terça-feira, 16 de agosto de 2016

Elogio a Monarquia: o capítulo do livro "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" - I


O jornalista Leandro Narloch levantou estudos recentes sobre a História do Brasil para reavaliar conceitos arraigados - o ideal do bom selvagem e o massacre da Guerra do Paraguai, por exemplo - e desconstruir mitos - alguns dos autores mais incensados da Língua Portuguesa, como Machado de Assis. O resultado de pesquisas de historiadores que não se renderam à educação tradicional à qual todos somos passados a ferro na escola surge no livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” num texto bem humorado e fluido que nos leva a refletir sobre os papéis de mocinho e bandido. Baseado em farta bibliografia, Narloch revê o Brasil e traz a luz histórias que poderiam ficar restritas às estantes especializadas das livrarias. O livro está dividido em nove capítulos: Índios, Negros, Escritores, Samba, Guerra do Paraguai, Aleijadinho, Acre, Santos Dumont e Comunistas. Sem negar as qualidades ou os erros que a História do país e alguns brasileiros acumularam ao longo de cinco séculos, Narloch propõe um olhar mais curioso e menos acomodado. A nova edição do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil está maior e ainda mais polêmica! Narloch decidiu explorar temas espinhosos, como as vantagens de uma Monarquia tão duradoura, e mostrar que as acusações que os Bandeirantes sofreram foram exageradas. Desde seu lançamento, há um ano e meio, foram vendidos mais de 120 mil exemplares. Leia abaixo o capítulo “Elogio a Monarquia”, que consta da nova edição da obra.

Se você teve um professor ranzinza nas aulas de história da escola, deve ter aprendido a se envergonhar do Brasil do século 19. Enquanto revolucionários e libertadores de boa parte do mundo travavam batalhas heroicas e conseguiam se livrar das garras das elites e dos países colonialistas, por aqui não aconteceu nada, nada: ficamos sempre no quase. As revoltas populares quase deram certo, mas foram sufocadas; os heróis quase venceram, mas foram perseguidos e mortos. As mudanças que aconteceram foram todas de cima para baixo, com pouca participação do povo. Fomos o último país a abo-lir a escravidão, o último a proclamar a República. Até a Independência decepciona, já que foi proclamada pelo próprio príncipe do reino português no Brasil.

Quando o professor revelava esse passado monótono, baixávamos a cabeça desanimados com a história nacional. Mal imaginávamos que aquele aparente fracasso era motivo, se não de orgulho, pelo menos de alívio.Basta ver o século 19 pelo lado dos nossos vizinhos.As revoluções populares da América espanhola foram vitoriosas – e deram, quase todas, em tragédia. Guerras civis, ditaduras e assassinatos em massa brotaram do México à Argentina, com o Chile como única exceção. A região se despedaçou, dando origem a diversas e pequenas repúblicas inimigas entre si. A Venezuela, depois de se ver livre da Espanha e se separar do vice-reinado da Grande Colômbia, caiu em guerras civis e raciais com resultados genocidas. A estimativa de mortos nos conflitos venezuelanos varia muito, mas é sempre assustadora: vai de 3%a 30% da população.

Na Argentina, as decisões ficaram nas mãos de caudilhos, líderes militarizados cheios de virilidade, bravura e proezas equestres, como Juan Manuel de Rosas e Facundo Quiroga. Quando esses homens chegavam ao poder, fechavam jornais, interrompiam eleições e praticavam atrocidades contra os inimigos e o povo em geral.

A autonomia teve contornos bizarros no Paraguai. O primeiro presidente, José Gaspar Rodríguez de Franci a,expulsou todos os empresários e comerciantes do país e decidiu se meter até mesmo na vida sexual dos cidadãos.Só casamentos inter-raciais eram permitidos para os descendentes de europeus: os homens eram obrigados a casar com as índias. Em toda a América Espanhola, a economia foi à ruína, e demorou décadas para voltar aos níveis anteriores às revoluções.O Brasil tomou um rumo diferente não só por ignorara voz do povo, por “pressão dos grandes proprietários de terras”, como geralmente se diz, ou por uma suposta mania do brasileiro de deixar as coisas como estão. Os mais influentes deputados, senadores, ministros e conselheiros do Estado eram tão idealistas quanto os libertadores da América, mas de uma ideologia que desprezava revoluções, mudanças bruscas e atos heroicos contrários à realidade.

Num livro já clássico, A “Construção da Ordem”, o historiador José Murilo de Carvalho revelou o perfil comum dos políticos e magistrados daquela época. A maioria deles tinha uma formação profissional e ideológica muito parecida: eram bacharéis formados na Universidade de Coimbra, um dos polos do pensamento conservador da Europa.No fim do século 18 e começo do século 19, quem quisesse ser político, advogado, juiz ou funcionário público de um bom escalão tinha que estudar fora do Brasil. Como ainda não havia faculdades de Direito por aqui(as primeiras, de São Paulo e Olinda, são de 1828), quase todos os jovens mais ricos se mudavam para Portugal.Entre 1822 e 1831, todos os ministros brasileiros que tinham educação superior haviam estudado em Portugal – 72% deles em Coimbra. Enquanto as teorias flamejantes que motivaram a Revolução Francesa tomavam o mundo,a Universidade de Coimbra tentava manter seus alunos à distância das ideias libertárias da moda. “Coimbra foi particularmente eficaz em evitar contato mais intenso de seus alunos com o Iluminismo francês, politicamente perigoso”, afirma José Murilo de Carvalho em “A Construção da Ordem”

Era preciso contrabandear livros de Voltaire e Rousseau, pois a universidade os proibia. O iluminismo propagado em Coimbra era mais comedido e cauteloso. Os estudantes liam Adam Smith, o pai do liberalismo econômico, e Edmund Burke, o pai do conservadorismo britânico – dois autores que foram traduzidos para o português por José da Silva Lisboa, o Visconde Cairú.

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