quarta-feira, 27 de maio de 2015

MONARQUIA OU REPÚBLICA? – UM DEBATE RACIONAL

Otto von Habsburg, autor da análise

Nós consideraremos aqui o aspecto formal do Estado -- a questão de monarquia versus república – que, na maioria das vezes, é discutida de um ponto de vista altamente emocional ao invés de racional. 

O debate gira em torno de argumentos ad hominem. Uns poucos ocupantes indignos de tronos reais são citados e apresentados como exemplos da Monarquia como tal. Os defensores da Monarquia não são melhores. Apontam políticos profissionais corruptos, que existem em bom número, e argumentam que esta é a consequência necessária de uma constituição republicana. Nenhum é um argumento racional. Houve monarquias boas e más e repúblicas boas (como a Suíça) e outras que estão longe de alcançar o mesmo nível. Cada instituição humana, no final das contas, tem seus lados bons e maus. Uma vez que este mundo é habitado por homens e não por anjos, os crimes e os erros continuarão a ocorrer... 

Os republicanos gostam de afirmar que um regime monárquico significa o domínio da aristocracia. Monarquistas, por sua vez, apontam as dificuldades econômicas, os impostos e a interferência do Estado na vida privada em repúblicas atuais e comparam estes casos com a liberdade e bem-estar econômico sob as monarquias pré-1914. Ambos os argumentos são inconvincentes. Usam o velho truque propagandista de comparar resultados obtidos por causas inteiramente distintas. Qualquer um com intenções honestas compararia monarquias atuais com as repúblicas atuais. Será então visível que a aristocracia por nascimento não ocupa nas monarquias nenhuma posição mais importante do que nas repúblicas, e que todos os Estados, qualquer que seja sua forma de governo, são afetados igualmente pelos problemas sérios dos dias atuais. Os republicanos argumentam frequentemente, além disso, que a monarquia é uma forma de governo que pertence ao passado, enquanto a república é a do futuro. Mesmo um conhecimento superficial de História é suficiente para desmentir isto. 

Ambas as formas existem desde os tempos mais antigos (embora os períodos monárquicos tenham geralmente durado consideravelmente mais do que os republicanos). Em todo o caso, é enganador chamar uma instituição que nós já encontramos na Grécia antiga, em Roma e em Cartago, como a forma de governo do futuro. Em uma discussão objetiva, nós devemos atribuir a esta pergunta seu lugar apropriado em nossa hierarquia dos valores. Não é por acaso que nós falamos da “forma” de governo. Há uma diferença grande entre a “forma” e o “conteúdo” -- ou a finalidade -- do Estado. O último é sua raison d'etre essencial, sua verdadeira alma. A primeira corresponde à forma corporal de ser vivo. Essa não pode certamente existir sem o outro; mas em toda a hierarquia sã dos valores a alma ocupa um lugar mais elevado do que o corpo. A finalidade essencial do Estado, seu “conteúdo”, é enraizada na lei natural. 

O Estado não é um objetivo em si; ele existe para a causa de seus cidadãos. Não é, conseqüentemente, a fonte de toda a lei (uma asserção que ainda está longe de ser universalmente aceita), nem é todo-poderoso. Sua autoridade está circunscrita pelos direitos de seus cidadãos. Está somente livre para agir naqueles campos que estiverem fora da livre iniciativa dos cidadãos. O Estado é consequentemente sempre um servidor da lei natural. Sua tarefa é dar um efeito prático a esta lei; nada mais. Se a missão do Estado for a aplicação prática da lei natural, a forma de governo é o meio pelo qual a comunidade tenta atingir este objetivo. Não é um fim em si. Isto explica a importância relativamente secundária de toda esta questão. Indubitavelmente é importante a escolha do meio correto, uma vez que esta escolha determinará se o objetivo será ou não alcançado. Mas o que é central na vida política é somente a lei natural. A tentativa de aplicar esta lei na prática terá que sempre levar em conta as circunstâncias atuais. 

Falar de uma forma de governo eternamente válida, ideal sob todas as circunstâncias, demonstra ignorância e presunção. 

A partir do exposto, se poderia concluir que é infrutífero tentar determinar – principalmente a partir de premissas filosóficas erradas -- o valor objetivo de uma ou outra forma de governo. A discussão somente se tornará frutífera se nós mantivermos na mente a finalidade a que cada forma pretende se destinar. Consequentemente não é uma questão de investigar que valor nós devemos agregar às monarquias ou às repúblicas em si. O que nós devemos nos perguntar é qual forma oferece as melhores possibilidades de proteger a lei natural sob as circunstâncias atuais. Uma vez que este ponto foi esclarecido, nós podemos passar a outros dois problemas, que frequentemente são trazidos a esta discussão e ameaçam contaminar todo o ambiente. Há uma controvérsia constante sobre a relação entre monarquia e república com a democracia. 

