domingo, 18 de março de 2018

Eufrásia Teixeira Leite


Eufrásia Teixeira Leite (Vassouras, 1850 – Rio de Janeiro, 1930) foi uma herdeira, investidora financeira e filantropa brasileira, cuja trajetória de vida mostra claramente como a riqueza podia modificar o tratamento que a sociedade dava a algumas mulheres no século XIX. Após a perda dos pais em 1972, Eufrásia e sua irmã, Francisca Bernardina, passaram a administrar com notável talento a herança recebida, multiplicando seu patrimônio e deixando, em testamento, uma fortuna que poderia comprar 1.850 quilos de ouro, aos preços da época, e cuja maior parte foi legada a instituições assistenciais e educacionais da cidade de Vassouras-RJ. O usufruto da riqueza garantiu-lhe a emancipação econômica, tornando-a, além de uma bem-sucedida rentista, uma mulher independente que viveu a vida conforme as suas escolhas. Para os padrões atuais, Eufrásia seria bilionária.[1]

Família e educação

Era filha caçula do Dr. Joaquim José Teixeira Leite e Ana Esméria Correia e Castro, sendo neta paterna do barão de Itambé, neta materna do barão de Campo Belo, sobrinha do barão de Vassouras e sobrinha-neta do barão de Aiuruoca. Tinha uma única irmã, Francisca Bernardina Teixeira Leite (1845-1899), e um irmão que morreu na infância. A família de seu avô paterno já era muito rica quando mudou-se de Conceição da Barra de Minas para Vassouras. Seu pai e seu tio barão de Vassouras se estabeleceram como capitalistas, fundando, no Rio de Janeiro, a empresa "Casa Teixeira Leite & Sobrinhos", que emprestava dinheiro a juros e realizava intermediações financeiras com os prósperos fazendeiros de café. Por outro lado, a família de sua mãe era composta somente por ricos plantadores de café, sendo ela membro da tradicional família Correia e Castro.[2] Para os padrões brasileiros da época, recebeu uma educação aristocrática, tendo estudado na escola de moças de madame Grivet, que existia na localidade de Comércio, hoje Sebastião Lacerda, em Vassouras. Além do ensino básico, aprendeu boas maneiras, a falar o francês e a tocar piano.[3]

Partida para a Europa

Com a morte de seus pais, , em 1872, Eufrásia e sua irmã herdaram uma fortuna de 767:937$876 réis (767 contos, novecentos e trinta e sete mil, oitocentos e setenta e seis réis), o que equivalia na época à dotação pessoal do imperador D. Pedro II ou a 5% das exportações brasileiras. Logo depois, em 1873, morreu sua avó, a baronesa de Campo Belo, e as irmãs receberam, como herança, mais 106:848$886 (cento e seis contos, oitocentos e quarenta e oito mil e oitocentos e oitenta e seis réis) na forma de títulos e escravos, que logo foram vendidos.[4] Na época, a região de Vassouras entrava em decadência, devido ao esgotamento do solo e ao envelhecimento dos escravos, mas os bens das irmãs não eram fazendas de café; elas possuíam apólices de títulos da dívida pública do Empréstimo Nacional de 1868, ações do Banco do Brasil, depósitos bancários, títulos de crédito de pessoas, apenas 12 escravos, uma casa no Rio de Janeiro e uma grande propriedade urbana em Vassouras, atualmente conhecida como Casa da Hera ou Chácara da Hera, onde residiam com seus pais.[3] Jovens e solteiras, as irmãs venderam ações, títulos e a casa do Rio de Janeiro, cobraram créditos, alforriaram os escravos, fecharam a casa da chácara, deixando dois empregados incumbidos de sua conservação, e partiram, em 1873, para residir em Paris.

Romance com Joaquim Nabuco

Eufrásia, além de inteligente e hábil com negócios, foi uma mulher muito bela, como mostram diversos quadros e retratos. Quando viajou para a Europa, conheceu no navio o diplomata Joaquim Nabuco e iniciou um namoro com ele. As cartas amorosas que recebeu de Joaquim Nabuco foram, diz a tradição, por expressas instruções dela, encerradas em seu caixão. Já as cartas e bilhetes que enviou a Joaquim Nabuco, estão guardadas no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, em Recife. Algumas dessas cartas sugerem que algo muito íntimo, para além dos padrões da época, teria ocorrido entre os dois.[5] A maior parte do romance ocorreu na Europa, onde Eufrásia tinha interesses financeiros e mundanos. Joaquim Nabuco, porém, tinha ambições políticas no Brasil. O romance durou de 1873 até 1887, quando Eufrásia remeteu a última carta para Joaquim Nabuco. Dois anos depois, ele se casou com Evelina Torres Soares Ribeiro. Eufrásia jamais se casou.[6][7].

