Seu autor, o músico Francisco Manuel da Silva a teria feito entre o fim de 1822 ou o inicio de 1823, em um armarinho localizado na esquina das atuais ruas Senador dos Passos com a Regente Feijó, no centro da então capital do Império, o Rio de Janeiro. O estabelecimento era de propriedade de José Maria Teixeira, um músico armador, que gostava de tocar clarinete, nas horas vagas.
Em sua loja reuniam-se um grupo de amigos que tinham afinidade musical. Além de Francisco Manuel da Silva, faziam parte o cantor da Capela Imperial, Zacarias da Cunha Freitas, que posteriormente seria cônego; o poeta Laurindo Rebelo, conhecido por Largatixa; Bento Fernandes das Mercês; José Rodrigues Cortes, e o próprio dono da loja.
O autor
Francisco Manuel da Silva nasceu no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, no dia 21 de fevereiro de 1795, filho de Joaquim Mariano da Silva e de Joaquina Rosa da Silva. De origem humilde, desde pequeno Francisco gostava de música, e graças ao destino, teve como seu professor o padre José Mauricio Nunes Garcia, mestre em filosofia, poliglota, inspetor de música da Real Capela (por ato do príncipe Regente D. João, futuro rei Dom João 6º), grande admirador de Nunes Garcia, e sem dúvida, o maior compositor brasileiro de sua época, tendo escrito mais de 200 músicas, destacando-se a célebre Réquiem.
Além de Nunes Garcia, outros dois nomes também influenciaram Francisco em sua formação intelectual e musical, o austríaco Sigismund von Neukomm, discípulo do grande compositor Haydn, que chegara ao Rio de Janeiro com a comitiva do duque de Luxemburgo, que viera, por ordem do rei Luiz 18, para reatar as relações entre França e Portugal; e o português Marcos Portugal, que veio para o Brasil em virtude da invasão napoleônica em seu país.
Logo após sua chegada ao Rio de Janeiro, este foi nomeado pelo príncipe regente D. João, mestre da Capela Real e da Real Câmara, e pouco depois diretor do Teatro de São João. Foi também diretor do Conservatório de Santa Cruz e diretor-geral de todas as funções públicas, também por ato de D. João 6º.
Em 1805, aos dez anos de idade, Francisco iniciou seus estudos de violoncelo, e em 1809, ingressou como soprano no coro da Capela Real. Aos 15 anos, já sabia harmonia, e revelava tendências para compositor e instrumentista. No ano de 1816, passou a estudar contraponto e composição, com músico Sigismund von Neukomm. Em 1825, era o segundo violoncelo da Capela Imperial.
Apesar de sua dedicação ao seu trabalho, Francisco se viu obrigado por determinação de Marcos Portugal, seu superior na hierarquia funcional, de gênio irrascível - e sentindo-se ameaçado pelo jovem e talentoso músico - a mudar de instrumento, de violoncelo para violino. Ameaçado de demissão, se não manifestasse aplicação a essa nova e desnecessária tarefa, Francisco não desanimou e entregou-se ao estudo com ardor, e não tardou a tornar-se um exímio violonista.
Sete dias depois da abdicação do imperador Pedro 1º, em 14 de abril de 1831, no Teatro São Pedro de Alcântara, foi executado o hino de sua autoria, para comemorar o dia 7 de abril, data da renúncia ao trono brasileiro por D. Pedro, em favor de seu filho Pedro 2º. Esse hino, que na ocasião ficou conhecido como Hino 7 de abril, seria posteriormente oficializado como o Hino Nacional Brasileiro.
Sociedade musical
Idealista, Francisco Manuel da Silva fundou, em 1833, a Sociedade Beneficente Musical, da qual foi eleito presidente. Graças ao seu trabalho, a entidade prosperou e se estabilizou, ajudando muito os integrantes do meio artístico. Em 1841, assumiu o cargo de mestre geral da Capela Imperial e, no ano seguinte, foi nomeado mestre compositor da Capela Imperial.
Quando ocupou esse cargo, a Capela Imperial possuía ao todo 105 figuras, distribuídas em 33 músicos instrumentistas; 37 capelães cantores; 2 mestres compositores de música; 2 mestres de capela e 4 organistas. Ocupou ainda vários cargos de direção de diversos teatros no Rio de Janeiro e de companhias líricas.