Aqui outra vez nós encontramos o modo de pensar distorcido característico de nossa era de slogans e propaganda. O conceito da democracia tornou-se infinitamente elástico. Na Rússia é compatível com execuções em massa, polícias secretas e campos de trabalhos forçados. Na América, por outro lado -- e ocasionalmente na Europa – mesmo os teóricos políticos são frequentemente incapazes de distinguir entre o republicanismo e a democracia. Além disso, ambas as palavras são usadas para designar concepções e características que se distanciam do campo político e pertencem à esfera econômica ou sociológica. Deve-se conseqüentemente indicar claramente que, genericamente falando, democracia significa o direito dos povos de participar na determinação de seus próprios desenvolvimento e futuro. Se nós aceitarmos esta definição, nós veremos que nenhuma das duas formas clássicas de governo é naturalmente ligada com a democracia. A democracia pode existir sob ambas as formas, assim como existem repúblicas autoritárias tanto quanto monarquias. Monarquistas, na verdade, sustentam freqüentemente que as funções da democracia são melhor exercidas sob uma monarquia do que sob uma república. 

Houve, no Brasil, um governante mais zeloso pelo bem do povo do que Dom Pedro II?

Se nós olharmos para a Europa atual, há certamente alguma verdade nesta afirmação, embora sua validade deva ser restringida no tempo e no espaço. Ao mesmo tempo, é necessário indicar que nos Estados pequenos, que são enraizados fortemente em suas tradições, como a Suíça, democracia e república podem coexistir com sucesso. Ainda mais calorosamente discutidas são as questões entre monarquia e socialismo e entre república e socialismo. A principal razão para isto está em que nos países de língua germânica a grande maioria dos partidos socialistas oficiais é em princípio republicana. Daí nós encontrarmos entre mentes estreitas e não educadas a opinião de que socialismo e monarquia são incompatíveis. Esta opinião é devido a uma confusão básica. O socialismo -- ao menos em sua forma atual -- é essencialmente um programa econômico e social. Não tem nada a ver com a forma de governo. O republicanismo de alguns partidos socialistas não deriva de seus programas reais, mas é devido à opinião pessoal de seus líderes. Isto é mostrado pelo fato que a maioria dos partidos socialistas europeus realmente poderosos não é republicana mas monarquista. Este é o caso da Grã Bretanha, da Escandinávia e da Holanda. 

Em todos estes países nós encontramos não somente excelentes relações existentes entre a Coroa e os socialistas, como não se pode escapar da impressão de que uma Monarquia fornece um solo melhor para partidos operários do que uma República. Em todo o caso, a experiência mostra que o socialismo permanece por muito mais tempo no poder sob uma monarquia do que sob uma república. Um dos grandes líderes do Partido Trabalhista Britânico explicou este fato pela influência moderadora da Coroa, que permitiu aos socialistas levar seu programa mais lentamente, mais razoavelmente, e também com mais sucesso. Ao mesmo tempo, uma força que está acima dos partidos representou uma proteção suficiente à oposição, de modo que esta não necessitasse recorrer a medidas extremas a fim de retomar o poder. Tais fatores poderiam levar a desenvolvimentos mais tranquilos. Se isto é ou não verdadeiro, os fatos provam que é injustificado desenhar uma linha divisória artificial entre monarquia e socialismo, ou entre monarquia e democracia clássica. O mesmo aplica-se à república. Um outro ponto deve ser mencionado. É a confusão, freqüente particularmente entre aquelas pessoas não treinadas na ciência política, entre a monarquia como uma forma de governo e uma ou outra dinastia monárquica; ou seja a confusão entre o monarquismo e o legitimismo. 

Legitimismo, um laço especial com um pessoa ou um dinastia, é algo que dificilmente pode ser discutido em termos razoáveis e objetivos. Relaciona-se com sentimentos subjetivos, e conseqüentemente é defendido ou criticado por argumentos ad hominem. Qualquer discussão racional de problemas atuais deve conseqüentemente fazer uma distinção clara entre monarquismo e legitimismo dinástico. A forma de governo de um Estado é um problema político. Deve conseqüentemente ser discutida independentemente da família ou pessoa que está, ou esteve, na chefia do Estado. Mesmo nas monarquias as mudanças dinásticas ocorrem. Em todo o caso, a instituição é de uma importância muito maior do que seu representante; o último é mortal enquanto a primeira é, historicamente falando, imortal. Examinar uma forma de governo meramente com um olho em seu representante atual conduz a resultados grotescos. As repúblicas, neste caso, teriam que ser julgadas não em bases políticas, mas de acordo com o carácter de seus presidentes. Isto, naturalmente, seria extremamente injusto. 

