domingo, 4 de junho de 2017

Pioneiros da ciência médica no Brasil: onde tudo começou

A história da medicina no Brasil e, em particular na Bahia, em seus primórdios, se assemelha ao testamento de idealistas à procura da saúde perfeita. Vítima dos parcos conhecimentos de então ela foi, em grande parte, feita da substituição da ignorância por mentiras.  Até 1808, quando o príncipe regente D. João VI institucionalizou o ensino médico no país, a população tinha de se submeter ao sofrimento  causado por inúmeras doenças tropicais e ao tratamento empírico que vagava errante por becos sem saída. Neste trabalho, apresentaremos a trajetória de dedicados indivíduos que, muitas vezes pelo esforço pessoal, ajudaram a fazer avançar a prática da ciência médica em nosso país.

A incipiente ciência daquele período sustentava que o clima quente e o ar temperado pelas brumas do mar tivessem qualidade terapêutica. Este, ao menos, foi o diagnóstico empírico transmitido em sua famosa carta por Pero Vaz de Caminha, o escrivão da Armada de Pedro Álvares Cabral. Segundo ele, poucos adoeciam no Novo Mundo e, caso ficassem doentes, logo se curavam.  A constatação repercutiu na Europa, atraindo para cá padres jesuítas doentes que se rasgavam em elogios para a fartura de animais, principalmente os peixes, que podiam ser ingeridos sem produzirem ”sarna”.

Mas o paraíso imune aos mais diversos males que afligiam o homem europeu não durou muito e germes de incontáveis doenças desembarcaram junto com os colonizadores e as febres começaram a se tornar frequentes.  Na falta do conhecimento científico necessário para explicar o desconhecido, a lua e os astros foram apontados como os causadores das doenças.

Os rigores climáticos de locais como Salvador e o  Rio de Janeiro,  onde o calor abafado  era tido como o causador da insalubridade,  já que eram comuns as “insolações”,  picadas de insetos, emanações miasmáticas dos pântanos e das beiras dos rios, e epidemias importadas. Da mesma forma, as águas da baía de Guanabara, envenenadas pelos baiacus, eram consideradas impróprias para o banho.

A visão romantizada de Caminha ganha novas interpretações, pois o clima tropical passou a ser apontado como insuportável para os europeus migrantes e as doenças típicas dessas temperaturas, as chamadas “doenças tropicais”, representavam séria ameaça à vida.  Os alimentos regionais passam a ser vistos como indigestos e causadores de inúmeros males, alguns fatais como, por exemplo, a hidropsia.

Aclimatar-se aos rigores do sol representava um grande sofrimento ao europeu. Os padres jesuítas, por exemplo, que aqui aportavam eram tratados profilaticamente com sangrias, banhos periódicos, dieta vegetariana para reduzir a força do sangue, e purgativos no início de cada estação. O processo de adaptação ao clima tropical era obrigatório e exigia uma dieta rigorosa que incluía a proibição de se ingerir carne seca, bebidas alcoólicas e os excessos sexuais estimulados pelo clima.

Ainda sem uma tradição local na pesquisa e ensino da medicina, médicos portugueses, baseados em um conhecimento ainda frágil, dividiram o Brasil, de imensa extensão territorial,  de acordo com suas características climáticas em três zonas tropicais e uma extratropical de forma a pontuar melhor as doenças mais incidentes em cada uma.  A primeira zona tropical incluía a bacia do rio Amazonas e seus afluentes, onde eram comuns exantemas febris, disenterias, hidropsias, engorgitamento do fígado e hepatites crônicas.

A segunda zona tropical incluía a região Nordeste, tida como ideal para a recuperação de tuberculosos pelo seu clima,  mas onde ocorriam doenças perigosas como febres, diarreias, doenças reumáticas e catarrais e inflamações dos olhos. Na terceira zona tropical, englobando Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e litoral de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, predominavam o reumatismo, as doenças do fígado, erisipelas e a sarna. Na região extratropical, que incluía o interior de São Paulo e o Rio Grande do Sul, o reumatismo infamatório era predominante.

Somente a partir de 1808, a formação de médicos e a pesquisa de doenças deixaram de ser feita em Portugal ganhando contornos nitidamente brasileiros. Dentre as consequências da presença do príncipe regente dom João em Salvador, a mais importante, na opinião unânime dos historiadores, foi à abertura dos portos brasileiros a todas as nações amigas, tornando a capital da Bahia no mais importante porto atlântico da América Latina. No entanto, em termos educacionais, nada se igualou à criação do primeiro curso superior no Brasil, através da Escola de Cirurgia, que se tornou a Faculdade Medicina da Bahia.

Aqueles atos oficiais de enorme repercussão econômica, política e cultural para a nação, aconteceram na capital baiana, então com 40 mil habitantes, no prédio da atual Câmara Municipal.

A abertura dos portos e, consequentemente, do tráfego marítimo há mais de 200 anos, resultou em progresso sem precedentes do intercâmbio não apenas de mercadorias, mas do que então eram as inovações científicas e tecnológicas, inclusive na área médica. Este surto de progresso técnico científico na arte de curar tem sua coroação com a transformação do Real Hospital Militar e a importante participação da Casa da Santa Misericórdia na Faculdade de Medicina da Bahia.

LINK ORIGINAL - CIÊNCIA E CULTURA: https://goo.gl/1HPHGF

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