"No Parlamento do Império, tínhamos uma fábrica de estadistas,
já no congresso da república temos um balcão de negócios" - Ruy Barbosa.
O artigo publicado pelo sr. José Serra no Estadão, de 24/11/2011, intitulado "República – de volta para o futuro" reflete o desencanto não só dele, mas de uma legião de cientistas políticos, jornalistas, intelectuais e historiadores com nossas práticas republicanas onde o espaço para a preservação da rés publica, ou seja, do interesse público, está cada vez menor. E isso depois de 120 anos de implantado um regime que, se avaliado por suas realizações na área crítica da qualidade da educação nacional, se revelou um fracasso retumbante. Não pode haver atestado mais óbvio de descompromisso (já secular!) com o interesse público. Talvez tenha sido essa a razão que levou o Prof. Mario Henrique Simonsen, poucos meses antes do plebiscito de 1993, a escrever um memorável e surpreendente artigo na revista EXAME em defesa do parlamentarismo monárquico.
Não só isso, Serra chove no molhado da sabedoria convencional ao comparar o desempenho do Império com o da república (permitam-me o adequado r minúsculo) no Brasil. É urgente pensar fora do quadrado para superar a armadilha institucional em que caímos há mais de um século, ou seja, “um esquema geral de formação de normas ou instituições ineficientes ainda que estáveis” na definição de Victor M. Polterovich em instigante estudo publicado no livro não-traduzido The New Russia – Transition Gone Awry (A Nova Rússia – A transição que perdeu o rumo). Para tanto, é preciso questionar nossa premissas tradicionais e pensar o impensável, como ousou o Mestre Simonsen. Vamos a elas.
Antes de mais nada, é simplista ver no regime republicano a única forma de preservar a rés publica. Indicadores de desempenho nas áreas social, econômica, cultural e política das principais repúblicas europeias comparados aos das monarquias lá existentes constatam que estas últimas se saíram melhor. Conclusão: monarquias constitucionais se revelaram capazes de resguardar o bem comum até melhor do que as repúblicas.
Em segundo lugar, já vai tarde a hora de ver o poder moderador como a nossa famosa jabuticaba, aquela que só dá (deu) aqui. A concepção do poder moderador existente em nossa constituição de 1824, a melhor que já tivemos segundo Affonso Arinos, antecipava de um século o princípio de Karl Popper para quem o fundamental é que um mau governo dure pouco. Ele não se perdia naquela discussão bizantina de arrolar argumentos em favor dos filósofos, dos aristocratas, ou de empresários ou ainda de trabalhadores. Qualquer classe social pode fazer besteira. E da grossa.
Terceiro, países bem resolvidos em termos político-institucionais, ainda hoje, não são a regra geral, mas sim exceções, como foi o caso brasileiro ao longo do século XIX, em especial quando comparado aos demais países latino-americanos e seus frequentes golpes de Estado.
Quarto, não há legitimidade intrínseca no regime republicano brasileiro a despeito do plebiscito de 1993. Uma definição precisa de B. E. Ashforth & B. E Gibbs nos diz que “uma organização (regime político ou partido político, no caso) é dita legítima na medida em que seus meios e fins se coadunam com normas sociais, valores e expectativas.” Mergulhados em nossa armadilha institucional mais que centenária, sabemos de fato que sofremos como coletividade os efeitos perversos de normas sociais e valores distorcidos que podem até parecer um retrato da vida como ela é, mas nem por isso respaldam os desejos da população em termos de suas expectativas. Nesse sentido crítico que envolve nosso futuro como Nação, estamos longe de ter um regime legítimo. O próprio Serra nos fala em refundar a república.
Quinto, o suposto desempenho superior da república em termos econômicos face ao Império precisa ser revisto. Estudos e pesquisas demonstram que o PIB real per capita brasileiro entre 1891 e 1916 ficou congelado no tempo. A tese do crescimento excepcional do Brasil nos últimos cem anos tem pés de barro: partiu de uma queda de quase 20% do PIB ao final da primeira década republicana. O país estava de fato recuperando o tempo perdido. Mais sério ainda, em relação ao futuro, é a constatação nas pesquisas mais recentes de que de 50 a 75% do crescimento do PIB de um país pode ser explicado por capital humano e pela qualidade de suas instituições, formais (regras, leis, constituições) e informais (normas de comportamento, convenções e códigos de conduta autoimpostos). Exatamente o que fomos perdendo após a chegada da república. Na escola de estadistas que foi o Parlamento do Império em relação ao balcão de negócios do congresso da república de que nos fala Ruy Barbosa, já em 1915(!), vamos encontrar as raízes de nossa fragilidade institucional. Em especial quando nos lembramos da figura de nosso segundo imperador indo regularmente ao Colégio Pedro II acompanhar o desempenho de seus alunos. A continuar aquele contexto, impossível imaginar que a educação nacional tivesse sido relegada ao que foi nos últimos 120 anos.
Para finalizar, é fundamental ter claro o seguinte. Primeiro: a alma que falta, segundo FHC, à nossa moldura político-institucional nos dá um alerta em relação ao risco de se importar instituições (presidencialismo) ou inventar soluções cerebrinas que não levem em conta as tradições e cultura de cada povo. A ex-URSS e a China perderam muito tempo dando cabeçadas até se darem conta do beco sem saída em que estavam engessadas. Segundo: o poder moderador foi obra de profissionais e precisa ser reincorporado à nossa constituição, claro, com as devidas adaptações. Bom lembrar que poderá ser um poderoso instrumento para preservar o interesse público justamente por estar nas mãos de um Chefe de Estado cuja posição resulta de uma delegação nacional e que é pago com dinheiro do povo a quem deve fidelidade.
Bem diferente daqueles que chegam lá devendo favores a partidos políticos e a grupos econômicos. Terceiro: é preciso dotar o país de instituições realmente capazes de dar sustentação ao crescimento de nosso PIB sem nos deixar perder posição relativa face aos BRICs e no próprio contexto latino-americano como vem ocorrendo. O livro organizado por Francis Fukuyama, Ficando para trás, resume bem o drama. Pergunta: de volta para que futuro se refere Serra? Se for o republicano, será mais da mesma coisa piorada. Se tivermos a ousadia do Prof. Simonsen, será possível vislumbrar um futuro que atenda às justas expectativas do povo brasileiro. Por que não ousar, caro leitor?
Gastão Reis Rodrigues Pereira
Empresário e economista.
Artigo publicado na “Tribuna de Petrópolis”
DEUS SALVE O BRASIL!
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