segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O impeachment não é a morte da democracia. Mas deveria marcar o fim do presidencialismo



POR Alexandre Versignassi ATUALIZADO EM 29/08/2016

Primeiramente, fora Collor. E fora FHC. Fora Dilma, também. E fora Temer. Pois é. Quando o Brasil não está derrubando um presidente, está pedindo a destituição de outro. No que faz muito bem: é parte da democracia requisitar a cabeça de um governante antes que ele termine o mandato contratado. Quando a referida cabeça é cortada, porém, o que entra em jogo é a própria democracia.
E isso é um problema maior que qualquer processo de impeachment isolado. É uma falha do nosso sistema de governo. Um cientista político de Yale, Juan Linz, definiu isso bem. Ele diz que tanto o Congresso como o presidente podem argumentar que falam pelo povo, já que ambos foram eleitos pelo voto direto. E que, quando esses dois poderes discordam frontalmente – como no caso de um pedido de impeachment – temos um problema. “Não há princípio democrático para resolver esse tipo de disputa”, Linz afirma.

Mas opa. Espera um pouco. Temos uma Constituição. Se o presidente fere uma lei constitucional (como a da responsabilidade fiscal) deve perder o mandato e pronto, certo? Mais ou menos : “Os mecanismos legais que a Constituição dá para um impeachment podem se provar áridos aos olhos do eleitorado”, ele diz.

Linz escreveu isso em 1990, como uma crítica ao regime presidencialista americano. Mas sua análise parece feita sob medida para o caso que estamos vivendo agora: a maioria absoluta de quem é a favor da queda de Dilma não entende o que foram as pedaladas fiscais. O mesmo vale para a facção “Fora Temer”. A aridez legalista de um processo de impeachment é tamanha que até fatos que deveriam soar banais começam a parecer esdrúxulos. Por exemplo: se Dilma ficar, Temer não sai. Segue como seu vice – uma peça de decoração que a chefe de estado certamente não gostará de ter perfilada ao seu lado em eventos oficiais.

É aí que mora a essência do problema pelo qual estamos passando hoje. A presidente e seu vice têm visões praticamente opostas sobre como tocar o governo. E por mais que um lado desse fla-flu argumente que Temer foi, sim, eleito, não é a visão de mundo do vice que venceu nas urnas – Dilma mesma bateu nessa tecla várias vezes hoje de manhã, no Senado.

Mais do que desnudar um sintoma da esquizofrenia da chapa Dilma-Temer, isso deixa às claras um problema do próprio regime presidencialista: a impossibilidade de “demitir” um chefe de estado* por incompetência. Fosse num regime parlamentarista, a impopular e politicamente desastrada Dilma seria trocada não pelo presidente do PMDB, mas por algum correligionário com os mesmos princípios** – não importa se esses princípios estejam certos ou errados, mas seria alguém que, em tese, representa as mesmas diretrizes que saíram vitoriosas da eleição.

Por essas, quase todos os países desenvolvidos são parlamentaristas. David Cameron, no Reino Unido, cedeu sua cadeira à correligionária Theresa May logo que os britânicos votaram pela saída da União Europeia, numa clara mostra de insatisfação com o próprio Cameron, defensor da permanência na UE. E não houve trauma – muito pelo contrário: Theresa é considerada a pessoa certa para tocar o barco do Brexit. O mesmo vale para casos opostos, o de quando o melhor para o país é a permanência do mesmo governante. É o caso da Alemanha. Angela Merkel veste como ninguém o manto de chefe de estado*. Como o sistema permite, ela segue no poder desde 2005. E, no que depender da vontade dos alemães e do resto do mundo, continuará como líder do quarto maior país do mundo por um bom tempo.

No Brasil, o parlamentarismo nunca passou por plebiscito nenhum por um motivo ignóbil: a ideia de que “a população não elegeria o chefe de estado*”. Elegeria, sim. No parlamentarismo você vota no partido, mas já sabe quem será apontado como Primeiro Ministro, ou Primeira Ministra. Você vota numa pessoa. A diferença é que, se essa pessoa se mostrar incapaz de governar, será substituída por outra, do mesmo partido**, encarregada de fazer com que o programa de governo eleito siga sendo implementado. Sem ameaça à democracia. Sem legalismos áridos. Sem trauma.

LINK ORIGINAL: SUPER INTERESSANTE - http://goo.gl/ZtIY9M

OBS DA PÁGINA:
* O texto tratou de Chefe da Governo, mas falou Chefe de Estado;
** Não há garantias que será do mesmo partido.

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