sexta-feira, 23 de março de 2018

A BANDEIRA DA ESTRELA VERMELHA


NAS ÚLTIMAS SEMANAS DE 1889, a tripulação de um navio brasileiro ancorado no porto de Colombo, capital do Ceilão (atual Sri Lanka), foi pega de surpresa pelas notícias alarmantes que chegavam do outro lado do mundo.

O cruzador Almirante Barroso partira do Rio de Janeiro em 27 de outubro do ano anterior para uma grande aventura. O objetivo era completar em menos de dois anos a circum-navegação do globo terrestre, jornada de 36.691 milhas náuticas ou cerca de 68 mil quilômetros. Para realizar tão importante e arriscada missão, a Marinha do Brasil designara alguns de seus melhores oficiais e marinheiros e uma de suas embarcações de guerra mais modernas. Movido a propulsão mista — a vela e a vapor —, o Almirante Barroso pesava 2.050 toneladas, tinha 71 metros de comprimento, levava 340 tripulantes e viajava equipado com seis canhões e dez metralhadoras.

Desde a partida, havia sido alvo de homenagens e recepções calorosas em diversos portos estrangeiros. Depois de cruzar o temido cabo Horn, no extremo sul do continente americano, o navio brasileiro passara algumas semanas em Valparaíso, no Chile, onde a tripulação fora saudada com um baile de gala oferecido pelas autoridades locais. Em seguida, tinha enfrentado o imenso e ainda relativamente desconhecido oceano Pacífico, com escalas em Sydney, na Austrália; Yokohama e Nagasaki, no Japão; Xangai e Hong Kong, na China; e Achém, na Indonésia.

Foram meses de isolamento do resto do mundo, comunicando-se raramente com o Brasil. Uma semana antes do Natal de 1889, ao atracar em Colombo, o almirante Custódio José de Mello, comandante do navio, encontrou à sua espera um telegrama com uma notícia extraordinária. Brasil República... — anunciava a mensagem.

— Bandeira mesma sem coroa...

Despachado do Rio de Janeiro no dia 17 de dezembro, o telegrama, na verdade, só confirmava os rumores que a tripulação tinha ouvido na escala anterior, na Indonésia. Conforme notícias de segunda mão transmitidas pela tripulação de um navio holandês ali ancorado, o governo do Brasil havia sido derrubado. Mais do que isso, o país passara por uma drástica mudança de regime. O Império brasileiro, até então visto como a mais sólida, estável e duradoura experiência de governo na América Latina, com 67 anos de história, desabara na manhã de 15 de novembro. A Monarquia cedera lugar à República.

O austero e admirado imperador Pedro II, um dos homens mais cultos da época, que ocupara o trono por quase meio século, fora obrigado a sair do país com toda a família imperial. Vivia agora exilado na Europa, banido para sempre do solo em que nascera. Enquanto isso, o comando da nova República estava entregue às mãos de um marechal já idoso e bastante doente, o alagoano Manoel Deodoro da Fonseca. À primeira vista, eram informações tão improváveis que, na escala indonésia, Custódio de Mello preferiu ignorá-las e seguir viagem na crença de que o Império brasileiro continuava forte e sólido, como sempre fora.

Estava tão seguro disso que, no dia 2 de dezembro, aniversário do imperador Pedro II, ordenou que a bandeira imperial fosse hasteada a bordo e saudada por toda a tripulação, como mandava o regulamento da Marinha e como se nenhuma mudança tivesse ocorrido no Brasil. O telegrama recebido no Ceilão, no entanto, não deixava margem para dúvidas. O país tornara-se, de fato, uma República. Segundo as instruções oficiais enviadas do Rio de Janeiro, a bandeira nacional
continuava praticamente a mesma, com seu largo retângulo verde sobreposto por um losango amarelo.

Desaparecia apenas a coroa imperial, que até então ocupava o centro do pavilhão. Até aquele momento, porém, ninguém sabia
exatamente o que colocar no lugar da coroa. O comunicado avisava que o navio só receberia a nova e definitiva bandeira republicana quando chegasse a Nápoles, na Itália, meses mais tarde. Um segundo telegrama dizia que, até lá, o comandante teria de improvisar:

Ice agora mesma (bandeira) nacional, substituindo coroa estrela
vermelha.

Em resumo, enquanto não se soubesse exatamente que símbolo haveria no centro da bandeira republicana, Custódio de Mello deveria apenas trocar a coroa imperial por uma estrela vermelha.

FONTE: "1889" - Laurentino Gomes

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