sábado, 24 de março de 2018

O FANTASMA DO CORONEL

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Pelos idos da década de 1960, um conhecido meu viajou à Macapá levando uma carga de sal. Naquele tempo o Maranhão tinha salinas na região de Alcântara, e barcos subiam mais para o norte transportando o produto.

A capital do Amapá oferecia poucos serviços, e as hospedarias não eram luxuosas. A testemunha encontrou abrigo numa grande e velha casa ribeirinha, toda em madeira, tipo ainda bastante comum na Amazônia.

Sua proprietária era uma mulher gorda e mal apresentada. Reclamava que a freguesia diminuíra muito, e que pelejava para pagar as contas. Dizia que seus clientes entravam, mas não dormiam. Cedo da noite pediam a saída.

Não importava. Estava cansado e era ali mesmo que ficaria. Mas ainda era dia, e depois do almoço foi ao banheiro: uma casinha de pau à pouca distância do rio.

Já de cócoras, ao modelo antigo (mas sem começar a obra) viu, à meia distância, um homem de farda militar azul, com várias medalhas ao peito. Nada tinha de estranho a não ser o lugar inusitado e o fato de ter sumido da mesma forma que apareceu. Dispensou maiores preocupações e foi cuidar do que era urgente.

Bem depois, já de noite, por volta das dez horas, se recolheu. Entrou na rede e dormiu. Mas não por muito tempo.

Em instantes foi acordado com o ranger da porta do quarto se abrindo devagar. Não virou para ver, pois estava escuro e imaginou que estivesse solta.

Engano! Passos fortes se aproximaram, e uma voz rouca e baixa lhe falou dentro de sua cabeça: “Você foi o primeiro que não teve medo. Por isso vou lhe pedir um favor: marcarei com teu cigarro, no canto do quarto, o lugar onde a dona deve cavar”. Quem me narrou isso afirmou que não teve força para se levantar, pois se sentia totalmente paralisado, e logo o sono lhe tomou por completo.

Os galos cantaram anunciando a alvorada, despertando quem ali estava. Foi quando passou a mão por debaixo da rede procurando sua carteira de cigarros e não a achou. Levantou-se logo após, quando os primeiros raios já passavam pelas frestas da madeira. De pé, viu a carteira bem no canto do quarto, ao meio de uma das lajotas de barro cozido que faziam o piso.

Como deveria tomar o barco para Belém, e um avião de volta a São Luís, foi atrás da gorda dona da casa e lhe contou toda a história. A mulher entrou no seu quarto e voltou de lá com uma caixa de sapatos cheia de fotografias já amareladas do tempo. Folheando aqueles registros, apontou feliz o narrador a um fardado: “Este!”. Emocionada, com o olhos marejados, respondeu que aquele era seu avô.

Foram ao local e com um giz ela marcou o lugar onde estavam os cigarros. Meu amigo teve de seguir seu caminho, e não soube do resultado. Mas ficou tudo bem guardado consigo, especialmente a lembrança do brilho das comendas reverberando o sol pelos vapores quentes da floresta.

(imagem meramente ilustrativa de um veterano brasileiro da Guerra do Paraguai)

Por Diogo G. Neves

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