quarta-feira, 7 de março de 2018

DOM PEDRO HENRIQUE: “MONARQUIA É O MELHOR REGIME PARA O BRASIL”

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[Trazemos a reportagem e entrevista feita com S.A.I.R. o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil de 1921 a 1981, e publicada na edição de 6 de outubro de 1962 da revista “O Cruzeiro”, do Rio de Janeiro. A fotografia que acompanha a publicação é do acervo do Prof. Rafael Cruz, monarquista do Estado da Bahia.]

DOM PEDRO HENRIQUE: “O BRASIL PRECISA DE UM REI”

Texto de GLAUCO CARNEIRO.
Fotos de GERALDO VIOLA.

Na solidão de sua Fazenda Santa Maria, em Jundiaí do Sul, Norte do Paraná, vive Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, sua esposa, a Princesa Dona Maria, e nove dos doze filhos, que constituem a Família Imperial, herdeira presuntiva do Trono Brasileiro. A reportagem de “O Cruzeiro” surpreendeu Dom Pedro Henrique e sua família em pleno trabalho, e com eles conviveu durante dois dias, tendo oportunidade de constatar a extrema simplicidade de sua vida, que só visa ao cuidado na criação dos filhos, à integração perfeita deles com o povo, ao respeito às autoridades constituídas e até à memória dos que criaram a República. Foi nesse ambiente campestre que Dom Pedro Henrique concedeu a “O Cruzeiro” a entrevista exclusiva publicada nestas páginas onde, sem mágoas e sem rancor, o Herdeiro Imperial procura acentuar seu pensamento de que o Poder Central contínuo, através das gerações, com a Monarquia, é o regime ideal para este imenso e conturbado Brasil.

ÀS VÉSPERAS DAS ELEIÇÕES O HERDEIRO DO TRONO APONTA RUMO A SEGUIR

P. Diante das sucessivas crises políticas que o País atravessa, crê V.A. que a volta à Monarquia seria a solução?

R. A Monarquia é, a meu ver, a solução normal para os problemas brasileiros. A imensidade do território nacional e as legítimas diversidades que nele devem florescer, pedem para que se mantenha a unidade, um poder central contínuo através das gerações e posto pela própria natureza das coisas num plano transcendente às rivalidades regionais e às paixões políticas. As presentes crises políticas estão pondo em especial realce esta verdade. Parece-me também que algumas características de nossa tradição luso-cristã concorrem para que, no plano cultural e ideológico, seja a Monarquia a forma de governo adequada para o nosso País.

P. Qual a posição da Família Imperial diante dessas crises? Pode alhear-se?

R. A Família Imperial, da qual sou Chefe, acompanha estas crises com uma atenção feita de solicitude e devotamento aos supremos interesses do País. Julgo que à Casa de Bragança cabe representar, no panorama nacional, um conjunto de tradições e valores morais cuja ação de presença no Brasil contemporâneo se exerce de uma maneira discreta, porém profunda e eficaz. Aludindo à nossa ação de presença, afirmo implicitamente que nos abstemos de uma interferência no embate dos interesses e paixões das grandes forças que dominam atualmente o cenário político do País. Com isto, evitamos envolver em toda a espécie de mal entendidos e ressentimentos o prestígio da Família Imperial. Estou certo de que brasileiros dos mais variados quadrantes se sentiriam desolados se nos vissem entrar na rinha política como esta, atualmente, se apresenta. Insisto na importância atual dessa ação de presença. Os cientistas sabem todo o alcance que tem na natureza a ação catalítica. Importância análoga e não menor tem ela na vida ideológica e moral de um povo, máximo quando é inteligente e sutil como é o brasileiro. Como vê, o exercício abnegado, contínuo e consciente desta função é bem o contrário do alheamento.

P. A transferência de V.A. não pode ser interpretada como tal? Qual a razão de se ter mudado para o Paraná? Significa, isso, que a Família Imperial perdeu definitivamente as esperanças de retornar ao Poder?

