Os criadores do frontão do Cassino Fluminense escolheram justamente a imagem do índio para representar o Gênio do Brasil. Ainda que não fosse uma novidade, pois aparecia nas primeiras décadas do século, dentro da tradição europeia, ilustrando o território sul americano dentro do Império português, agora, o Gênio de Taunay como guerreiro clássico, e o Gênio de Porto-Alegre, como gênio alado, são substituídos pelo Gênio como índio, dentro já do projeto de unificação cultural, que uma vez mais fortalece a união política e territorial, que era o passo seguinte para a união e a criação de um imaginário comum para a nova nação, cuja imagem se construía em torno ao índio.
Território e governante aparecem definidos com as peculiaridades próprias, individualizadas e diferenciadas da nova nação. Um dos pontos de diferenciação e união, porém não isento de críticas, foi o símbolo indígena como habitante mais autêntico do Brasil, que o Império adota com presteza num projeto nacionalista. Neste processo, várias obras-chave, que nos ajudariam a uma melhor compreensão deste fenômeno, desgraçadamente se perderam, mas sabemos que Ferdinand Pettrich ofereceu uma alegoria do Brasil como um índio, e Francisco Manuel Chaves Pinheiro, no mesmo ano de 1845, criou uma alegoria à liberação do Brasil. É destacável a construção de uma imagem nacional masculina diante da maioria dos casos latino-americanos, nos quais a pátria se representa de modo feminino.
Como assinala Paulo Knauss, “ainda que a imagem alegórica dos índios fosse usada desde o período colonial para identificar a terra do Brasil, é na segunda metade do século XIX que as artes plásticas vão participar do movimento de promoção do índio como ícone do Império do Brasil”.
O Gênio também se encontra dentro desta corrente indianista já desde seus inícios, pois parece que a imagem do Gênio recorrente em festejos e representações, especialmente na data da festa da independência nacional, normalmente o representava como um índio, como aparece no seguinte texto, no qual “o selvagem, posto que bravo e audacioso, não apparecerá de cocar e plumas, nos trajes com que o gênio do Brasil se mostrava em todos os elogios dramáticos com que outr’ora se solemnisavão os dias de festa nacional”. Embora este fragmento possa nos induzir a pensar que na data de sua publicação,1855, a prática de se fantasiar de Gênio do Brasil como índio era uma coisa ultrapassada, a tradição continuava em 1862, quando, relacionado também com a liberdade, volta a aparecer a figura do índio como garante desta e como força do Brasil diante dos conquistadores.
A´s 9 horas da manhã 24 de março, os voluntários da pátria, partindo da casa do sócio Pedro de Azevedo, dirigirão-se debaixo de fórma á igreja do Rosario. Em sua frente caminhava a galante jovem Rosinha de Azevedo, vestida de índio, symbolisando o gênio do Brasil, levando a bandeira dos voluntários.
No teatro, durante a década de 1850, aparecem o Gênio e representações masculinas do Brasil compartilhando cenas com outras representações alegóricas, como a Traição ou a Ignorância, entre outros. Uma das peças cria um debate sobre a indumentária do Gênio, que deveria ser um caboclo, mas que aparece com roupas clássicas, ao que a Imprensa replica: “Esta referencia à cultura clássica seria escusável na Rússia ou na China, mas todo mundo sabe no Brasil que os caboclos não vestem assim”. Outras vestimentas se referem mais à interpretação do índio como selvagem, símbolo do atraso da civilização. “O gênio do Brasil durante o canto da Harmonia sahe também da sua gruta, e em trajes e com armas que symbolizão o estado selvagem e o da civilização”.
Não só o Gênio do Brasil mas também outros gênios se vestem de indígenas nas cerimônias de aclamação dos reis, como a que a cidade mineira de São João Del Rei deu a Dom Pedro. Encontramos um pórtico nas escadas da matriz, oferecido pelos negociantes da Rua Direita, com um trono com uma coroa e cetro sustentados por “dois gênios vestidos com capacetes e cocares de plumas”.
