Quase todos os países desenvolvidos são parlamentaristas. E não é à toa. Só com esse sistema dá para trocar de governo com o bonde andando sem que isso ameace a própria democracia.
POR Pedro Burgos ATUALIZADO EM 15/04/2016
Que não é incomum, aliás. Em setembro do ano passado, a Austrália trocou de ministro porque tanto a opinião pública quanto o próprio partido do primeiro-ministro Tony Abbott não estavam satisfeitos com seu governo. "O primeiro-ministro da Austrália não é um presidente. Ele é o primeiro entre os iguais", disse o novo ocupante do cargo, Malcolm Turnbull, do mesmo partido do agora ex-mandatário. Sem trauma. Sem golpe.
Alexis Tsipras, primeiro-ministro da Grécia, foi eleito em janeiro de 2015 para tirar o seu país do buraco. Sete meses depois, seu plano não havia conseguido o apoio necessário no Parlamento, e vários deputados do seu partido abandonaram o barco. Novas eleições gerais foram convocadas para dali a um mês. Sua base foi recomposta, com novos parlamentares. E Tsipras foi reconduzido ao cargo, agora fortalecido.
Esses exemplos deixam claro: qualquer país vive crises de governabilidade. Por outro lado, qualquer que seja sua posição sobre o que está havendo no Brasil, uma coisa é certa: nenhum desses cenários acima teria sido possível aqui. E não é por uma questão cultural, mas sim de organização política: Islândia, Austrália e Grécia, além de 24 dos 28 países europeus e da maioria das economias desenvolvidas do mundo, têm sistemas parlamentaristas, e não presidencialistas.
No parlamentarismo, pode haver um presidente também - ou mesmo um rei - mas eles têm poderes limitados. A democracia nesse sistema funciona com o povo votando em deputados e partidos. Em linhas gerais, o partido que teve mais votos se alia a algum outro e, com o controle dos votos na Câmara, escolhe o primeiro-ministro e decide a política econômica e as leis que serão votadas.
Se houver um escândalo envolvendo o primeiro-ministro, ou se um partido sair da base, é comum que outra pessoa seja colocada no lugar, e as coalizões sejam refeitas. Mesmo quando novas eleições são convocadas, não há tanto choque quanto em uma democracia presidencialista. Historicamente, escândalos envolvendo chefes de Estado em regimes presidencialistas terminam em golpe militar, guerra-civil, suicídio do indivíduo deposto. Muito drama, pouco cérebro, toneladas de impasses.
Juan Linz, cientista político de Yale (EUA), definiu muito bem. Como tanto o presidente quanto o Congresso foram eleitos, ambos podem argumentar que falam pelo povo. E se eles discordam, temos problemas. Porque, como disse Linz: "Não há um princípio democrático para resolver essa disputa, e os mecanismos que a Constituição dá podem se provar aridamente legalistas para ter força aos olhos do eleitorado." Ah, ele não estava se referindo ao caso brasileiro. Linz escreveu isso em 1990.
Em 2013, porém, os americanos retomaram a discussão do artigo de Linz para questionar seu próprio presidencialismo. Obama, democrata, não conseguia passar nenhuma lei pelo Congresso, de maioria republicana. A rebeldia foi tamanha que durante alguns dias em outubro o governo entrou em "shutdown" - sem orçamento aprovado, não podia pagar contas e servidores. Os europeus, parlamentaristas, não entendiam como aquilo podia estar acontecendo. Os EUA são o único país presidencialista do Ocidente que jamais viu um golpe de Estado. Com a polarização aumentando e figuras autoritárias como Trump pintando em cena, agora isso deixa o terreno das impossibilidades.
Se o presidencialismo parece estar fadado a crises traumáticas e quedas de braço entre executivo e legislativo, por que teimamos em continuar com ele? Ninguém sabe. As respostas passam por questões históricas e culturais (todos os países vizinhos são assim), mas o fato é que já tentaram emplacar a ideia, e o povo não gostou de delegar a uma "elite" a eleição do chefe do governo. A ideia sempre foi forte nos corredores do Congresso. Muitos políticos importantes no Brasil, como Ulysses Guimarães e Fernando Henrique Cardoso, defendiam o parlamentarismo quando discutia-se a Constituição de 1988. A decisão acabou ficando para um plebiscito, realizado em 1993, e o presidencialismo ganhou de lavada, com 69,2% dos votos válidos.
Mas a verdade é que o nosso presidencialismo tem algumas pitadas de parlamentarismo. Talvez as piores: deputados e senadores não governam, mas são capazes de impedir que o Executivo governe. Para resolver esse problema, recorre-se a algumas gambiarras, como a distribuição de cargos na Esplanada dos Ministérios. Quase sempre sem nenhum critério técnico, apenas político. E tome pastas fundamentais controladas por amadores.
Dá para mudar esse sistema? Difícil. Em primeiro lugar porque não damos importância para o Congresso. Em uma pesquisa de 2014, quase metade da população disse não se lembrar de em quem votou para deputado nas eleições anteriores. Outro problema: com 35 partidos políticos, sem coerência ideológica, é difícil pensar em uma coalizão sendo formada sem feira de cargos.
Quando olhamos para os deputados que temos, é possível pensar que, antes de discutir o parlamentarismo, precisamos repensar a nossa relação com o Parlamento. Acompanhar a atuação dos representantes, cobrar coerência ideológica e, bem, votar em gente que possa fazer alguma diferença, e não simplesmente gente famosa.
Seja como for, o sonho de um sistema menos caótico está longe de ser enterrado. Em meio à crise do governo atual, a própria ideia do parlamentarismo foi ressuscitada, e está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal e no Senado. Se nada der certo, bem, os monarquistas estão a postos. João de Orleans e Bragança, trineto de Dom Pedro 2o, foi visto em protestos recentes contra a presidente, dizendo que "a República está com os dias contados".
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