Membro da família real do país acredita que restauração monárquica é um dos caminhos para solucionar a crise política pela qual passa o Brasil
Em meio à crise republicana que o Brasil atravessa desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2015, diversas alternativas políticas despontaram no país. Uma delas, que cresceu significativamente nas redes sociais, é o retorno da Casa Real ao poder. Nas recentes manifestações contra o governo e a favor da Lava Jato, por exemplo, membros da “realeza” nacional marcaram presença, assim como apoiadores do movimento.
Um dos principais articuladores da proposta é o administrador Luiz Phillipe de Orleans e Bragança, filho de D. Eudes de Orleans e Bragança, irmão de D. Luiz, que seria o imperador brasileiro caso o país fosse uma monarquia. O assunto chamou a atenção depois que o jornal britânico Financial Times fez uma matéria mostrando que os Bertrand e Luiz, ao contrário do se poderia pensar, não vivem em uma grande casa, mas em um apartamento alugado em uma região nobre de São Paulo.
Em outubro, Luiz lançou seu primeiro livro, 'Por que o Brasil é um País Atrasado' (Novo Conceito, 248 páginas), em que defende o liberalismo econômico e político e sugere a restauração monárquica como uma das alternativas para acabar com a crise. A Crítica falou com ele sobre o assunto.
Em seu livro, você reclama uma legitimidade do governo perdida em 1889, com a proclamação da República. Reconquistá-la passa pelo processo do retorno da monarquia?
Olha, não vou excluir isso. O movimento tem crescido de maneira espontânea. A família não está organizada para isso. Não temos recursos financeiros para engajar o povo. Quando há esse problema fundamental de criação de algo ilegítimo, perdurar nisso é uma coisa que, em algum momento da sua história, terá que haver uma reconciliação com o passado. A restauração da monarquia é uma proposição que está vindo aí. Como recuperar a legitimidade por meio da república? Ela se assemelharia a um poder parlamentarista, fragmentado e com poderes validados publicamente. Há modelos parlamentaristas republicanos e modelos parlamentaristas monárquicos.
A restauração monárquica daria legitimidade às instituições porque elas não são mais legítimas ou porque nunca foram na república?
Atualmente temos uma crise pontual que é a crise de legitimidade dessa organização jurídica baseada na constituição de 1988. Isso de fato precisa ser olhado de maneira mais de curto prazo. Precisa descentralizar o poder, dar mais soberania popular e dar mais poderes de veto para a população. Além disso, é preciso acabar com a intervenção do Estado na economia. A cereja do bolo seria o modelo parlamentarista. Aí, se vai ser monarquia ou se vai ser presidencialista, o debate precisa acontecer. Hoje temos muitos mitos: "Ah, monarquia são Luís XVII, Luís XIV, pompa e circunstância etc.”. Não é a realidade das monarquias hoje da Europa. Como é a vida dos chefes de Estado que são monarcas? Vida de classe média. A realidade é essa. Eles estão muito bem inseridos na sociedade como um todo. Não têm uma vida completamente distinta e isolada. Do outro lado, temos que entender se pode ser um parlamentarismo presidencial. Quais são os benefícios de se ter um presidente, como é que ele tem que ser, ele será eleito para qual função. Ele tem que ser eleito como representante, como uma pessoa qualificada dentro das instituições e que vai saber interferir na hora certa. A gente precisa entrar nesses debates com menos mitologia e com mais consciência de como é que é a qualificação de um, qual são os prós e contras, porque essas opções o Brasil tem.
Qual é a posição da família real neste momento?
A restauração monárquica não está nem em pauta. É um movimento social. É o povo se levantando e a família dizendo: "Ok, estamos aqui, sabe? Estamos à disposição. Não precisamos ir a Brasília para fazer nosso ativismo, para ser relevante à sociedade brasileira". D. João XVI, D. Pedro I, Leopoldina, D. Pedro II e Princesa Isabel: se a história deles não tivesse sido positiva para o Brasil e para a sociedade brasileira, hoje eu não estaria falando aqui com você. Conheço exemplos de famílias que eram de ex-reinantes tirânicos que não podem nem entrar no país dos seus antepassados. Portanto, tudo o que a gente pode representar são essas duas coisas: a proteção daquilo que é a "nação-Estado" [sic] brasileiro e proteção da sociedade brasileira. Protegendo esses dois, que são o legado da família, a gente está no caminho certo. Tenho feito palestras por todo o Brasil e você vê que os caras não aguentam mais. Não aguentam Brasília, olham Brasília como uma interferência de fora na localidade deles.
