituição da República no Brasil, preferindo que uma Constituinte proclamasse o novo regime. A proclamação, no entanto, se impôs logo a seguir, devido às trapalhadas perpetradas pelo Visconde de Ouro Preto e por D. Pedro II. Instalado no palácio do Rio de Janeiro o imperador mandou chamar Ouro Preto, aceitou sua renúncia com dificuldade e concordou também com o nome que o visconde lhe indicou para sucedê-Io no cargo: o senador Gaspar Silveira Martins, 55 anos.

Havia duas dificuldades para viabilizar nome de Silveira Martins como novo presidente do Conselho de Ministros. Primeiro, o senador gaúcho estava em viagem de sua província para o Rio de Janeiro, onde deveria chegar somente no domingo. Era muito difícil que a situação política permanecesse a mesma no Rio durante dois dias. A segunda dificuldade, esta realmente intransponível, era fazer Deodoro aceitar um ministério presidido por Silveira Martins. Ambos eram inimigos desde o tempo em que o marechal serviu no Rio Grande do Sul, quando disputaram as graças da baronesa do Triunfo. Desde então, Silveira Martins não perdia oportunidade para espicaçar Deodoro da tribuna do Senado, dizendo que ele era um indisciplinado, insinuando que malversava fundos e até contestando sua eficácia enquanto militar. "Quanto habilitações do marechal em negócios, sua profissão", disse certa vez o senador, provocando riso entre seus colegas parlamentares, "recordo que, quando comandante de uma divisão de observação, dividira-a em duas brigadas, confiando o comando, uma a um paralítico e o da outra a um octagenário, que caiu do cavalo parado."

Somente ao saber, já de noite, através de Benjamin Constant, que o imperador havia nomeado Silveira Martins para chefia do ministério, Deodoro teria se resolvido a aceitar a instauração do regime republicano. Também se tentou que Deodoro fosse ter um encontro pessoal com D. Pedro II, mas o marechal recusou com essas palavras: "Se eu for, o velho chora, eu choro também, e está tudo perdido". Mais tarde. D. Pedro II foi convencido a mudar de posição e indicou nome do conselheiro José Antônio Saraiva, 66 anos, para o lugar de Silveira Martins. Saraiva enviou o capitão Roberto Trompowsky a Deodoro para saber se marechal aceitava que ele organizasse ministério. "É tarde, a República já está feita e o novo governo constituído", disse Deodoro a Trompowsky, depois de ler carta do conselheiro Saraiva. "Os principais culpados de tudo isso são o conde D’Eu e o Visconde de Ouro Preto: o último por perseguir o Exército e o primeiro por consentir nessa perseguição".

Ouro Preto, deduz-se, ainda poderia ser substituído, mas o conde D’Eu, casado com a princesa Isabel, era intolerável por um longo período. O conde tem fama de arrogante porque ouve mal e, portanto, responde coisas diferentes das que lhe são perguntadas, fala com sotaque francês e é dono de cortiços no Rio, pelos quais cobra aluguéis exorbitantes de gente pobre. Temia-se que, com a subida de Isabel ao trono, ele viesse a ser o governante de fato do Brasil.

Com a concordância de Deodoro em se instituir a República, Bocaiúva, Aristides Lobo, o campineiro Francisco Glicério reuniram-se com Benjamin Constant no Instituto dos Meninos Cegos que acabou com a monarquia, lembrar em to jocoso o ditado popular "Em terra de cego, quem tem um olho é rei". Houve uma certa disputa em torno dos nomes, mas no final concordou-se que Deodoro chefiaria o governo, Bocaiúva ficaria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros ( que foi rebatizado de Ministério das Relações Exteriores), o gaúcho Demérito Ribeiro com o da Agricultura, Constant com o da Guerra, Wandenwolk com o da Marinha, Rui Barbosa com o da Fazenda e Campos Sales – que só veio a conhecer Deodoro no dia 18 – com o da Justiça, para agradar aos paulistas. O primeiro artigo do decreto inaugural do governo afirma: "Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da nação brasileira a República Federativa". O "provisoriamente" talvez tenha sido colocado por sugestão de Constant, ainda na esperança de que a Constituinte reconhecesse o fato consumado republicano.

Terminada a redação, Constant perguntou, com a papelada na mão: "Quem leva isto ao velho?" O "velho", para os republicanos, é Deodoro da Fonseca. O tenente Jaime Benévolo levou os papéis para Deodoro em sua casa ali do lado, número 99 do Campo de Santana. O marechal só pestanejou na hora de assinar a nomeação de Demérito Ribeiro. "Este quem é?", perguntou. Foi lhe explicado que era um republicano gaúcho. Deodoro disse que havia morado no Sul, mas não lembrava de nenhum republicano com esse nome. Mesmo assim, disse: "Vá lá" e assinou a nomeação. No dia seguinte, sábado, o governo ordenou a D. Pedro II que saísse do país, e coube ao boateiro major Sólon levar a comunicação. O major se embaralhou todo na hora, chamando o imperador de "Excelência, Alteza e Majestade" e até pediu permissão para retirar-se. Estava encerrados os quase cinqüenta anos de reinado do imperador.

No próprio dia 15, Aristídes Lobo escreveu um artigo para o Diário Popular, que só publicou na segunda-feira, dia 18, a respeito de proclamação da República. "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava. Muitos acreditavam estar vendo uma parada", diz o ministro do Interior em seu artigo, com uma sinceridade e uma capacidade de síntese notáveis. A população carioca realmente contemplou tudo aquilo bestificada. Mas, em outro canto do artigo, Aristides Lobo projeta os fatos de sexta-feira passada para o futuro. "O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era", escreve, e completa depois: "Estamos em presença de um esboço rude, incompleto, completamente amorfo. Não é tudo, mas é muito". O Brasil apenas adentrou na era republicana, que pode trazer grandes benefícios para o país em matéria de desenvolvimento e liberdade. O que se fez na sexta-feira passada foi subir um degrau marcante para se entrar na grande era.

Quem são os ministros mais fortes no governo provisório da República

Campos Sales, 48 anos: advogado de Campinas, filho de uma família de fazendeiros e republicano histórico, já foi deputado. É o representante de São Paulo no governo provisório. Só veio a conhecer o marechal Deodoro da Fonseca pessoalmente na noite de segunda-feira, dia 18.

Aristides Lobo, 51 anos: paraibano de Mamanguape, é formado em Direito. Integrava a ala radical dos republicanos até o congresso do partido, em maio, quando apoiou os moderados de Bocaiuva. Acha que os cariocas confundiram a proclamação com uma parada militar.

Benjamin Constant, 53 anos: tenente-coronel e professor, ensinou matemática aos netos do imperador, mas não agüentou a malcriação dos meninos e se demitiu. Líder dos cadetes nas escolas militares, é positivista convicto. "Ordem e Progresso" é o seu lema.

Quintino Bocaiuva, 52 anos: jornalista, fundador e dirigente do Partido Republicano Brasileiro. Nasceu com o sobrenome Sousa, mas adotou o Bocaiuva, do tupi, para afirmar-se como nacionalista. Foi quem fez a ligação entre civis e militares na conspiração republicana.

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