sábado, 3 de outubro de 2015

AS ESCOLAS DO IMPERADOR

Escola Municipal Gonçalves Dias: agrado para o Imperador e marco do ensino público

Em 1870, um grupo de comerciantes da Corte decidiu reverenciar D. Pedro II, numa comemoração pelo fim da Guerra do Paraguai. Trataram, então, de correr uma lista e arrecadar um bom montante de contos de réis para construção de uma estátua do Imperador montado a cavalo. Ao saber da intenção do presente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, D. Pedro II recusou o monumento e sugeriu que o dinheiro fosse usado na construção de algo que ele considerava mais valioso: edifícios para abrigar o ensino público. Nasciam, assim, as escolas do Imperador. A Escola Municipal Gonçalves Dias, inaugurada em 1872, com o nome de Escola São Cristóvão, foi uma das primeiras e ainda hoje está em funcionamento. Atualmente, cerca de 800 alunos, do 6º ao 9º ano e do Programa de Educação de Jovens e Adultos, estudam no prédio histórico.

Tombada pelo município em 1990, a unidade, situada no Campo de São Cristóvão, foi a segunda escola pública da cidade a ser concluída, ao custo de 90 contos de réis. A primeira, entregue dois meses antes, foi a São Sebastião, demolida com a construção da Avenida Presidente Vargas, em 1938.

— Com a demolição da São Sebastião, ela passa a ser a mais antiga Escola do Imperador e é a mais antiga ainda em funcionamento. Trata-se de um importante marco da arquitetura e da história da cidade, pois foi um dos primeiros prédios feitos especialmente para o ensino público na cidade do Rio. Antes, só havia salas-escolas, que funcionavam em prédios da iniciativa privada. Lá, funcionou uma escola-modelo, que recebia estudantes do Instituto de Educação para estagiar — explica Márcio Brigeiro, professor de História da Escola Municipal Gonçalves Dias, que, desde 2012, pesquisa informações sobre a instituição. Segundo Brigeiro, as duas escolas foram projetadas pelo mesmo escritório de arquitetura e engenharia, o Ballariny & Bosísio, e erguidas simultaneamente, com projetos arquitetônicos muito semelhantes. Quando foi construída, a edificação era composta de um corpo central, com um pavimento — que abrigava secretaria, auditório e administração —, ladeado por dois torreões com dois andares. A ala direita abrigava as salas de aula dos meninos; a esquerda era destinada ao ensino de meninas. Localizado ao lado de outro importante prédio, o Colégio Pedro II, o edifício sofreu modificações arquitetônicas ao longo dos últimos 141 anos.

Para o professor Márcio Brigeiro, a memória da Escola Municipal Gonçalves Dias deve ser mais valorizada. E o prédio merecia ser tratado como um ponto de visitação no bairro de São Cristóvão.

— A escola não tem importância apenas pela arquitetura, mas pelo que ela representa para a cidade. Do Rio de Janeiro agrário e escravocrata, passando pela fase industrial e proletária, até chegar à fase urbana global contemporânea em processo de revitalização, a escola testemunhou a história do bairro de São Cristóvão, da cidade e da educação pública brasileira — diz o pesquisador, que planeja escrever um livro sobre a escola e que é um dos idealizadores do projeto “Gonçalves, dias melhores virão”, que tem até um blog.

O professor lamenta, por exemplo, o fato de o relógio do frontão estar quebrado. E o péssimo estado de conservação do piano, que jaz abandonado num canto do auditório.

— Com a reforma na primeira década do século XX, o relógio pode ter sido trocado, ou só levantado para o segundo andar, isso eu não consegui descobrir em minhas pesquisas. De qualquer forma, ele é antigo e tenho relatos de alunos que dizem tê-lo visto funcionando nas décadas de 80 e 90. O que sabemos é que levaram a parte mecânica para consertar, mas nunca mais trocaram as peças. Já no caso do piano, da marca francesa Pleyel, com teclas de marfim, temos uma promessa para restaurá-lo. É um instrumento raro, onde Villa-Lobos e Ernesto Nazareth tocaram, que foi doado à escola no começo do Século XX — comenta.

Das oito Escolas do Imperador, erguidas na fase final do reinado de D. Pedro II, apenas cinco prédios permanecem de pé. Um deles é hoje sede do Centro Cultural Municipal José Bonifácio, na Saúde, Zona Portuária.

Segundo o professor de história Márcio Brigeiro, que fez uma extensa pesquisa sobre a Escola Municipal Gonçalves Dias, a carta que D. Pedro II escreveu a seu ministro, recusando a estátua em sua homenagem, estimulou, a partir da década de 1870, a construção de prédios públicos próprios para escolas de instrução primária na Corte Imperial.

— Além da Associação Comercial, houve edifícios construídos com subscrições da Câmara, por exemplo, como a Escola São Sebastião, que custou cerca de 80 contos de réis — conta Márcio Brigeiro.

Em suas pesquisas, o professor constatou que, além da Gonçalves Dias, até hoje estão relativamente conservadas as fachadas dos prédios das escolas das antigas freguesias de Nossa Senhora da Conceição da Gávea, de Sant’Anna e de Nossa Senhora da Glória, onde funcionam, respectivamente, a Escola Municipal Luiz Delfino, o CREP (Centro de Referência da Educação Pública do Rio de Janeiro), a Escola Municipal Rivadávia Correa (prédio anexo) e o Colégio Estadual Amaro Cavalcante, segundo um relatório escrito em 2012.


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