sábado, 2 de setembro de 2017

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[Publicamos o “Manifesto de 1992”, escrito no Dia da Pátria daquele ano, 7 de setembro, em São Paulo, por S.A.I.R. o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil. Transcrevemos o referido documento a partir da cópia publicada no livro “Parlamentarismo, sim! Mas à brasileira: com Monarca e Poder Moderador eficaz e paternal”, de autoria do Prof. Armando Alexandre dos Santos.]

EM MEIO À TORMENTA POLÍTICA, RESTAURAÇÃO DA FÉ E DA MORAL, SOLUÇÃO DE FUNDO PARA OS PROBLEMAS BRASILEIROS

Na atual crise por que passa nossa Pátria, as esperanças de um número crescente de brasileiros se voltam para a causa monárquica, persuadidos de que é nela que podem encontrar, na ordem do pensamento como no da ação, os rumos a seguir.

1. O País torna patente assim seu alto grau de vitalidade, pois um povo que, em meio à crise que o sacode, sabe voltar os olhos para seu passado, a fim de nele encontrar a inspiração para o futuro, revela “ipso facto” uma nobre perseverança no empenho de encontrar em si mesmo, e não em fontes alienígenas, as soluções adequadas a seus múltiplos problemas.

Desse desejo de uma volta à raízes, dá testemunho um conhecido matutino, particularmente insuspeito, já que se ufana de ser sido dos primeiros pregoeiros da República no Brasil. Constata ele: “A maioria das 800 pessoas entrevistas durante o trabalho de pesquisa da Standard, Ogilvy & Malher demonstram desejo de retorno aos velhos tempos. Tão antigos que chegaram a vibrar com a monarquia” (“O Estado de S. Paulo”, 30-8-92).

Um país em condições como são presentemente as nossas, que não procura a solução de seus problemas em medidas carentes de originalidade, superficiais e simplesmente mimetistas do que acontece fora de suas fronteiras, e pelo contrário, as procura em suas próprias raízes: esse País revela uma apetência fecunda de sua própria identidade. E é impossível não ver nisto a expressão de uma pujante vitalidade.

2. Cabe-me, como Chefe da Casa Imperial, ir pressurosamente ao encontro dessa alta inspiração, ufano de presenciar a trajetória de nosso País rumo a essa significativa tradição, na qual um número crescente de meus compatriotas não vê apenas a evocação enlevada de um áureo passado, mas o receptáculo rico em inspirações de largo e glorioso futuro.

3. Assim, fiel depositário, por sucessão dinástica, desses valores tradicionais provenientes de meus maiores, começo por exprimir o anelo de que as soluções para nosso País se encontrem evitem, em toda a medida do possível, as malquerenças, as divisões, os entrechoques de brasileiros, uns com os outros.

Por ocasião da Independência, a permanência do regime monárquico no Brasil se deveu, em larga medida, ao sábio empenho de nossos primeiros estadistas, em conservar a unidade nacional. Essa preciosa unidade resultou do mútuo afeto dos brasileiros, propensos a ver no Brasil nascente uma imensa família de Províncias – e depois de Estados – mais do que um mero conglomerado anorgânico, interesseiro e efêmero, de unidade que o sopro de algumas simples desavenças regionalistas bastaria para desfazer.

Essa missão unificadora, a Coroa desempenhou com suavidade e vigor, de tal maneira que oportuna implantação do regime federativo, e a simultânea proclamação da República – regime então no auge da modernidade internacional – não chegaram a combalir. E isto, apesar do fato de, quer a Federação, quer a República, serem, em diferentes medidas, centrífugas por sua própria natureza.

4. Desejoso, portanto, de atuar em nosso querido País como um fator de unidade, e não de divisão e de luta, abstenho-me aqui de qualquer referência, e sobretudo de qualquer tomada de posição ante as divisões políticas, às quais não faço alusão no momento, senão para formular uma observação prévia, acalentadora para nossos compatriotas de um e de outro lado do espectro partidário.