S.A.I.R. o Príncipe Dom Luiz, Chefe da Casa Imperial e legítimo Imperador do Brasil

Deve-se acrescentar que entre os protagonistas do monarquismo na Europa republicana, há relativamente poucos legitimistas. O rei Alfonso XIII da Espanha observou uma vez que o legitimismo não pode sobreviver uma geração. Ele é valioso onde existe uma forma de governo tradicional, fortemente estabelecido, com que a maioria dos cidadãos está satisfeita. Mas este tipo do legitimismo pode ser encontrado nas repúblicas tanto quanto em monarquias. Pode-se falar de legitimismo republicano na Suíça e nos Estados Unidos assim como se pode falar do legitimismo monárquico na Grã Bretanha e na Holanda. Na maioria dos países de Europa, certamente têm havido mudanças tão profundas no decorrer dos séculos que o legitimismo é encontrado menos freqüentemente. Sob tais circunstâncias, é particularmente perigoso recorrer-se a argumentos emocionais. Nós estamos agora em posição para definir o que compreendemos por uma monarquia e por uma república. 

Monarquia é aquela forma de governo em que o chefe de Estado não é eleito, baseia seu ofício em uma lei mais elevada, com o argumento de que todo o poder deriva de uma fonte transcendental. Em uma república, o cargo mais elevado do Estado é eletivo e então deriva sua autoridade de seus eleitores, isto é, do grupo particular que o elegeu. Deixando de lado considerações puramente emocionais, há bons argumentos para ambos as formas básicas de governo. Os argumentos mais importantes a favor da república podem ser resumidos como segue: Em primeiro lugar, as repúblicas são, com poucas exceções, seculares. Não requerem nenhuma apelação a Deus a fim de justificar sua autoridade. Sua soberania, a fonte de sua autoridade, deriva do povo. Em nossa época, que se afasta cada vez mais de conceitos religiosos, ou ao menos os considera pertencentes ao reino da metafísica, conceitos constitucionais seculares e uma forma de governo secular são mais aceitáveis do que uma forma baseada, em última instância, em idéias teocráticas. Além disso, é mais fácil para uma república adotar uma versão secular dos Direitos Humanos. A vantagem que esta forma de governo oferece pareceria então ser que ela está mais de acordo com o espírito da nossa época e conseqüentemente de grande parte da população.Some-se a isso que a escolha do Chefe de Estado depende não de um acidente de nascimento, mas da vontade do povo ou de uma elite. O mandato presidencial é limitado. Ele pode ser removido e, se se mostrar incapaz, é "fácil" substituí-lo. Sendo ele próprio uma "pessoa comum", está mais perto da "vida real". E se espera que, com melhor educação, as massas se tornarão cada vez mais capazes de escolher o homem certo. 

Em uma monarquia, por outro lado, uma vez que um mau dirigente tenha ascendido ao trono, é quase impossível removê-lo sem derrubar o regime. E por último afirma-se que o fato de qualquer cidadão poder, ao menos teoricamente, se tornar o presidente encoraja um senso de responsabilidade política e ajuda a população a atingir a maturidade política. O caráter patriarcal de uma monarquia, por outro lado, estimula os cidadãos a confiarem no seu governante e a deixar toda a responsabilidade política sobre os seus ombros. A favor da monarquia os seguintes argumentos são citados: A experiência demonstra que os reis usualmente governam melhor e não pior do que os presidentes. Há uma razão prática para tal. Um rei nasceu para o seu ofício. Ele cresce nele. Ele é, no mais exato sentido da palavra, um “profissional”, um “expert” no campo de negócio de Estado. Em todos os aspectos da vida, o expert plenamente qualificado é melhor do que o amador, por mais brilhante que este seja. Particularmente em assuntos difíceis e altamente técnicos – e o que é mais difícil do que o Estado moderno? -- conhecimento e experiência se sobrepõem ao brilhantismo. Certamente existe o perigo de que um incompetente possa subir ao trono. 