Vida na Europa

Eufrásia tinha o espírito empresarial da família e investiu sua fortuna e a da irmã, não em terras ou ativos produtivos, mas em capital financeiro, sabendo administrá-la e multiplicá-la com maestria no circuito mercantil internacional. Em países europeus, comprou ações de empresas que produziam com as novas tecnologias da Segunda Revolução Industrial, como indústrias extrativistas, companhias ferroviárias, indústrias de transformação e bancos estrangeiros, e participou da internacionalização de capitais que ocorria na época. No Brasil, Eufrásia comprou ações no Banco do Brasil, Banco Comércio e Indústria de São Paulo, Banco Mercantil do Rio de Janeiro, Companhia América Fabril, Cia. de Fiação e Tecidos Aliança, Cia. Tecelagem de Seda Ítalo-Brasileira, Companhia Antártica Paulista, Cia. Cantareira e Viação Fluminense, Cia. Docas de Santos, Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, Cia. Paulista de Estradas de Ferro, Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Consta ter sido a primeira mulher a entrar no recinto da Bolsa de Valores de Paris. Instalou-se em Paris, residindo depois de 1884 com a irmã em um hôtel particulier de cinco andares, na rua Bassano 40, 8º arrondissement, próximo ao Arco do Triunfo, endereço sofisticado até os dias atuais.[3] As irmãs viviam uma vida recatada, mas participavam da vida social parisiense. Eufrásia integrou o círculo das amizades mais próximas de Dona Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, quando esta estava já no exílio na França. Sua irmã, Francisca Bernardina, tinha uma séria deformação na bacia e morreu em 1899, em Paris, sem ter se casado. Assim, Eufrásia herdou também a fortuna da irmã.[5] Entre 1874 e 1928 veio somente duas vezes ao Brasil,[3] mas viajou para diversos outros países. Viu a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) na Europa e lamentou os danos causados aos prédios.

Retorno e morte no Brasil

Retornou definitivamente para o Brasil em 1928 e passou temporadas na Casa da Hera, em Vassouras. Mantinha-se quase como reclusa, tanto que até comprou, em 1924, a chácara do Dr. Calvet, ao lado da chácara da Hera,[4], apenas para manter-se longe dos vizinhos.

Viveu seus últimos anos no Rio de Janeiro, em um apartamento em Copacabana, cercada de empregados fiéis, excêntrica e solitária. Queria retornar para Paris, mas tinha problemas renais que a impediram de viajar.

Sem "descendentes nem ascendentes", seu primeiro testamento legava toda a sua fortuna para o Instituto das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, instituição católica com sede em Roma, mas que geria diversos estabelecimentos de instrução no Brasil.[4] Um segundo testamento, feito as vésperas de sua morte, legou praticamente toda a sua fortuna para obras de caridade, a serem realizadas por instituições da cidade de Vassouras.

Foi enterrada no Rio de Janeiro. Posteriormente, seu corpo foi exumado e enterrado no mausoléu de seu avô, o primeiro barão de Itambé, em Vassouras. No local não há lápide que indique a sepultura de Eufrásia.

O testamento

Disputas judiciais

No dia da sua morte, um primo distante de Eufrásia, Antônio José Fernandes Júnior, praticamente furtou o original do seu testamento da cabeceira da sua cama a fim de evitar que o documento fosse extraviado por outros parentes. Foram nomeados quatro inventariantes para o espólio de Eufrásia, porém um deles morreu logo depois, e outro pediu para que se retirasse seu nome. Restaram apenas os irmãos Antônio José Fernandes Júnior, que inventariou os bens do Brasil, e Raul Fernandes, que inventariou os bens do exterior.[4] O testamento foi contestado judicialmente pelas primas Umbelina Teixeira Leite dos Santos Silva, baronesa de São Geraldo, Cristina Teixeira Leite d´Escragnolle Taunay, viscondessa de Taunay, e Francisca Teixeira Leite Brhuns. A elas juntaram-se outros primos do lado paterno de Eufrásia, representados por advogados que também eram da família Teixeira Leite. Os advogados desses herdeiros deserdados alegaram a insanidade de Eufrásia devido a "uma moléstia crônica [de rins (sic)], de natureza gravíssima, que se veio processando com lentidão, aniquilando a paciente não só fisicamente como também mentalmente".[5] Entretanto, as cartas que Eufrásia escreveu pessoalmente, nos meses que antecederam sua morte, provam que ela se mantinha, aos 80 anos, completamente lúcida e ainda gerindo seus negócios. Em um confronto judicial que durou seis anos, os herdeiros da família Teixeira Leite foram afinal derrotados pelos inventariantes, Antônio José Fernandes Júnior e Raul Fernandes, que eram advogados. Em agosto de 1937, quando os herdeiros deserdados da família Teixeira Leite tentaram reabrir o processo judicial de impugnação do testamento, a população de Vassouras revoltou-se, fechou o comércio, cercou o fórum durante as audiências e ameaçou os advogados. O juiz chamou a polícia, mas o delegado disse que os policiais tinham saído da cidade.[5] Os advogados fugiram pelos fundos do fórum, e os incidentes pararam aí.[4] Um decreto presidencial da ditadura de Getúlio Vargas determinou que, em todos casos, somente podiam herdar os parentes colaterais até segundo grau, o que então calou parte dos herdeiros deserdados. Apesar disto, os primos do lado materno, os Correa e Castro, conseguiram obter uma parte da herança, com base no testamento de D. Ana Esméria, mãe de Eufrásia, feito em 1872. Segundo o documento, se Eufrásia e a irmã morressem solteiras e sem filhos, uma parte dos bens de D. Ana Esméria, anexados à herança das filhas, deveria passar para algumas de suas sobrinhas. Com isto, a Justiça decidiu pela distribuição de valores da herança de Eufrásia para os inúmeros herdeiros descendentes destas primas Correa e Castro.[4] Durante mais de vinte anos, os irmãos Antônio José e Raul Fernandes atuaram como testamenteiros. Resultaram 30 volumes de manuscritos depositados no Centro de Documentação Histórica de Vassouras.[5]