Noto, no panorama político, uma transformação que suscita grandes esperanças. Consiste ela em uma larga e aliás indispensável dilatação de horizontes em nossa vida pública. Com efeito, durante muito tempo os homens públicos e os comentaristas políticos do Brasil foram influenciados pela ideia de que o Estado pode desenvolver-se sem deitar muita atenção no contexto cultural e social do País. Parecia-lhes que ao Estado competia mover-se em esfera própria e de nível superior, na qual figurava como protagonista exclusivo, ou quase tanto, a classe propriamente chamada de política. De onde uma espécie de fratura do País em dois segmentos: os políticos e a imensa massa apolítica. Mas o sistema partidário, como a República o concebeu e o viveu, pelo contrário o aprofundou cada vez mais.

Presentemente, tal divisão parece estar atingindo um ponto de incandescência. Mas as acusações que uns e outros se vão atirando em face vão fazendo notar aos políticos que e ao País a relação profunda existente entre os problemas morais e os problemas políticos, e que uma revivescência moral do Brasil se impõe como condição “sine qua non” para que este reencontre seu caminho. E, importa notar, uma das partes dessa revivescência deve ser a tradição, a qual, juntamente com a Fé e com os valores próprios da vida cultural de uma nação, pode levar a bom caminho o curso dos acontecimentos.

5. É preciso, dentro da atual conjuntura, considerar ainda outros aspectos positivos, os quais não é fácil discernir, em meio à fumarada da presente polêmica que sacode a Nação.

Manda a verdade que reconheçamos não ser a atual crise brasileira um fenômeno autônomo, todo nascido de nosso chão, e relacionado apenas com os problemas nacionais.

Em seus traços essenciais, a crise que nos afeta se estende a todos os países da civilização ocidental.

Assim, a crise da família, célula mater da sociedade, tão profunda e perigosa entre nós, abrange incontestavelmente todo o Ocidente. O mesmo se diga do ceticismo filosófico e religioso, o qual convive paradoxalmente com o que se pode chamar explosão das superstições arbitrárias, mais grotescas e mais primitivas, e o espraiar de uma verdadeira ofensiva contra a razão humana e contra o homem como rei da natureza!

Manifestações de toda essa crise geral de cultura podem encontrar-se entre nós. Prova disso é, por exemplo, a antipatia com que círculos minoritários, mas já em impetuosa expansão, vão comentando o V Centenário do Descobrimento e da Evangelização da América, e certo indigenismo arquixenofóbico, que chega a lamentar a introdução do Cristianismo em nosso continente, em prejuízo do culto idolátricos e supersticiosos dos infelizes índios, nossos aliás diletos irmãos.

Nada disso é autóctone, mas faz parte de um vagalhão que varre todo o Ocidente.

Mas, perguntará alguém, o que tem tudo isso a ver com a atual crise política brasileira?

Todos os fenômenos que acabo de assinalar têm repercussões profundas no campo da moral, e redundam em uma negação, ora mais explícita, ora menos, da moral cristã. Isto posto, pergunto: se essa moral, de perfeição e sublimidade inigualável, ensinada por Jesus Cristo e transmitida pelo Magistério da Igreja Católica com uma fidelidade perfeita, durante tantos séculos, recebesse em nossa terra o acatamento geral que merece, seria possível a atual crise política?

Essa crise universal transpôs os umbrais da própria Santa Igreja. Afirmou-o Paulo VI, ao asseverar ter a sensação de que a “fumaça de Satanás penetrou no templo de Deus” (Homilia de 29-6-1972, “Insegnamenti di Paolo VI”, Tipografia Poliglotta Vaticana, 1972, Vol. X, p. 707).

Nesta perspectiva, o que diria ele se considerasse os múltiplos aspectos do panorama religioso de nossos dias?

6. Tudo isto posto, não consintamos que continue a ter livre curso, no Exterior, um panorama ainda mais desfavorável do que é infelizmente o panorama real dos presentes dias. Saibamos fazer sentir, em todos os países, que o mal de que padecemos nos vem em boa medida de fora, pela TV e demais meios de comunicação, os quais fazem do mundo moderno um só todo pensante, em que são profundas as inevitáveis interpretações. E preservemos para nós o precioso direito de manter a cabeça erguida diante do Exterior.