Mas não foi Hitler escolhido como líder e um Warren Harding eleito presidente? Nas clássicas monarquias da Idade Média era quase sempre possível substituir um sucessor ao trono obviamente incapaz por alguém mais adequado. Foi somente com a decadência do monarquismo, na época do despotismo da corte de Versalhes que estas fórmulas corretivas foram descartadas. Nada seria mais apropriado numa moderna monarquia do que a instituição de um tribunal judicial que poderia, se necessário, intervir para alterar a ordem de sucessão ao trono. Ainda mais importante do que as qualificações profissionais do Rei é o fato de que ele não é ligado a qualquer partido. Ele não deve sua posição a um corpo de eleitores ou ao apoio de interesses poderosos. Um Presidente, por outro lado, está sempre em débito com alguém. Eleições são caras e difíceis de enfrentar. A força do dinheiro e das grandes organizações de massas sempre se fazem sentir. Sem a sua ajuda é quase impossível se tornar Chefe de Estado em uma República. Tal apoio não é, entretanto, dado por nada. O Chefe de Estado permanece dependente daqueles que o auxiliaram na conquista. Por conseqüência, o Presidente não é o Presidente de todo o povo, mas somente daqueles grupos que o auxiliaram a obter o cargo. Desta maneira, partidos políticos ou grupos de interesses econômicos podem conquistar as mais altas posições de comando do Estado, as quais não mais pertencem a todo o povo, mas, temporária ou permanentemente, se tornam um domínio privilegiado de um outro grupo de cidadãos. O perigo consiste, assim, em que uma República deixe de ser a guardiã dos direitos de todos os cidadãos. 

Isto, tal como sublinhado pelos monarquistas, é particularmente perigoso nos dias de hoje.

Hoje os direitos individuais e dos grupos minoritários estão em maior perigo do que nunca. Poderosos aglomerados financeiros e grandes e poderosas organizações estão, geralmente, em toda a parte, ameaçando os “pequenos”. Particularmente, em uma democracia é muito difícil para estes se fazerem ouvir, uma vez que esta camada da população não pode ser facilmente organizada e não tem grande importância econômica. Se mesmo o pináculo do Estado está nas mãos de partidos políticos, não haverá ninguém para quem os fracos possam se voltar em busca de ajuda. Um dirigente monárquico, por outro lado, -- assim se tem afirmado – é independente e está lá para todos os cidadãos igualmente. Suas mãos não estão atadas pelos poderosos e ele pode proteger os direitos dos mais fracos. Particularmente em uma era de profundas transformações econômicas e sociais, é da maior importância que a Chefia de Estado deva permanecer acima dos partidos... 

E, finalmente, a Coroa contribui para a vida política com a estabilidade, sem a qual, nenhum grande problema pode ser resolvido. Em uma república, esta firme fundação está faltando. Quem quer que esteja no poder deve obter um sucesso positivo no mais breve intervalo de tempo possível, de outro modo não será reeleito. Isto leva a políticas de curto prazo, que não serão capazes de lidar adequadamente com problemas do âmbito da história mundial. Há mais um ponto que nós devemos considerar antes que possamos responder à pergunta sobre qual forma de governo servirá melhor à comunidade no futuro. Falando de uma maneira geral, repúblicas democráticas representam um regime dominado pelo Legislativo, enquanto regimes autoritários são dominados pelo Executivo. O Poder Judiciário não tem tido a primazia por um longo tempo, como nós demonstramos acima. Ele teve sua primeira expressão nas Monarquias Cristãs. É freqüentemente esquecido que o verdadeiro dirigente tem sido sempre o guardião da Lei e da Justiça. Os mais antigos monarcas – os reis da Bíblia – vêm da classe dos juízes. S. Luís de França considerava a administração da Justiça a sua mais nobre tarefa. O mesmo princípio pode ser visto nos muitos Palatinatos alemães, pois o Conde Paladino (Palatinus) era o guardião da Lei e da Justiça delegado pelo Rei-Imperador. A história das grandes monarquias medievais mostra que o poder legislativo do rei – mesmo de um rei tão poderoso quanto Carlos V—era extremamente limitado por autonomias locais. 

O mesmo é verdade para as funções executivas do governante. Ele não era, em primeiro lugar, um legislador ou o chefe do executivo; ele era um juiz. Todas as outras funções eram subordinadas, e eram exercidas somente na medida necessária para tornar a função judicial efetiva. A razão para este arranjo institucional é clara. O juiz deve interpretar o sentido da lei e da justiça e, para fazer isto, deve ser independente. É essencial que ele possa não dever sua posição, sua função, a nenhum homem. O mais alto juiz, pelo menos, deve estar nesta posição. Isto somente é possível sob uma monarquia. Pois em uma república, mesmo o mais elevado guardião da lei obtém sua posição de alguma outra fonte, perante a qual ele é responsável e da qual permanece dependente em algum grau. Este não é um estado de coisas satisfatório. Sua tarefa mais importante não é presidir julgamentos em disputas legais, mas permanecer em guarda sobre os propósitos do Estado e da lei natural. Sobre tudo, é tarefa do juiz supremo verificar que toda a legislação esteja de acordo com os princípios fundamentais do Estado, isto é, com a lei natural. 

