terça-feira, 31 de outubro de 2017

O CHEFE DA CASA IMPERIAL COMENTA OS RESULTADOS DO PLEBISCITO

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[Publicamos a carta-circular que S.A.I.R. o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, dirigiu aos monarquistas brasileiros, em maio de 1993, após a realização do Plebiscito. Transcrevemos o referido documento a partir da cópia publicada no livro “Parlamentarismo, sim! Mas à brasileira: com Monarca e Poder Moderador eficaz e paternal”, de autoria do Prof. Armando Alexandre dos Santos, extraída de transcrição da carta-circular publicada no boletim “Monarquia 93”, de junho de 1993.]

Valoroso e caro monarquista:

Concluída a apuração do recente plebiscito, cedo ao imperativo de meu reconhecimento e de meu afeto por quantos brasileiros votaram a favor da Restauração Monárquica, exprimindo-lhes, num contato pessoal e direto, as reflexões que me vão na alma, na atual conjuntura brasileira. É o que passo a fazer:

1) A mídia ressaltou, sobretudo, a vitória numérica do regime republicano sobre o monárquico. Para isso, ela procurou simplesmente pôr em evidência o contraste entre os números: 44.226.433 votos republicanos contra 6.843.159 votos monárquicos. E esperou, com isto, criar no espírito público a impressão de que a vitória republicana fizera algo de absoluto, de incontestável, talvez mesmo de definitivo.

Mas a mídia errou. Pois ela não contou com a sutileza de análise inerente ao espírito brasileiro, que não se contenta com a linguagem simples (que a nós brasileiros parece mais bem simplória) dos números. E sabe de nascença que o verdadeiro sentido dos fatos se encontra muito mais na riqueza de seus matizes do que no aspecto elementar e insuficientemente expressivo de suas linhas gerias.

É o que se nota no caso presente. Com efeito, a autenticidade das vitórias populares se faz ver, sobretudo, na explosão das grandes alegrias que iluminam e sacodem de entusiasmo as massas vencedoras.

Importa, pois, perguntar que grandes alegrias iluminaram e fizeram vibrar de entusiasmo a maioria republicana, quando da divulgação oficial dos resultados plebiscitários. Em outros termos, alguém jamais viu uma vitória “esmagadora” tão cinzenta e tão sonolenta quando a do republicanismo “triunfante” no dia 21 de abril?

E poderia ser de outra maneira?

A República continua hoje exatamente como começou.

Aristides Lobo, Ministro do Interior do Governo Provisório imposto pelas armas a 15 de novembro de 1889, comentou sobre a implantação da República “que o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”. Transcorridos 104 anos de governo republicano, eis o republicanismo que contempla no mesmo estado de espírito essa sua segunda “vitória”.

E poderia ser de outra maneira?

Em 1889, nossa Pátria contemplou, atônita, o chocho das esperanças que iludiam os promotores do “pronunciamento” de Deodoro, Benjamin Constant e outros. Transcorrido um século, ela contempla o fracasso espantoso dessas ilusões.

Ordeiro, pacto e até afetivo como é, o brasileiro médio não se enfurece, não se indigna e muito menos se revolta.

Porém enganar-se-iam redondamente os que imaginassem que ele não o percebe. E que não guarda no fundo de seu coração o propósito de, dentro da lei e da ordem, trabalhar para pôr categoricamente cobro à situação calamitosa que todos, sem exceção, monarquistas ou republicanos, parlamentaristas como presidencialistas, queremos que cesse.

2) Mas – objetará alguém – por que não foi maior o número dos eleitores que se manifestaram esperançosos em ver na Monarquia o caminho para que o País saia do presente abismo de calamidades nacionais e de desprestígio internacional?

Nós, monarquistas, não temos motivo para nos esquivarmos de responder a esta questão, que a alguns poderia parecer embaraçosa. O ideal monárquico, a República o manteve ditatorialmente sepultado 99 anos, sob a lousa funerária da tristemente famosa “cláusula pétrea”, a qual proibiu, durante esse tempo, qualquer propaganda monarquista.

Isto fê-lo – diga-se de passagem – com um desembaraço caracteristicamente “sans-culotte”, a mesma corrente republicana que, durante a vigência da Monarquia, se beneficiara de uma liberdade completa, para fazer sua propaganda antimonárquica.