Pela dedicação a seu trabalho, foi condecorado pelo Imperador D. Pedro 2º, em 1857, com a ordem da Rosa, no grau de oficial.
Quando da inauguração da estátua do proclamador da Independência do Brasil, o Imperador D. Pedro 1º, na hoje Praça Tiradentes, região central do Rio de Janeiro, em 25 de março de 1862, Francisco organizou a celebração de um "Te Deum" ao ar livre, em que tomaram parte na grande orquestra 242 professores e 653 músicos, por ele dirigidos com rara maestria profissional. Entre os alunos do coro destacaram-se Francisco de Paula Rodrigues Alves, que seria presidente da República, e Joaquim Nabuco, posteriormente grande escritor, politico e intelectual brasileiro.
Em 1863, Francisco participou do lançamento da pedra fundamental da sede do Conservatório de Música, como um dos responsáveis pela fundação, que deu origem ao Instituto Nacional de Música, hoje pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Também pianista, Francisco é autor de sete hinos, além do Nacional: o do Coração, das Artes, Hino à Imperial Sociedade Amantes da Instrução, o de Guerra, o Hino à Virgem Santíssima e o Hino ao Infante Dom Afonso. Compôs também musica instrumental, musica vocal e um extenso repertório de música sacra. Sua última composição foi "Peça para soprano, harpa, harmonia e orquestra", executada na Igreja São Francisco de Paula, no Rio.
No ano de 1865, já doente, a assembleia geral da Sociedade Beneficente Musical conferiu o titulo de presidente honorário a Francisco Manuel da Silva, que antes recebera da Sociedade Musical Campesina o titulo de sócio honorário.
Foi casado com Monica Rosa do Bom Sucesso, com quem teve três filhas. Viúvo, casou com Tereza Joaquina de Jesus. Faleceu aos 70 anos, no dia 18 de dezembro de 1865, vitimado por tísica. Seu corpo foi sepultado no cemitério da Ordem Terceira de São Francisco, da qual era irmão, no bairro carioca do Catumbi.
Anos depois, a compositora e pianista Chiquinha Gonzaga, ao visitar o túmulo de seus pais, deparou, por acaso, com o de Francisco Manuel da Silva, que estava em situação lastimável. Em uma reunião da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais - SBAT, a maestrina exortou a entidade para que se mobilizasse e desse ao autor do Hino Nacional Brasileiro uma sepultura condigna. Em 12 de novembro de 1926, foi inaugurado no cemitério de São Francisco de Paula, um novo túmulo, obra do escultor Correia Lima.
O Hino Nacional Brasileiro
Composto após a Independência do Brasil, o hino de Francisco Manuel de Silva, recebeu do poeta e magistrado Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, piauiense de nascimento e radicado no Rio de Janeiro, onde se tornou desembargador do Tribunal de Relação (hoje de Justiça), a primeira letra que se tem noticia, em 1831, quando da abdicação de D. Pedro 1º do trono brasileiro.
As quadras iniciais da letra do Hino são as seguintes:
"Os Bronzes da tirania
Já no Brasil não rouqueijão:
Os monstros, que o escravizarão,
Já entre nós não vicejão.
Da Pátria o grito
Eis se desata
Desde o Amazonas,
Até o Prata.
Ferros e grilhões, e forças
D"antemão se preparavão:
Mil planos de proscrição
As mãos dos monstros gisavão.
"Quando vens faustoso dia
Entre nós raiar feliz,
Vemos em Pedro Segundo
A ventura do Brasil,
Da Pátria o grito
Eis se desata
Desde o Amazonas,
Até o Prata.
Quando da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, os positivistas, ardorosos partidários do novo regime, pretendiam substituir o hino, sob a alegação que ele era do Império, apesar de nunca ter sido oficializado pela monarquia.
