sábado, 18 de julho de 2015

DOM PEDRO, IMPERADOR DA IBÉRIA

Brasil, Portugal, Espanha e Grécia quase estiveram unidos sob a Coroa de Pedro I

Rei da Grécia

Após cerca de quatrocentos anos de domínio opressivo turco, as antigas províncias do Império Romano do Oriente (Império Bizantino) na região dos Bálcãs estavam conseguindo sua liberdade. Apesar da recusa dos países ocidentais em colaborar com as insurreições contra o Império Otomano, diversos europeus se voluntariaram espontaneamente para combater ao lado dos cristãos orientais. Contudo, não havia Casas Principescas, Reais ou Imperiais nativas nos países balcânicos. A dinastia comnena e a dinastia paleóloga, que imperaram em Constantinopla, tinham-se extinguido cerca de quatrocentos anos antes. A Grécia, um dos novos países que surgiram das insurreições que perduraram por todo o século XIX, buscou um príncipe estrangeiro para ocupar seu trono vago.

Um enviado grego, o capitão Nikolaou Kiefala, chegava com uma grande lista de autoridades e revolucionários gregos que apoiavam sua missão. Em carta datada de 16 de abril de 1822 e endereçada à “Alteza Real”, comparava D. Pedro I a Constantino, fundador de Constantinopla, capital do Império Romano, no século IV, e que agora sediava o Império Otomano: “o olhar da Grécia volta-se para a escolha de um Chefe Soberano dentre um digno e legítimo sucessor deste fundador de Constantinopla, sustentáculo da Religião Cristã”. A carta foi enviada a Lisboa para conquistar a simpatia de D. João e de seu filho D. Miguel, e uma cópia seguiu para o Rio de Janeiro, onde só chegou após a Independência do Brasil. 

Pedro, apesar de membro da Casa de Bragança (que por sua vez era um ramo português da dinastia capetiana), era descendente dos imperadores romanos da dinastia comnena e paleóloga. Para os portugueses, a proposta era-lhes muito interessante, pois acreditavam que com o príncipe longe do Brasil poderiam impedir a independência do Brasil e retorná-lo à condição de simples colônia. É possível que a estratégia dos gregos, mesmo que não conseguissem um príncipe português para liderar a luta pela sua libertação nacional – o que de fato não ocorreu –, tenha sido conquistar o apoio de uma nação próxima à Inglaterra, uma vez que a grande potência europeia não havia se manifestado a favor da causa helênica. E nenhum país era mais próximo da Coroa britânica nessa época do que Portugal. 





Com a recusa de Pedro, os gregos optaram em 1832 pelo príncipe Oto da Casa de Wittelsbach como seu rei e após sua deposição, ocorrida em 1862, escolheram Jorge, príncipe da Dinamarca, da Casa de Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glücksburg, ramo cadete da dinastia de Oldemburg.

Rei da Espanha e Imperador da Ibéria

A Espanha passava por um período de repressão sem precedentes desde a restauração da Casa de Bourbon ao trono com a queda de Napoleão Bonaparte. Fernando VII, Rei da Espanha e irmão de Carlota Joaquina, completamente inabalável em relação ao seu sentimento absolutista, extingue a constituição e ordena a prisão em massa dos espanhóis que defendiam o liberalismo. A imprensa foi censurada e eliminou-se qualquer vestígio das garantias individuais. A Espanha entra num caos que perduraria durante todo o século XIX até o final da Guerra Civil espanhola na primeira metade do século XX. Os conflitos entre absolutistas e liberais atingem proporções internacionais, criando instabilidade também nos países vizinhos, como Portugal e França.

Em 1826, os liberais espanhóis ofereceram a coroa de seu país ao Imperador Dom Pedro I do Brasil, a quem consideravam um "bem-feitor dos Povos" e muito "digno", e que resultaria na unificação do Império do Brasil, do Reino de Portugal e dos Algarves e do Reino da Espanha sob sua pessoa. Em carta datada de 24 de agosto de 1826. O documento apela para o lado constitucional do Imperador. A certa altura, afirma que “as grandes ações de um Rei levam sempre consigo um brilho proporcional aos benefícios que produzem aos povos, e os traços com que [Vossa Majestade] assombrou o mundo arrancam admiração até dos que não podem usufruir de seus benefícios.” Após valorizar o perfil voluntarioso no caso brasileiro e a defesa de uma Constituição em Portugal, faz o convite: “queira Deus que os direitos que a Lei fundamental e o voto dos bons espanhóis reconhecem em [Vossa Majestade Imperial e Real] ao trono constitucional de nossa pátria lhe acrescentem a tripla coroa de que tão digno se mostra! Queiram os céus ouvir nosso apelo e o gemido da desolada Espanha e inspirar [Vossa Majestade] para este desgraçado país (que só em vós vê sua última esperança)”. Por fim, afirma que os espanhóis já o acatam como “seu presumido príncipe”.  Mas não o aceitou, alegando que era necessário primeiramente consolidar o império brasileiro e repetira tal asserção três anos mais tarde, após uma nova proposta por parte dos espanhóis.

Contudo, a situação se agravou na Espanha durante este período com o falecimento de Don Fernando VII. Seu herdeiro era seu irmão mais novo, Don Carlos, mas o rei modificara as regras de sucessão para beneficiar sua filha, Isabel, que se tornou rainha com a sua morte. Don Carlos não aceitou a perda do trono e aliou-se aos absolutistas, que formaram a facção dos carlistas que viria a causar grandes problemas a Espanha durante todo o século XIX. 

Mais uma vez os espanhóis voltam à carga, em 1830, mas em conluio com portugueses. Segundo Corrêa da Costa, sociedades secretas da Espanha e de Portugal haviam se confederado e resolvido oferecer a D. Pedro o título de imperador da Ibéria, preparando uma aclamação nos dois países. Um representante dessas sociedades foi enviado ao Rio de Janeiro, chegando ao seu destino em 1831. Não se sabe qual foi o resultado dessa missão secreta, mas alguns historiadores já relacionaram o evento com o fim do governo de D. Pedro, que se daria exatamente em abril de 1831. A especulação é que a empreitada em Portugal a fim de derrotar o absolutismo de D. Miguel era apenas uma parte do plano do duque de Bragança. No horizonte mais longínquo, afirmou-se, estaria a reunificação dos tronos ibéricos e a formação de um novo e poderoso império multicontinental – não contava, entretanto, com o seu fim precoce, logo após a vitória na desgastante guerra civil portuguesa. D. Pedro morreu em Portugal, em 24 de setembro de 1834.

Se tudo tivesse dado certo, Dom Pedro seria Imperador de um vasto império que se estenderia de Cuba, passando pelo Brasil, Portugal, Espanha, pelo continente africano nas colônias de Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe, e atingindo no extremo oriente em Macau e nas Filipinas.


FONTES:
  • COSTA, Sérgio Corrêa da. As quatro coroas de D. Pedro I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p.173
  • CALMON, Pedro. História da civilização brasileira. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002, p.192
  • LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
  • HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
  • CASTILHOS, Carlos Daniel de. “A Casa de Bragança e a coroa grega: uma cartada nas relações internacionais da Grécia revolucionária em 1822”, in XIV Encontro Regional da ANPUH-Rio. Rio de Janeiro: ANPUH, 2010.

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