Escravos domésticos no Brasil em 1820
por Jean-Baptiste Debret
No Brasil, a participação de africanos e seus descendentes como agentes ativos do sistema escravista também foi crucial. Em determinados momentos da História brasileira era comum que, após conseguirem a liberdade, ex-escravos adquirissem um ou vários escravos. Isso se fez notar especialmente em Minas Gerais no século XVIII. A sociedade mineira era essencialmente urbana e isso proporcionava uma grande oportunidade de ascensão social para as pessoas, inclusive escravos. A extração do ouro enriqueceu a região e agitava a economia. Sapateiros, ferreiros, alfaiates, tecelões e chapeleiros conseguiam enriquecer. Mulheres escravas vendiam doces e refeições para os mineradores a mando de seu senhor e muitas vezes conseguiam comprar sua liberdade com o dinheiro que sobrava. A carta de alforria na época custava 150 mil réis, equivalente ao preço de uma casa simples. Também era comum que senhores estipulassem em seu testamento que seus escravos deveriam ser libertos após a sua morte. A participação de negros entre a população livre brasileira e entre os senhores de escravos era notável.
Em 1830, os negros compunham três quartos da população livre de Sabará e 43% das casas de pessoas negras tinham escravos. Na região de Salvador, a participação de negros e pardos entre a população senhorial também era notável. No vilarejo de São Gonçalo dos Campos, 29,8% dos escravos estavam nas mãos de negros e pardos forros. Em Santiago do Iguape, 46,5% dos escravos eram propriedade de negros livres. No Rio de Janeiro não era diferente: em Campos dos Goytacazes, negros e mulatos compunham 30% dos senhores de escravos.
A imagem disseminada de que os senhores de escravos eram possuidores de grandes plantéis de escravos trabalhando nas plantações ou minérios do Brasil não condiz com a realidade da maioria no período escravagista. A ideia da rica e ociosa família senhorial, que delegava todo o trabalho para os escravos, descrita especialmente por Gilberto Freyre, não era tão comum como historicamente se propagou. Levantando dados sobre escravos na região de Salvador, o historiador Bert Barickman encontrou que, em média, 59% dos proprietários de escravos tinham até quatro escravos. Apenas 4,5% deles tinham mais de 20 escravos e só 1% tinha mais de 60 escravos.
Para Barickman, a maioria dos donos de escravos estava longe de fazer parte de uma aristocracia senhorial. A maioria deles era de classe baixa, que não conseguia comprar muitos cativos e que tinha que trabalhar lado a lado com seus escravos para garantir o sustento da família. A presença de um ou alguns poucos escravos na casa não garantia, aos membros da família, a prerrogativa de deixar de trabalhar: apenas dava, à família, maior grau de segurança econômica através do aumento da produção tanto para consumo doméstico quanto para venda. Analisando o perfil do senhor escravista, Barickman escreveu: "nem na roça, onde empunha uma enxada, nem à mesa de jantar, onde come com as mãos e depois lambe os dedos, poderia se fazer passar por um grande e altivo senhor do tipo descrito por Gilberto Freyre".
A fazenda e as senzalas em Minas Gerais também são descritas de maneira bem diferente da do livro Casa-Grande & Senzala pelo viajante francês Auguste de Saint-Hilaire em seu livro "Viagens às Nascentes do Rio São Francisco":
"Depois de Tamanduá Itapecerica (Minas Gerais), já nos limites do Sertão, as casas da sede das fazendas se compõe de várias edificações isoladas, mal construídas, no meio dos quais dificilmente se distingue a residência do proprietário. Citarei a de Dona Tomásia: a propriedade era de extensão considerável e vi, aí, vários escravos, gado vacum e nomerosos porcos. Entretanto, em meio a várias casinhas que serviam de celeiros e senzalas, a dona da fazenda ocupava uma miserável cabana construída sem os mínimos requisitos de estética e conforto, cujo mobiliário consistia apenas numa mesa e alguns bancos rústicos."
FONTES:
- SAINT-HILAIRE, Auguste de, Viagens às Nascentes do Rio São Francisco, página 75, Livraria Editora Itatiaia Ltda, Belo Horizonte, 1975
- B.J Barickmann. Um Contraponto Baiano. [S.l.]: Civilização Brasileira, 2003. 445–445 p.
- Leandro Narloch. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. [S.l.]: Leya, 2010. 317–317 p.
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