Mais pesada do que essa lousa funerária ainda se manifestou a cooperação quase unânime da mídia, durante esse século. Pois, excetuadas algumas tantas vozes monárquicas que, aqui e acolá, se fizeram ouvir em órgãos republicanos, graças a seu grande talento, luminosa cultura e coragem ainda mais luminosa, o Brasil monárquico não teve ocasião de se fazer no modorrento unanimismo republicano, por meio de uma publicidade proporcionada à grandeza da tradição imperial em nossa História, bem como às esperanças políticas acalentadas por milhões de corações brasileiros.

Assim, as sucessivas gerações que vieram se escoando ao longo das décadas desta lenta centúria cravaram fundo no seu subconsciente político a ideia de que a Monarquia, banida de uma vez de nosso Continente com a independência dos Estados Unidos e com a queda da Monarquia no México, e depois no Brasil, se tornara de vez incompatível no solo americano.

Tão fundo se lhe cravara essa convicção que, a não poucos de nossos compatriotas, causaria surpresa deitar a atenção sobre o exemplo naturalmente bem sucedido da Coroa Britânica, a refulgir com êxito e tranqüilidade sobre as imensas vastidões do Canadá.

A uma desinformação tão radical, só poderia remediar um trabalho de esclarecimento sereno, altamente didático, e por isso mesmo vitorioso.

3) Ora, foi precisamente o que faltou ao ideal monárquico, no curto período que mediou entre a sábia e justiceira revogação da “cláusula pétrea” pela Constituinte, e o dia 21 de abril de 1993: ou seja, as entidades monárquicas que se iam constituindo com célere alegria nos mais diversos pontos do solo pátrio contaram apenas com pouco mais de quatro anos de propaganda para demolir a obra de mais de um século de contra-verdades impostas por meio do silêncio pétreo.

Ainda que a causa monárquica dispusesse, nesta ocasião, de todos os recursos com que contou o republicanismo, a competição seria desigual. Sem dúvida, neste pleito, a mídia foi mais aberta aos anseios dos monarquistas brasileiros, do que em anteriores ocasiões. Registramo-lo com simpatia, não sem salientar, entretanto, que atitude unanimemente republicana de toda ela não deixou de impor à causa monárquica uma desigualdade de situação eu cumpre apontar aqui, para que, das páginas desta circular, passe para as da História.

4) Se poucos anos atrás alguém dissesse que 6.843.159 brasileiros se pronunciariam pela Monarquia, o que equivale a dizer que, num grupo de dez eleitores, um é monarquista, passaria por lunático, excêntrico, insensato.

Pois foi dispondo de recursos tão escassos que os monarquistas fizeram descer, da “Lua” à realidade dos fatos concretos esta situação imaginária. O plebiscito revelou que 10,2% dos brasileiros são monarquistas.

Note-se, a tal propósito, que o já curto prazo originariamente concedido à propaganda monárquica ainda foi amputado de 139 dias pela Emenda Constitucional n. 2. Dir-se-ia que a República esperava que, com tal amputação, menos eleitores lhes abandonassem as fileiras, menos lhes caíssem dos galhos.

A atitude não foi equitativa nem elegante. Mas, indiscutivelmente, foi prudente. Pois fugir é a estratégia dos que não sentem outro remédio para evitar a derrocada que os aguarda ao longo do caminho.

5) Quanto a mim, como Chefe da Casa Imperial do Brasil, auxiliado pela fidelidade, pelo ardor, pela dedicação e pelo talento de meus irmãos D. Bertrand e D. Antonio, me cumpre a grata tarefa de convidar os monarquistas brasileiros a que, longe de verem como uma derrota, aplaudam o resultado do plebiscito como um êxito. Como êxito, sim, sobre o marasmo republicano, pois tudo quanto a Monarquia ganhou em condições tão desfavoráveis, foi sobre as hostes eleitorais republicanas que ganhou. Passo a passo. Dia a dia. Em uma aurora de ressurreição monárquica, nos mais diversos pontos de nosso território-continente. Aurora que, desta vez, ainda não teve tempo de fazer-se meio-dia, é certo. Mas também aurora que despertou uma generalidade de entusiasmos, os quais, com ritmos crescentes, e com recursos também crescentes, têm todas as condições para mostrar ao Brasil que este dispõe de uma plenitude dos meios para se reerguer, e para se tornar uma das maiores nações do mundo, quando chegar o meio-dia grandioso de sua história.