Inventário da herança

A fortuna que Eufrásia tinha herdado dos pais, da avó e da irmã tinha crescido muito com seus investimentos, apesar da grande depressão de 1929 e das perdas com empresas russas confiscadas pela revolução comunista de 1917. Era tão grande que o atestado de óbito de Eufrásia registra que exercia a profissão de "milionária".[3] O espólio tinha um valor estimado em 37 milhões de réis, o que poderia comprar 1.850 quilos de ouro na época. Em sua maior parte, constituía-se de ações de 297 empresas, de dez países diferentes, além de títulos de dívidas de governos. Partes menores eram a casa em Paris (que na época valia 2 milhões de francos e atualmente valeria mais de 10 milhões de euros) e um loteamento de 49 terrenos na atual rua Pompeu Loureiro, em plena época de crescimento imobiliário de Copacabana.[5] O menos valioso dos bens imóveis legados foi provavelmente a Casa da Hera, com seus móveis, decoração e utensílios domésticos, avaliada em 96:700$000 (noventa e seis contos e setecentos mil réis), cuja área tinha sido aumentada com a compra da chácara do Dr. Calvet, avaliada em 44:050$000 (quarenta e quatro contos e cinquenta mil réis). Herdeiros Os principais herdeiros de Eufrásia foram a Santa Casa de Misericórdia de Vassouras, o Instituto das Missionárias do Sagrado Coração e o Colégio Salesiano de Santa Rosa de Niterói.[3] Os dois últimos deveriam fundar dois colégios para meninas e meninos pobres, cada um mantendo cinqüenta órfãs e órfãos, e outros estudantes pagantes. O Colégio Salesiano de Santa Rosa de Niterói recusou a incumbência e sua parte, conforme o testamento, foi passada para a Santa Casa de Misericórdia de Vassouras. Valores menores foram legados para a Fundação Osvaldo Cruz, para o agente de Eufrásia em Paris, para alguns primos e empregados domésticos. Dinheiro em espécie foi destinado aos pobres de Vassouras e aos mendigos que moravam na rua em que Eufrásia residira, em Paris.[3] As cartas que enviava para seus empregados mostram que era bastante autoritária e detalhista nos seus pedidos, mas que pagava a todos muito bem. Todos os seus empregados receberam boas doações em vida ou legados no seu testamento. Para um ex-escravo, doou em vida uma casa no Rio de Janeiro. A filha desse escravo, Cecília Bonfim, que também foi sua empregada, afilhada e herdeira, repetiu o seu gesto e deixou um testamento legando seu bens aos pobres de Vassouras.[5] Resultados da herança Nos terrenos deixados por Eufrásia, em Vassouras, foram construídos o Instituto Feminino para moças pobres, o Colégio Regina Coeli para moças, o Senai, o atual fórum, delegacia e muitos outros prédios. O Hospital Eufrásia Teixeira Leite foi construído com os recursos que legou. O testamento de Eufrásia tem várias exigências que prejudicaram o atingimento dos seus objetivos devido a fatos posteriores imprevisíveis. Todos os bens foram legados sob cláusulas de inalienabilidade e da insubrogabilidade que deviam protegê-los. Os valores obtidos com as vendas das ações foram aplicados em apólices do Tesouro Nacional, cujos juros deveriam financiar as instituições criadas, como o Instituto Feminino e o hospital. Entretanto, a hiperinflação brasileira destruiu o valor original das apólices do Tesouro. Como resultado, a Santa Casa de Misericórdia de Vassouras e o Hospital Eufrásia Teixeira Leite passam hoje por séria crise financeira. Uma das cláusulas do testamento de Eufrásia pedia "conservar a Chácara da Hera com tudo que nela existisse no mesmo estado de conservação, não podendo ocupar ou permitir que fosse ocupada por outros".[4] Assim, a residência de seus pais em Vassouras é hoje o Museu Casa da Hera, considerado o melhor exemplo preservado de habitação urbana de famílias ricas do vale do Paraíba do Sul no século XIX.

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