R. Não vejo na restauração monárquica uma “esperança” no sentido pessoal da palavra, isto é, a ambição de um cargo público capaz de conferir vantagens individuais. Vejo na perspectiva de uma restauração, para mim e para os meus, uma missão perene a cumprir, para a qual estamos, meus filhos e eu, sempre prontos para o bem do Brasil. Minha presença no Paraná será um fator favorável ou desfavorável para este efeito? Tenho estado assiduamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e tenho visitado outros lugares do País. Acompanho com diligência tudo quanto se passa aqui e tudo quanto no exterior diz respeito ao Brasil. Os modernos meios de comunicação permitem a uma pessoa exercer uma ação de presença num raio muito amplo, qualquer que seja o lugar onde resida. Há, pois, um certo anacronismo em se imaginar que, fixado no norte do Paraná, estuante de vida e de ação realizadora, não possa eu exercer adequadamente a minha ação de presença no processo de desenvolvimento do Brasil atual. A isto acresce outra circunstância. Radiquei-me no norte do Paraná com intuito de que o exercício da atividade agrícola – muito afim com o meu temperamento – atendesse também às conveniências patrimoniais de minha família. Estou persuadido, entretanto, de que, presente no interior, estou sob certo ponto de vista mais autenticamente presente no Brasil e em contato mais contínuo com a realidade viva do País do que se morasse em alguma grande capital.

P. Existem muitos monarquistas no Brasil? De que tipo são e qual a atuação? Recebe V.A. muitas cartas, sobre que assuntos, por parte deles?

R. Recebo correspondência de todo o Brasil. Nem toda ela, entretanto, exprime uma tomada de posição explicitamente monárquica. Recebo cartas de monarquistas ardorosos e dedicados, muitos deles jovens. Escrevem-me também amigos de todo o Brasil que, sem intuito político, cultivam as velhas relações de amizade e dedicação para com a Família Imperial. Vejo também que, não poucas vezes, brasileiros não monarquistas me procuram num gesto de simpatia e consideração para com as tradições e valores que represento. Isto quanto à correspondência e os contatos pessoais que mantenho. Quanto à medida de influência do sentimento monárquico no Brasil atual, não me parece que o mais importante seja saber quantos são os monarquistas. Os brasileiros ou são monarquistas ou são republicanos, ou mais ou menos indiferentes. Um jovem e brilhante jornalista republicano de nosso País escreveu recentemente que há em cada republicano uma certa segunda psicologia antirrepublica. Sua fórmula pitoresca é de que “em cada republicano há um monarquista que dorme”. A generalização é excessiva, mas é indiscutível que há um monarquista dormindo no subconsciente de muito republicano. E isto quanto mais no subconsciente dos indiferentes! Qual a extensão deste fenômeno? É impossível recensear subconscientes. Pode-se apenas colher a este respeito impressões genéricas. Em minha posição, tenho uma visão do fato, que tenho interesse em confrontar com a de outros brasileiros. Gostaria de saber, por exemplo, o que o senhor, como jornalista, em contato com muita gente, pensa.

P. As origens da crise brasileira. A propriedade privada. O perigo comunista. Posição de V.A. diante dessa infiltração. Os remédios para o problema nacional. Em que errou o Governo Republicano? Acha que um Imperador estaria mais próximo ao povo? As chamadas Reformas de Base. A Agrária.

