Para o príncipe Joachim da Dinamarca, sua vida de aristocrata não tem nada de
extraordinária e está muito distante da ideia hollywoodiana da realeza
Por Daniela Pessoa
Atualizado em 19 ago 2016, 12h35
Filho mais novo da rainha Margrethe II, o príncipe Joachim da Dinamarca, conde de Monpezat, é o sexto na linha de sucessão do trono, depois de seu irmão Frederik e seus quatro sobrinhos. Nessa condição, não é de impressionar que ele tenha se dedicado a estudar agronomia em paralelo à carreira militar no Exército Real, e até trabalhado na multinacional Maersk, com sede em seu país e uma das maiores companhias de navegação do mundo. É apaixonado pelas corridas de carro e já disputou provas na categoria GT em que dirigia uma BMW devidamente envenenada. Joachim, de 47 anos, é casado desde 2008 com a francesa Marie Cavallier, com quem tem dois filhos (tem outros dois, de uma união anterior, com a britânica Alexandra Manley). Em sua quarta visita ao Brasil, o príncipe dinamarquês aproveitou para curtir o Rio em meio à Olimpíada. Hospedado em um hotel quatro estrelas em Copacabana, ele falou a VEJA sobre suas impressões dos jogos, do Rio e do Brasil. Membros do protocolo real, entretanto, recomendaram à reportagem que se abstivesse de fazer perguntas de cunho político e sobre a intimidade da família real (como, por exemplo, a sua relação sabidamente tensa com o irmão mais velho). Ainda assim, o príncipe que, dias antes, havia andado de bicicleta na ciclovia de Ipanema, mostrou-se de uma simplicidade surpreendente. Depois de uma conversa em que fez questão de ser chamado de “você”, saiu para fumar do lado de fora do hotel, em pé na calçada, onde foi abordado por uma vendedora de panos de prato. Confira abaixo a entrevista.
-Assim como todo mundo, ou a maioria das pessoas, eu achava que o Brasil era o país do samba e da floresta tropical. Depois, percebi que era um centro de negócios na América do Sul e uma nação altamente sofisticada, high tech. Não se constrói uma empresa como a Embraer sem dominar tecnologia. Um teleférico tão complexo quanto o do Pão de Açúcar, no Rio, exclusivamente para fins turísticos, também é algo surpreendente.
-Curioso você dizer isso, porque nós, brasileiros, costumamos criticar a falta de investimento em ciência e tecnologia.
-Vocês podem criticar, praguejar, fazer o que quiserem, mas o Brasil começou tarde a sua Revolução Industrial e logo se transformou em uma potência no campo aeronáutico, por exemplo. Um país não faz isso porque quer, mas porque pode. Fico muito feliz em declarar, ainda, que vocês estão na frente de muitos países europeus no quesito sustentabilidade e gestão de resíduos. Mas é claro que ainda há um longo caminho a percorrer, porque as cidades brasileiras são muito grandes.
-A Dinamarca tem interesses comerciais no Brasil?
-O Brasil sempre foi a principal economia da América do Sul e da América Latina, então, sempre que eu venho para cá, procuro estreitar nossos laços comerciais. Para um país relativamente pequeno como a Dinamarca, com cinco milhões de habitantes, o Brasil é um lugar de muitas oportunidades. Só São Paulo tem 40 milhões de moradores – é um estado-nação, se você me permite dizer. Nós não encontramos um número desses na Europa.
- Mas e a crise brasileira, não prejudica esses interesses?
-Vocês estão passando por um momento difícil, político e econômico. Mas o Brasil tem 200 milhões de habitantes, o que significa que sempre será um mercado potencial para nós. Por que não aproveitar então a Olimpíada para atrair negócios e procurar cooperação? Acreditamos no país. A atitude e o espírito dos empresários brasileiros frente ao atual cenário também é muito interessante. Eles sabem que é hora de se reerguer, de dar a volta por cima e começar de novo. Deixemos os problemas políticos com os políticos e vamos esperar a democracia decidir quem e o que culpar. Enquanto isso, os negócios não podem parar. Não sou Nostradamus, mas digo uma coisa: quem investir no Brasil em 2016 vai se dar bem pelos próximos 50 anos.
