domingo, 17 de dezembro de 2017

Galanteios do bardo agreste

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Nos anos finais da monarquia não houve oficial que desfrutasse maior prestígio nas fileiras do Exército brasileiro que o marechal Manoel Deodoro da Fonseca. Alagoano de 62 anos, ele é o filho mais ilustre de uma numerosíssima família de militares. Seu pai, Manoel Mendes da Fonseca, atingiu o oficialato só aos 38 anos, participou de uma revolta contra o governo em Alagoas, foi reformado como tenente-coronel e morreu há trinta anos.

De seus oito filhos homens, todos seguiram carreira militar, sete participaram da Guerra do Paraguai, três nela morreram e outros dois foram feridos em combate - entre eles, Deodoro. O clã dos Fonseca não pára aí; pelo menos cinco sobrinhos de Deodoro, todos oficiais do Exército, participaram dos acontecimentos de sexta-feira passada. Integrante de um clã de oficiais, com medalhas e promoções conquistadas na Guerra do Paraguai, o marechal envolveu-se até o pescoço na chamada "questão militar", sendo um defensor extremado dos interesses da corporação. Tanto a tropa como a corte imperial viram nele o representante por excelência da maneira de agir e pensar dos oficiais brasileiros.

De porte altivo e gestos largos, o marechal é militar até na maneira de escrever. Nas cartas que enviou ao imperador no início de 1887, defendendo o cancelamento de punições oficiais, tropeça-se a cada frase em referências ao "pundonor", "brio", "dignidade", "honra" e "hombridade' do Exército.

Dentro desse rígido figurino militar, no entanto, esconde-se um Deodoro mais ameno, mais humano. Ele é vaidoso na aparência e no vestir, gosta de usar jóias, pavoneia seus conhecimentos de latim, não tem filhos mas ama crianças, conta piadas, considera-se um bom dançarino, escreve seus versinhos e, mais que tudo, aprecia sobremaneira os encantos femininos.

O marechal está para completar seu trigésimo aniversário de casamento com Mariana Cecília de Sousa Meireles, 63 anos, mas sua atribulada vida amorosa é assunto de todas as conversas. Deodoro, o valente, só tinha medo das irmãs Emília e Amélia, que o enfrentavam abertamente para condenar suas aventuras extraconjugais.

Quando se interessa por uma jovem, o chefe do governo provisório é capaz dos maiores improvisos e proclamações. Nesses embates, prefere armas literárias; com sua caligrafia caprichada, escreve rimas ou quadras nos leques das moças nas quais está interessado. Quando foi comandante de Armas na Província do Rio Grande do Sul, Deodoro compôs versos singelos para a filha de um amigo, o visconde de Pelotas:

Anjo que sois, permiti
ao bardo agreste
A ousadia do pobre
galanteio.

Na mesma ocasião, o bardo agreste ensaiou outros pobres galanteios para a baronesa do Triunfo, mas parece que quem caiu nas graças da moça foi o senador Silveira Martins. O senador quis impressionar a baronesa como cavalariço e acabou caindo do cavalo na frente da fazenda da família dela. Quebrou a perna e, durante mais de um mês, foi a jovem quem cuidou de Silveira Martins. Quando Deodoro tentou encantar a baronesa, já era tarde. Data daí a inimizade entre o marechal e Silveira Martins. No momento, Deodoro nutre uma profunda admiração e amizade pela viúva de um rico fazendeiro uruguaio.

Mal entrada na casa dos 20 anos, a jovem embeleza os salões cariocas. Ela é um bom par para o marechal, um verdadeiro pé-de-valsa. Até num salão de baile Deodoro gosta de ser o comandante, orientando os volteios de todos os dançarinos e gritando em francês: "Les dames en avant, les chevaliers en arrière!" (As damas na frente, os cavalheiros atrás).

Alegre e extrovertido. o marechal escreveu um poema satírico chamado A Guerra do Paraguai por um Português, no qual imita o sotaque lusitano, e duas canções brejeiras. Quem já escutou as cançonetas não ousa repetir seus versos, por não considerá-Ios apropriados a crianças e mulheres. Contador e criador de piadas, Deodoro imita vozes e trejeitos ao narrar anedotas.

"Desopilante", comenta o doutor Palha, cirurgião do Exército que serviu com o marechal em Corumbá no ano passado, referindo-se ao desempenho do chefe do governo ao contar piadas depois do jantar. Com boa memória, Deodoro lembra não só de anedotas como de trechos inteiros das Bucólicas, de Virgílio, e de A Arte de Amar, de Ovídio, que costuma recitar em latim. Sai-se melhor, porém, ao recitar máximas e locuções latinas, mais curtas. Ou sai-se pior: costuma escandir provérbios latinos a propósito de tudo.

Alguns dos amigos e companheiros já estão cansados do latim do marechal.

Aristides Lobo, o novo ministro do Interior, cismou com um outro hábito de Deodoro da Fonseca - o de usar jóias. O ministro acha de gosto duvidoso o pesado anel que o chefe do governo usa no dedo mínimo. Sem contar o peito repleto de medalhas e comendas - uma delas, a Grande Dignatária da Ordem da Rosa, lhe foi conferida pessoalmente por D. Pedro II em março passado -, há também o prendedor de gravata de pérola, os chamativos botões nos punhos da farda ou do paletó e a correntona que segura o relógio de bolso.

Elegante no vestir, o marechal manda fazer suas sobrecasacas no alfaiate Raunier, um dos melhores do Rio de Janeiro, e não deixa o seu sobrado no Campo de Santana sem antes perfumar a barba grisalha com fragrância de violetas. Ainda que sua mulher tenha herdado algumas posses, Deodoro está longe de ser rico. Anda de bonde pelas ruas do Rio e, de uma família de classe média, tem fácil comunicabilidade com o povo. Isto quando não está irritado ou exaltado, o que lhe acontece com certa freqüência. Nessas ocasiões, mesmo em discussões com companheiros, apela para a grosseria.

A arteriosclerose e a falta de ar freqüentemente fazem com que Deodoro oscile rapidamente entre a exaltação e a prostração corno aconteceu na sexta-feira passada.

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