Você defende no seu livro que a proclamação da República atendeu a interesses de oligarquias econômicas e políticas daquela época. Acreditaria que ela poderia se dar de outro jeito?
Só pode se dar por interesses oligárquicos. Não havia apoio na sociedade se fosse somente um golpe de Estado dos militares. Os oligarcas poderiam muito bem defender a monarquia, pois tinham poder para fazer uma grande revolta, financiar uma volta à monarquia, mas não, financiaram justamente o estabelecimento da República. É difícil fugir dessa questão de ilegitimidade. O Brasil vai ter que rever isso, porque, de fato, o crescimento da causa é fundamental. É só você raspar a história que vai ver que, historicamente, não foi avanço nenhum. O que teve foi morte nos meses seguintes. Estado de sítio em todos governos eleitos, queda de per capita, economia travada, derrocada completa da nossa marinha mercante. Como é que isso é avanço? Em que nível houve avanço nessa narrativa republicana?
Segundo a maioria dos historiadores, os republicanos da época eram influenciados pelo liberalismo da Europa, que hoje você defende. Houve alguma falha na aplicação ou no conteúdo daquelas ideias?
Uma ideia desse conceito não quer dizer que um é excludente do outro. Não quer dizer que a monarquia não era liberal e que a república não é liberal. São apenas definições semânticas para rotular todo o sistema. O que prevalece é a estrutura de poder que está embaixo. Vou falar a estrutura de poder da monarquia: fragmentação de poder, não interferência do Estado, descentralização de poder, liberdade de imprensa, liberdades individuais... O Partido Republicano queria mudar o sistema. Queria tirar o rei e tirar o poder moderador, porque achava que isso era avanço. É engraçado, porque o poder moderador foi uma inovação do século 19. A gente estava muito avançado para o que vieram a ser as monarquias e a repúblicas europeias que adotaram o poder moderador. Quando fizeram a República brasileira, eliminaram o avanço: tiraram o poder moderador e retrocederam aos três poderes, enquanto vários filósofos já diziam que os três poderes não conseguem se equilibrar. Mas respondendo sua pergunta: houve uma falha de desenho da República. Assim, uma falha honesta, na minha opinião. E sim, houve um intento maléfico também. As forças que estavam por trás eram demasiadamente poderosas para cercear o liberalismo político. Nós não temos liberalismo político no Brasil há mais de cem anos.
Na esteira do crescimento do movimento, há ideias de pedir um referendo pelo retorno à monarquia. Essa é a saída que você defende? O chefe de Estado – que você lamenta não existir no Brasil – deveria ser um monarca?
Sendo uma república, precisa ser um presidente eleito diretamente. Sendo uma monarquia, precisa ser via plebiscito para restauração desse poder como sendo hereditário. Mesmo sendo hereditário, teria que ter um freio nisso. Chama-se Conselho de Estado, que define regras. E se o cara [chefe de Estado] for louco? For altamente impopular? Se não for preparado? Tem que ter um conselho fazendo um pré-julgamento sobre o futuro monárquico. Tem que ter algum freio aí. Mesma coisa com a República: um conselho de Estado é necessário para frear o chefe de Estado. Anciões ali vinculados à sociedade brasileira que não precisam ser remunerados, mas que precisam ser pessoas de alta capacitação, reconhecidas, que entendam qual é a função do chefe do Estado. Tanto um presidente quanto um monarca, o chefe de Estado será o comandante das Forças Armadas, mas não poderá declarar guerra, que só pode ser decretada pelo Parlamento. Ele será encarregado da diplomacia, também estará envolvido com as questões do Ministério Público, com as forças de segurança interna, como a Polícia Federal. Todas essas forças de Estado são feitas para proteger o Estado contra quem? Contra os governos. Os governos têm que ser colocados como uma entidade eleita, mas que o Estado está sempre limitando. Tem que ter o chefe desse Estado versus um chefe do governo. Os dois vão exercer a função do Executivo, um limitando o outro. "Ah, agora eu vou fazer uma Olimpíada”, aí o Estado tem que falar: "Opa, isso vai quebrar o país. Não vai fazer Olimpíada". Hoje nada disso existe.