R. Como é natural, eu sou fundamentalmente contrário ao comunismo. Por quê? Por uma razão igual e oposta àquela pela qual o comunismo é fundamentalmente antimonárquico. Os princípios que represento são os da Monarquia Cristã e, como católico, não posso deixar de ser irreconciliavelmente oposto ao comunismo, que é ateu em seus fundamentos filosóficos, e incompatível com a doutrina da Igreja no que diz respeito à estrutura política, social e econômica. Considero que há um verdadeiro abismo entre a ditadura do proletariado, despótica, férrea, onímoda, e a autoridade monárquica entendida no sentido cristão da palavra. Na “Mater et Magistra” – tão mal compreendida e comentada por vezes – o Papa ensina o princípio da subsidiariedade: o individuo deve fazer por si tudo quanto pode, e a família deve fazer por ele o que ele próprio não pode; o mesmo se deve dizer do grupo social em relação à família; do município em relação aos grupos sociais; das regiões em relação aos municípios; e do País em relação às regiões. Era este o princípio vivido pela Monarquia orgânica de São Luís de França, São Fernando de Castela e Dom Diniz de Portugal. O Monarca estimula e oriente as forças vivas da Nação em lugar de as aniquilar e escravizar pela força como faz o comunismo. Ou a reduzir à servidão pela ditadura velada da propaganda e da burocracia como faz o socialismo. Quanto à propriedade privada, vejo nela um legítimo atributo do homem e da família. Mas também uma condição indispensável para o bem comum. Defendendo a propriedade, defendendo os que têm e os que não têm. Pois os pobres seriam mais pobres se não houvessem ricos nem fortunas médios. Isto não quer dizer que eu não deseje ardentemente uma melhoria das condições dos pobres, pois, como neto da Princesa Isabel, a Redentora, tenho enorme interesse pelo destino das classes pobres. Mas sem a ilusão de que, algum dia, deixe de haver pobres no mundo: “Pauperis semper habetis vobiscum” disse Jesus Cristo. Desejamos, isto, sim, que haja o menor número possível de pobres. Para consegui-lo, é preciso que a propriedade exerça a sua função social. Mas para que ela a exerça é preciso que seja florescente. Pois uma instituição débil não pode exercer suas funções. Reforma Agrária? Ela só pode ter no Brasil um sentido: o de um aproveitamento de nossas imensas reservas. Para isto, é preciso dividir um único latifúndio: o imenso latifúndio de 75% do território nacional pertencente ao Poder Público e inaproveitado. Se estes 75% pertencessem a um só proprietário, à Família Imperial, por exemplo, que clamor para a sua divisão! E como seria razoável este clamor! Não compreendo por que o mesmo clamor não se levante contra o latifúndio do Poder Público. Considero o retalhamento compulsório das propriedades privadas uma medida socialista e anticristã que preparará o advento do comunismo. Vejo, do mesmo modo, muitos projetos de Reformas de Base. A participação dos operários nos lucros, na propriedade, ou na direção das empresas pode ser excelente em certos casos, porém, não deve ser obrigatória. Parece-me, principalmente, que as Reformas de Base não podem colocar toda a economia nas mãos do Estado, pois seria contrário ao principio da subsidiariedade de que acima falei.

P. A Família Imperial é democrática? Uma Monarquia o pode ser?

V. Todos hoje se dizem democratas, até Krutchev. A palavra perdeu seu conteúdo. Reportando-me à famosa distinção de Pio XII entre povo e massa, afirmo que desejo um povo cuja célula básica seja a família, povo este constituído de classes sociais organicamente diferenciadas entre si, e com possibilidades de acesso a todos valores autênticos. Para todos deve haver uma vida digna, segura e larga. O papel natural do Monarca é de promover e conservar as legítimas elites, mas ao mesmo tempo de proteger os desvalidos contra as prepotências eventuais das elites, de sorte a manter o equilíbrio social. Como vê, há nisto uma atitude de verdadeiro desvelo pelo povo considerado como um todo harmônico – grandes e pequenos – e um repúdio ao princípio marxista de luta de classes.

P. Diante da possibilidade de restauração da Monarquia Espanhola, alimenta V.A. as mesmas esperanças com relação ao Brasil?

V. Qualquer fato ocorrido num país repercute hoje em dia de algum modo nos outros. Não creio, entretanto, que a restauração da Monarquia na Espanha ou em outro país amigo pudesse ser fator determinante de igual fenômeno no Brasil.

P. As preocupações de V.A. hoje em dia.

V. Tenho na minha vida cotidiana muitas preocupações além das que decorrem de minha posição de herdeiro presuntivo do Trono Brasileiro, sobre as quais julgo já ter falado suficientemente. As ocupações com a direção de minha fazenda tomam uma parte de meu dia. Procuro aproveitar o quanto possível os momentos livres para, na minha biblioteca, dedicar-me ao estudo dos autores da tradição católica, entre os quais destaco Joseph de Maistre. E como chefe de família católico, preocupo-me muito especialmente com a formação de meus filhos, para torná-los aptos a fazer tudo o que estiver ao alcance deles pela grandeza do Brasil e da Civilização Cristã.

P. Dados gerais sobre a Fazenda Santa Maria e a atividade da Família Imperial na produção. O que lhe tem ensinado a lavoura?

V. A Fazenda Santa Maria, que conta com 115 alqueires paulistas, é um exemplo típico de propriedade média do norte do Paraná. Nela procuro desenvolver os dois ramos de produção: a agricultura, com o cultivo de cereais; e a pecuária, com a criação de gado. Foi nessa minha atividade agrícola que tive oportunidade de sentir mais vivamente todos os problemas com que luta o nosso homem do campo, e de estudar as medidas necessárias para a elevação do seu nível de vida, tais como obras de assistência social e religiosa, financiamentos a longo prazo, aumento dos meios de comunicação e de escoamento da produção, construção de silos, etc.

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