- Que negócio você abriria por aqui se pudesse?
- A Câmara de Comércio da Dinamarca no Brasil tem 70 anos e mais de 100 empresas associadas, que vão de grandes conglomerados a operações simples. Sei que há uma disparidade muito grande entre ricos e pobres no país, mas existe uma classe média que tem o poder de compra. Por isso, me atrevo a dizer que qualquer coisa é possível no país, do luxo ao bem de consumo médio.
- A Lego é talvez a empresa dinamarquesa mais pop no Brasil. Qual é a sua relação com as pecinhas coloridas de encaixar?
- Lego é um brinquedo muito especial, porque é duradouro e criativo, diferente de uma Barbie, por exemplo. Sei que a empresa tem um programa educativo nas escolas brasileiras para estimular a imaginação e a concentração, me orgulho muito disso. Eu mesmo brinquei bastante com Lego e meus filhos também brincam – às vezes com peças que foram minhas. Quando viajamos, não pode faltar um kit de bloquinhos na bagagem, para garantir a distração durante os voos mais longos.
- Já esteve numa favela?
- Não, mas a minha esposa já fez trabalhos comunitários no Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. Ela disse que ficou entristecida ao ver o tamanho da pobreza, mas positivamente surpresa e encorajada ao notar a quantidade de programas sociais transformadores que existem nas comunidades. A prospecção de novos negócios é muito importante inclusive para o desenvolvimento desses espaços urbanos, é o que garante a paz e a estabilidade. Afinal, ninguém quer uma guerra atrapalhando as transações comerciais.
- Qual é o seu esporte preferido?
- Não diria que sou muito esportivo, mas adoro automobilismo, e às vezes até pratico. Sou muito fã do automobilista brasileiro Lucas de Grassi, já dirigi com ele. É um cara muito legal.
- Então provavelmente você gosta mais de Ayrton Senna e De Grassi do que de Pelé e Neymar…
- Eu também amo futebol, tanto assistir quanto jogar, apesar de ser pena de pau. Estou animado com esta Olimpíada, porque trouxemos o maior contingente de atletas dinamarqueses da história. É por isso que estou hospedado no mesmo hotel onde o nosso comitê olímpico está. Quero estar perto para dar força. Temos alta expectativa de medalhas.
- É mesmo? Não é meio ameaçador ter o filho da rainha entre os dirigentes esportivos, para o caso de as coisas não saírem como se espera?
- Não. Nesse caso, só acho que vamos ter de treinar mais.
- O que anda bebendo e comendo por aqui?
- Tomei muitas caipirinhas, claro, e comi uma carne deliciosa num restaurante em São Paulo, pela qual valeria a pena matar ou morrer. Os vegetais brasileiros também são de muita qualidade – voltamos àquela história da tecnologia, mas dessa vez no segmento alimentar. Também experimentei açaí pela primeira vez e adorei, assim como os meus filhos. Foi um grande sucesso na família.
- Está levando algum souvenir na bagagem?
- Com todo o respeito ao Corcovado, não comprei nenhuma réplica do Cristo nem nada parecido, porque é muito cafona. Prefiro arte, como um artesanato tipicamente brasileiro feito à mão. Mas o mais importante é levar memórias e boas fotografias.
- Por falar em lembranças, que experiências marcantes você já viveu no Brasil?
- Quando estive no Pantanal, há alguns anos, nadei tentando manter distância das piranhas e lacei jacarés para me divertir. Dessa vez, joguei vôlei de praia pela primeira vez na vida, em Copacabana, com a minha família.
- E como é o cotidiano da realeza na Dinamarca?
- Vou ao supermercado, ando de bicicleta, faço a minha própria barba. É uma vida distante das excentricidades hollywoodianas que as pessoas imaginam.
LINK ORIGINAL: VEJA - http://goo.gl/QzAzD8
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