A sociologia, a historiografia e a ciência política brasileira colocam muita ênfase na escravidão como uma marca presente em toda a formação do país – do Estado à sociedade –, mas ela não aparece muito no seu livro. Foi uma escolha ou a escravidão não teve um papel relevante na nossa história?
Ela teve um papel relevante, claro. Agora, sociologicamente, ela foi controlada. O que falar da escravidão senão que ela foi totalmente controlada e que a ascensão social das classes carentes foi distorcida? Eu falaria a mesma coisa que falaria para qualquer classe de cidadãos brasileiros em situação de carência, não apenas ex-escravos: é que, com oligarquias no poder, eles vão sistematicamente criar políticas em que mantenham esse poder e que o povo em carência, sozinho, não vai conseguir exercer as suas capacidades. É sempre por meio de uma política de Estado, de uma política assistencialista, nunca individualmente capacitado e independente. Isso serve para escravos e não escravos, ex-escravos, qualquer raça, imigrantes, não imigrantes. Não importa. Não é pelo fato de um não conhecimento desse fator, mas de como resolver. Faço uma passagem no livro que falo do controle das oportunidades, que em países de fato liberais as oportunidades existem para todos. Estou falando em tese. Não é 100% assim, mas existem muito mais do que países oligárquicos controlados centralmente. Nesses países onde não há uma situação de carência, se você tem uma grande ideia e você tem o seu trabalho e disposição de empreender, as coisas convergem. Você pode sair de uma situação de carência e se tornar um grande empresário, afluente tanto quanto qualquer grande oligarca. No Brasil não: a regulamentação existe para limitar a capacidade de ascensão social, para limitar a competição, para manter aqueles que têm uma empresa grande no comando. Quando você tem regulamentação, ela não favorece ao Estado, mas ao grande empresário que está se alimentando do sistema político. Então é a mesma coisa que aconteceu no Brasil República logo depois da monarquia.
Você não foi atrás dos ditos pensadores do Brasil para responder à pergunta que dá título ao livro. Os três considerados, digo: Sérgio Buarque, Caio Prado Jr. e Gilberto Freyre. Também foi uma escolha?
Primeiro que eu sou assim. Eu tenho minhas opiniões. Não achava que existia um pensamento de Estado do Brasil condizente com aquilo que eu estava observando. O que eu estava observando era material. É a primeira vez na minha vida que eu faço ativismo político: eu quero mudar coisas, eu que fiz o projeto de recall, fomos lá no Senado, protocolamos, fiz o projeto de voto distrital, também fomos lá e protocolamos, o projeto de referendo popular a mesma coisa. Tudo em benefício da sociedade. O pensamento de Estado brasileiro hoje não existe. É tudo Estado dominante, Estado dominante... Eu já vi que tenho de mandar para o lixo qualquer pensador político brasileiro porque, de fato, eles não são materiais. Eles não respondem o Estado que temos hoje. Me desvinculei de todos os pensadores brasileiros. Fui por observação do que temos hoje, histórica e comparativa. Quais países desenvolvidos hoje têm o modelo igual ao brasileiro? Nenhum. Muitos dos desenvolvidos hoje tinham os problemas que a gente tem. Isso que dá empolgação. Eram países que caíram no comunismo, que tinham centralismo total. Deu errado e aí adotaram liberalismo econômico e político, e hoje são desenvolvidos. Estão aí com IDH superalto. Nós não somos limitados como povo. Hoje em dia, no que eu viajo pelo Ocidente, entre Europa, EUA e um pouquinho de América Latina, incluindo Argentina, o brasileiro é muito melhor. Muito mais em sintonia com as novidades, muito mais ávido por tecnologia, muito mais comunicativo. É melhor do que muitos países da Europa. Vai falar que brasileiro é pior do que um espanhol ou que um italiano em termos de mobilização política e econômica? Pelo amor de Deus! Aquilo ali está 50 anos atrás do Brasil.
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