O direito de veto do monarca a leis aprovadas pelo parlamento é um remanescente desta antiga função... 

A futura forma do Estado será alguma coisa inteiramente nova, alguma coisa que representará princípios de validade eterna numa forma apropriada para o futuro, sem os erros do passado... 

O caráter hereditário da função monárquica encontra sua justificativa não apenas na capacidade profissional do herdeiro do trono. Nem é meramente uma questão de continuidade no vértice da hierarquia política, ainda que esta continuidade seja altamente desejável quando houver uma questão de planejamento para as gerações futuras. A sua mais profunda justificativa repousa no fato de que o dirigente hereditário deve sua posição não a um ou outro grupo social, mas à vontade de Deus somente. Este é o verdadeiro significado das freqüentemente mal entendidas palavras “pela graça de Deus”, as quais sempre significam um dever e uma tarefa. Seria errado para um governante pela graça de Deus considerar a si próprio como um ser excepcional. Ao contrário, as palavras “pela graça de Deus” devem lembrá-lo de que ele não deve sua posição aos seus próprios méritos, mas precisa provar sua aptidão através de incessantes esforços pela causa da Justiça. Enquanto há muito a ser dito a favor de uma transmissão hereditária da suprema posição do Estado, há também um sério obstáculo, que já foi mencionado. Se a sucessão ocorre automaticamente, existe a possibilidade que o trono venha a ser ocupado por um incompetente. 

Este é o grande risco do sistema monárquico. Por outro lado, este risco data somente do período em que o legitimismo inflexível de Versalhes veio à tona e as salvaguardas presentes de uma forma ou de outra na maioria das monarquias clássicas desapareceram. Tais salvaguardas teriam assim de ser acrescentadas em qualquer constituição monárquica futura. Seria errado colocar esta tarefa nas mãos de corpos políticos, pois isto abriria as portas para interesses privados. A decisão deveria caber a um tribunal judicial. O Rei, como supremo juiz constitucional do Estado, não pode exercer sua função no vácuo. Ele deve ser assistido por um corpo que represente a mais alta autoridade judicial da qual ele é o cabeça. É este corpo que deveria se pronunciar sobre se uma lei ou um regulamento é constitucional, isto é, de acordo com o propósito do Estado. Quando o governante morrer os outros juízes continuarão no trabalho. Seria seu dever se pronunciar sobre a adequação do herdeiro presuntivo e, se necessário, substituí-lo pelo próximo na sucessão. A atividade do Chefe de Estado irá, sem dúvida, além do terreno puramente judicial. Ele terá de controlar o Executivo, uma vez que é seu dever verificar se as decisões do Poder Judiciário são colocadas em prática. Não obstante, todas essas tarefas permanecerão de importância secundária. 

É na sua função judicial que um monarca do século vinte encontrará sua justificativa primária.



FONTE:
1 Seleção extraída do capítulo The State in the Twentieth Century, do livro The Social Order of Tomorrow (Londres: Oswald Wolff, 1958), onde o autor afirma que hoje, mais do que nunca, a Monarquia tem um lugar no mundo moderno e pesa as diferentes vantagens e desvantagens das formas de governo monárquica e republicana. 

2 O Arquiduque Otto von Habsburg (nascido em 1912) foi o último príncipe herdeiro da Monarquia Austro-Húngara e é o atual chefe da Casa de Habsburg e, portanto, pretendente ao trono da Áustria e Hungria. Ele é o autor de vários livros e de muitos ensaios em jornais acadêmicos da Europa e América. Ele tem doutorado em Filosofia pela Universidade de Louvain. Um de seus principais interesses tem sido a ideia do Pan-Europeísmo e ele tem feito um bom número de conferências e escrito artigos sobre a necessidade da unidade continental.

OBS: O arquiduque Oto morreu em Pöcking, em 4 de julho de 2011, aos 98 anos de idade. Seu corpo foi sepultado na Cripta Imperial de Viena juntamente com sua esposa, que teve seus restos trasladados do Veste Heldburg. Seu coração foi enviado para a Abadia Beneditina de Pannonhalma, na Hungria. Portanto, o atual herdeiro do Trono Imperial Austro-húngaro é o Arquiduque Carlos de Habsburgo-Lorena, filho de Oto.

DEUS SALVE O BRASIL!

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