7. Em nossos dias, impõe-se a opção: ou se afirma que a restauração moral de um País nada tem a ver com a religião, ou se reconhece como verdadeiro fundamento moral a religião, e que cumpre voltar os olhos para esta – e não apenas para um mero remédio político, como seria a restauração de uma Monarquia agnóstica – a fim de encontrar uma solução para os problemas brasileiros.

A segunda opção é básica na tradição da Casa de Bragança, à qual dou toda a minha adesão.

8. Em pronunciamento desta natureza, não toca ao Chefe da Casa Imperial intervir em problemas eclesiásticos, a não ser na medida em que esses problemas digam respeito à vida temporal do País. Assim como Pio XI disse com razão que a Igreja nunca intervém na política, a não ser na medida em que a política toca no altar, assim também a Coroa não se imiscui em problemas religiosos, exceto quando os problemas religiosos tocam na Coroa.

É preciso, neste sentido, apontar como um dos elementos do nosso soerguimento moral a cautela com que é preciso evitar que a santa influência da Igreja seja obscurecida em sua doutrina social por correntes ideológicas que ao próprio Papa têm causado notoriamente preocupação, como são, por exemplo, certas correntes da Teologia da Libertação. E como é também o já aludido indigenismo, que pretende considerar nos índios, e somente neles, a célula mater de uma pátria da qual sem dúvida eles são elementos integrantes e queridos. Esse falso patriotismo pretende fazer dos índios a espinha dorsal, quando não o cérebro do País, colocando a cultura indígena como elemento primordial da cultura do Brasil, e o modo de ser do índio, e até a vida tribal dos índios como um modelo para o qual o Brasil deve tender.

Tal propaganda da volta ao passado não é uma propaganda da tradição, mas uma propaganda do retrocesso. E feita, ademais, com caráter religioso, só pode confundir as idéias e turvar as águas límpidas que a Igreja proporciona aos que a seguem.

9. Do ponto de vista temporal, os problemas são múltiplos, mas não faltam os remédios. Sem dúvida, é muito o que é possível fazer para o bem temporal do País, não só no que diz respeito a estimular tudo quanto nele é legítimo progresso, como também no que se refere ao saneamento das finanças, à melhoria das condições sanitárias, de saúde e de habitação, e das condições de vida em geral, da população.

Entretanto, como ponto de partida para esse soerguimento nacional é preciso que o brasileiro não se deixe impressionar demais pela crise atual. Com efeito, o Brasil é muito maior do que a sua própria crise: é ele o maior produtor mundial de cana de açúcar, laranja e café. Ele está entre os três primeiros produtores de soja, mandioca e milho. Temos o primeiro rebanho bovino comercial do mundo: 136 milhões de cabeças. A safra agrícola de 1992 é de 70 milhões de toneladas de grãos.

10. Os brasileiros devem, pois, animar-se em vista de todos os recursos de que dispõem no campo espiritual como no temporal. Saibamos, pois, erguer-nos de corpo inteiro, dentro das brumas e da tempestade, e enfrentá-la com espírito sereno, com fidelidade à verdadeira identidade do Brasil e às suas glórias e perspectivas de futuro.

Sobre estes múltiplos problemas, conto estender-me mais, em momento oportuno. Estas não são senão algumas considerações genéricas e fundamentais que desejo colocar ao alcance dos compatriotas. Faço-o no dia 7 de setembro, glorioso dia em que o Imperador D. Pedro I fundou o Império brasileiro.

Ele o proclamou na vigília da festa da Natividade de Nossa Senhora. Nessa perspectiva, quadra bem a visita que fez questão de fazer à Imagem de Nossa Senhora Aparecida, na apressada viagem de volta de São Paulo ao Rio de Janeiro, quando consagrou o país nascente à Mãe de Deus.

Ficam aqui estes pensamentos, sobre os quais sou acessível a toda espécie de diálogo e de contato dos brasileiros das mais diversas correntes. Saúdo a todos cordialmente, reservando, é claro, uma atenção particular aos que já cerraram fileiras em torno da bandeira da Monarquia e que estão dispostos a atuar por ela até o triunfo, que será um triunfo do Brasil.

São Paulo, 7 de setembro de 1992

Luiz de Orleans e Bragança
Chefe da Casa Imperial do Brasil

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