O Gênio do Brasil se insere, assim, numa genealogia de representação indígena, ao mesmo tempo em que é símbolo do Império e do Imperador. Como culminação deste processo de busca de uma imagem nacional imperial ligada ao índio e ao Império, tem-se o ponto culminante na Alegoria do Império Brasileiro, do escultor Francisco Manuel Chaves Pinheiro, testemunha do esforço imperial para criar sua própria imagem. O Gênio aparece já como imagem de uma nação pacificada, e com um caráter mais cultural do que político, e o índio, como símbolo da identidade nacional, utilizado pelo Império como legitimação. Assim,
"Chaves produziu o documento mais emblemático de sua geração ao embutir no título da sua obra a intenção do projeto indianista. Com uma postura corporal idêntica à do Imperador em sua imagem oficial elaborada por Pedro Américo, que o retrata na Fala do Trono, o indígena de Chaves carrega o cetro da monarquia em vez da sua arma, um escudo com o brasão imperial em lugar de sua borduna. O cocar está na cabeça, mas é o manto do rei que cobre a “nudez natural” desse “símbolo nobre e puro de nossa origem.”
Na Imagem: Alegoria do Império Brasileiro, 1872 criado por Francisco Manual Chaves Pinheiro (1822-1884). Encontra-se atualmente no Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
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QUEM É O GÊNIO DO BRAZIL CITADO NO TEXTO?
O gênio é definido como o espírito que se supunha acompanhar o homem para o inspirar ou proteger. Em um dicionário norte-americano de 1849, é definido assim: “a protecting spirit, analogous to the guardian angels invoked by the church of Rome.[...] the name Genius itself is Latin, it is connected with genitus, and equivalent in meaning to generator or father.”
Podemos considerar, então, o gênio como um protetor ou anjo da guarda de uma pessoa, como o gênio do Imperador; de um coletivo, como o gênio de uma cidade ou nação; de um elemento natural, como o gênio dum rio; de uma instituição, como o gênio do Senado; ou de um conceito abstrato, tal como a liberdade ou o patriotismo.
No caso da representação nacional, o gênio "supone una caracterización espiritual, anímica, de la idea de nación (espanhola), que, por supuesto, se repite em otros países durante varias décadas". É o gênio quem defende a pátria, a nação, a liberdade do seu povo, se entrelaçando com os conceitos de pátria e liberdade, como sucede no caso espanhol, português, francês ou brasileiro.
(REFERÊNCIAS SOBRE O GÊNIO)
- SMITH, William. Dictionary of Greek and Roman Biography and Mythology. Boston: C. C. Little e J. Brown, 1849, pp. 2241-242.
- REYERO, Carlos. Alegoría, nación y libertad: el Olimpo constitucional de 1812. Madrid: Siglo XXI, 2010, p. 53.
(REFERÊNCIAS SOBRE O INDIO)
- “Três estatuas colossaes em gesso representando o Brazil, Portugal e a França, feitas em 1845 por Fernando Petrich, e por elle offerecidas ao museu; um indio personifica o Brazil, um guerreiro da idade media, Portugal, e Napoleão com uma águia aos pés, a França.” AZEVEDO, M. D. Moreira de. O Rio de Janeiro; sua história, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades. Rio de Janeiro: Liv. Brasiliana Ed, 1969, p. 238
- KNAUSS, Paulo. Negro Horácio: Louis Rochet e a escultura antropológica no século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH, 2011, p. 2.
- Correio Mercantil, 26 fevereiro 1855. F. Octaviano.
- Correio Mercantil, 16 junho 1865, p. 3. Os voluntários da pátria da cidade de Pitanguy
- A armonía celestial no Brasil, 2 mayo 1851. Libreto de Gioacchino Gianinni.
Qual é a origem desse texto? Seria bom colocar a referência.
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