O governo provisório teria convidado, por telegrama, Carlos Gomes, que estava na Europa, para compor o novo hino do Brasil. Seria premiado com vinte contos. O compositor campineiro, segundo informações, teria recusado o convite com uma resposta lacônica passada por outro telegrama:
"Não posso". Ficou então resolvido que seria realizado um concurso para a escolha de um novo hino pátrio. No dia 4 de janeiro de 1890, 29 concorrentes, entre os quais figuravam os melhores músicos do Brasil, apresentaram seus hinos perante uma comissão formada por Miguel Cardoso, Alfredo Bevilacqua, Frederico Nascimento, Ignácio Porto Alegre e Carlos de Mesquita.
Na tarde de 20 de janeiro de 1890, com a presença do chefe do governo provisório marechal Deodoro da Fonseca, ministros, altas autoridades, imprensa e povo, o concurso teve lugar no Teatro Lírico no Rio de Janeiro.
A execução dos quatro melhores hinos foi feita por uma banda marcial formada por 70 músicos, do Arsenal de Guerra, e dos Menores Desvalidos (depois Instituto João Alfredo), e o canto foi interpretado por um coro masculino de 30 vozes de integrantes dos teatros cariocas, sob a regência do maestro Carlos de Mesquita.
As quatro músicas finalistas eram de autoria de Francisco Braga (compositor da música do futuro Hino à Bandeira), Jeronimo de Queiroz, Alberto Nepomuceno e Leopoldo Américo Miguez, que saiu vitorioso. A letra seria do poeta e escritor José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, que havia sido publicada no Diário do Comércio, do Rio de Janeiro, na edição de 26 de novembro de 1889.
Após a execução da música vitoriosa, por exigência do público que irrompeu em delírio para que se tocasse o hino de Francisco Manuel da Silva, o que coube a orquestra regida por Luís Agostinho de Gouveia, Deodoro da Fonseca aplaudiu calorosamente, juntamente com o público que lotava o teatro, mas teria exclamado convicto: "Prefiro o velho!".
Alguns republicanos ficaram contrariados, pois entendiam que o velho hino era da monarquia e não refletia o novo regime político brasileiro. Mas, no próprio teatro, o marechal baixou o Decreto 171, lido pelo ministro do Interior, Aristides da Silveira Lobo. A norma legal determinava: "Conserva o Hino Nacional e adota o da Proclamação da República."
O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, decreta:
Art. 1º - É conservada como Hino Nacional a composição musical do maestro Francisco Manuel da Silva.
Art. 2º - É adotada sob o título de Hino da Proclamação da República a composição do maestro Leopoldo Miguez, baseada na poesia do cidadão José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros Albuquerque.
O magnifico hino de Miguez e de Medeiros e Albuquerque ficaria famoso pelo estribilho, que seria muito entoado em manifestações contra a ditadura militar:
Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!
Anos antes, ainda no Império, uma verdadeira apoteose ao hino de Francisco Manuel da Silva, denominada Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro foi composta pelo pianista norte-americano de renome mundial, radicado no Brasil, Louis Moreaux Gottschalk, e sua estreia se deu em concerto em 1869, tendo sido executada por 650 músicos, no Rio de Janeiro.
Dedicada a Son Altesse Impériale Madame la Comtesse d"Eu, a princesa Isabel, a futura Redentora, a obra trata de variações, especialmente em piano, da música de Francisco Manuel da Silva. Foi muito executada pelas consagradas pianistas brasileiras Guiomar Novais e Eudóxia de Barros, e também pelo famoso pianista americano Eugene List. Também foi difundida pela TV, quando do funeral do presidente Tancredo Neves, em 1985, e usada em programas eleitorais do Partido Democrático Trabalhista, de Leonel Brizola.
Durante o regime militar, em 1973, a Comissão Nacional de Moral e Civismo abriu processo para verificar se a obra deveria ser banida do território nacional, por supostamente tratar-se de arranjo musical do hino nacional, algo proibido pela Lei 5.700, de 1971. Após alguns anos, o processo foi encerrado, prevalecendo o bom senso no parecer de pessoas como o músico Alfredo Melo, que explicou a diferença entre arranjo e variação.
Essa legislação que rege os símbolos nacionais determinava que a execução do hino fosse sempre feita de acordo com o arranjo musical realizado pelo maestro Alberto Nepomuceno, que muito se dedicou para que o Hino fosse tocado e cantado de uma mesma forma em todo o país.
*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
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