Para que essa aurora se faça meio-dia, é preciso que a Monarquia faça sua caminhada, não no terreno poeirento das refregas partidárias, das quais está farta a atenção pública, porém na ação individual, dedicada, infatigável, de cada monarquista junto aos seus familiares, seus íntimos, seus colegas de trabalho, seus companheiros de lazer.

Cumpre para isso que os monarquistas de nossos dias trabalhem para restituir a nossos contemporâneos, à maneira dos brasileiros do Segundo Reinado, o gosto da reflexão política, alimentada em serões familiares, em ambientes sociais, nos círculos intelectuais. Reflexão que, muito mais do que a mídia, assegure ao Brasil autêntico as condições para, por si mesmo, formar seu próprio pensamento, relegando para o plano inferior que lhes toca, as infindáveis discussões sobre interesses partidários, apetites pessoais, difamações recíprocas etc., que constituem o pobre e indigesto manjar dos fornos de nosso presente sistema representativo.

O verdadeiro monarquista – como o vão formando os Conselhos Monárquicos, os Círculos Monárquicos, a Ação Monárquica Feminina, as Frentes Monárquicas e as Juventudes Monárquicas, em todo o Brasil – tem a consciência de que o debate das altas questões ideológicas, esclarecendo e orientando a pesquisa social, o conduzirá ao encontro da solução socioeconômica de nossos problemas. Isto, sim, constitui a via ao longo da qual o País encontrará as suas verdadeiras fórmulas de ser, de trabalhar, de progredir e de vencer.

De imediato, pois, é para este tipo de atividade que convido todos os monarquistas brasileiros. Confluamos todos para junto das mesas de refeição ou de trabalho, em torno das quais a troca de idéias desinteressada e amiga – bem à brasileira – desperte as inteligências, avive as esperanças e contribua para pôr em marcha toda a Nação.

Este convite, não o faço tão-só aos monarquistas, mas a tantos brasileiros republicanos, agora muito explicavelmente desacoraçoados pelo panorama nacional e “agredidos pela realidade”, segundo a pitoresca fórmula norte-americana. Acerquem-se de nós, dêem-nos notícias do que os preocupa. E o façam fraternalmente e sem cerimônia. Tão fraternalmente e tão sem cerimônia que, se é a perspectiva do projeto monárquico um dos fatores da sua preocupação, no-lo digam com transparente franqueza. Quanto a nós, será supérfluo que lhes digamos em quantos pontos a República nos preocupa: pois desta preocupação incontáveis brasileiros participam, tanto monarquistas quanto republicanos.

A hora é para um grande diálogo, precedido de uma grande reflexão.

E, com a mesma franqueza que de ponta a ponta inspira estas linhas, acrescento do fundo de meu coração de católico: esta reflexão, por sua vez, deve ser precedida e seguida de uma comovida e confiante oração.

A História não consagra um só êxito definitivo de uma nação que exclua Deus de suas reflexões, de suas esperanças e de suas ações. Ruiu a Cortina de Ferro. E ali estão, a se contorcer de dor, na confusão, na incerteza e na desordem, os restos do que foi a maior edificação ateia da História, e é hoje a maior ruína que os homens tenham jamais conhecido.

Se ser moderno é escolher esse caminho, suplico a Deus que desvie nosso Brasil desse terrível infortúnio. E lanço meu olhar, com confiança, para o magnífico símbolo sideral que Deus quis incrustar no céu de nossa Pátria. Fito o Cruzeiro do Sul, a cruz de Cristo. Penso no Crucificado, penso na sua Mãe Santíssima; “Stabat Mater dolorosa juxta crucem lacrimosa”. De lá, do alto do Gólgota, procederam todas as graças que fizeram grandes a Igreja Católica e a Civilização Cristã.

A exemplo dos meus maiores, não concebo em nossa caminha outra via senão a que, a partir da Redenção do gênero humano, tem conduzido os povos fieis ao fastígio de grandeza e de ordem que todos conhecemos. Tal fastígio, descreveu-o Leão XIII com palavras magníficas: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados... Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao fervor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa” (Encíclica “Immortale Dei”, de 1-11-1885).

Monarquistas! Unidos neste caminho, e contando com a proteção divina, animados pelo alentador resultado do plebiscito de 21 de abril, continuemos a atuar, tendo “cor unum et animam unam”, para o bem do Brasil.

Luiz de Orleans e Bragança

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