quinta-feira, 3 de setembro de 2015

CONDE D'EU, UM EXEMPLO DE PRÍNCIPE - PARTE I

Príncipe Dom Luís Gastão de Orleáns, o Conde D'eu, um exemplo de Príncipe

Nesta sessão, o Professor Helio Vianna comprova, com documentos, a dignidade e honra do Conde d'Eu, mostrando como era justo e honesto com seus colegas de Exército, seja amparando veteranos desvalidos, solidarizando-se com também com os inválidos, ou concedendo o perdão a oficiais desleais. O Conde d'Eu, segundo este brilhante relato, foi também um dos maiores promotores do desenvolvimento do Exército do Brasil.

BIBLIOTECA PEDAGÓGICA BRASILEIRA
Série 5ª – BRASILIANA – Vol. 269

ESTUDOS
DE
HISTÓRIA IMPERIAL

Por

HELIO VIANNA
Professor catedrático de História do Brasil da Faculdade Nacional de Filosofia; de História da América da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Colégio Coração de Jesus

- Biblioteca –

Irmã Célia Leal
Florianópolis – SC

COMPANHIA EDITORA NACIONAL
São Paulo
1950
Nota: Por ser transcrição, a grafia da época foi mantida 


GASTÃO DE ORLÉANS – O PRÍNCIPE INCOMPREENDIDO

Os maiores dramas não serão, talvez, os que se recheiam de cenas intensas, onde impere a violência e as grandes dôres livremente se manifestem, exteriorizando-se em imprecações. Serão, antes, os que se calam nos sacrifícios íntimos, os que se escondem na discrição dos introvertidos.

Da mesma forma, não deverão ser considerados mais infelizes os que são derrotados em plena luta, porém os que, tendo tifo a oportunidade de iniciá-la, não chegam a vê-la travada, deixando passar possibilidades de vitória. E quando, ornado de fortes atributos pessoais, parece o combatente predestinado ao bom êxito, cresce, com essa circunstância, o amargor de seu desaproveitamento, o desencanto de sua inutilidade.

Terá sido êste, possivelmente, o doloroso drama de 1864 a 1889 entre nós representado pelo Conde d’Eu.

Confinado à situação especialíssima dos príncipes-consortes, eventualmente dos soberanos nominais, aqui apenas futuro imperador-marido, numerosas foram as contingências que contribuíram para o malogro do desempenho que poderia ter dado ao seu anti-humano papel, mais que qualquer outro sujeito às interpretações errôneas e às sugestões tendenciosas.

Começou a série de suas dificuldades pelo fato de ter tido um sogro igualmente excepcional, incapaz de ceder às pressões modificadoras que às suas normas de conduta privada quaisquer pessôas quisessem impôr. Teimoso e mesmo prepotente, em assuntos de fôro íntimo, D. Pedro II, perfeito conhecedor de seus patrícios e de suas qualidades e defeitos, geitosamente parece ter querido manter numa linha de estrita neutralidade política o marido de sua filha e herdeira. Forneceu-lhe, é verdade, mas a custo, uma oportunidade extraordinária, que êle pôde aproveitar, apesar das dificuldades a ela inerente: o comando em chefe do exército brasileiro na última fase da guerra com o Paraguai. Fora disto, não lhe permitiu, como à própria D. Isabel, qualquer interferência no funcionamento do mecanismo do Poder Moderador, a não ser durante as três Regências da Princeza. Seria esta, sem dúvida, uma forma bastante singular de preparar para o poder a sucessora, naturalmente destinada a contar com a colaboração, a todo o momento, de seu marido. Assim procederia o Imperador pela suposição de ser suficiente apenas o seu exemplo, ou, céptico também nêsse ponto, acreditaria que nem isso teria fôrça para moldar índoles de fibras tão sensíveis quanto a de Gatão de Orléans? 

Não importa sabe-lo. Nats assinalr que, tanto quanto se pode depreender das entrelinhas das respectivas biografias, - embora, ambos, inteligentes como eram, reconhecessem as recíprocas qualidades, - adotaram sogro e genro, entre êles, a política das reservas e das prevenções, sem que em vinte e cinco anos de convívio conseguissem preparar, de modo claro e prudente, a continuidade dinástica que ao primeiro se impunha criar, ao segundo receber e, quando oportuno, orientar.

Se esta situação ocorria dentro dos próprios paços do Rio de Janeiro e Petrópolis, e entre dois homens realmente superiores, fácil é de se perceber que muito maior seria a série de incompreensões que se levantaria entre a trabalhada opinião pública e o príncipe-consorte, entre os partidos políticos e o político colocado acima dos partidos. 

Repetir-se-ia no Brasil o exemplo do Príncipe Alberto? Nada deixaria supôr, à vista dos precedentes, tão mal conduzidos pela deseducação geral, pela falta de percepção das conveniências nacionais, través dos jogos da influência pessoais. Além do que, o caso do marido da Rainha Vitória tem muito de lenda póstuma, de história adrede preparada...

Fôrça é confessar que também contribuiu para formação dêsse ambiente de injustificada desconfiança o próprio caráter do Príncipe. Não era o Conde d’Eu dos que nasceram para conquistar simpatias à primeira vista, dos que despertam entusiasmo e adesão com simples presença física, o som da voz e palavras de comando. Homem de grande vida interior, conciente , mais do que ninguém, dos percalços de sua posição, não pecaria por imprudente, antes por omissão. Seus méritos, sólidos e até comprovados pela experiência na guerra, não era dos que deixam perceber ao primeiro contacto. Bravo, não exibia sua bravura. Dotado de uma formação moral perfeita, nunca fez praça de reformador. Destinado ao pode, embora indiretamente, jamais foi surpreendido a fantasiar projetos para o futuro. Discreto até o excesso, sua tendência misantrópica muito o prejudicou, inutilizando qualidades que só não viam os que não queriam ver.

Assim passou entre nós um quarto de século o Conde d’Eu. Desaproveitado pelo sogro e pelos políticos, incompreendido pela massa, como pelos próprios irmãos de armas, nem mesmo as regências de D. Isabel lhe forneceram oportunidade para abandonar a posição de reserva que se viu obrigado a criar e manter. Não era dos que se ofereciam sem solicitação, a não ser que o motivo pela sua mesma grandeza o justificasse, como no caso da ida para a guerra, tão insistentemente pedida quanto protelada.

Cerceado por tantas oposições, desconfiado, porque compreendia o alcance das limitações que lhe eram impostas, pôde apenas cumprir os seus deveres de militar, de marido e de pai. Serviu à terra que tão mal o acolheu, não se eximindo nem mesmo ao dever de por ela se arriscar a própria vida, no campo de batalha. Incompreendido, caluniado, combatido até com as armas mais torpes, teve a magnanimidade fidalga de se não queixar, nem antes nem depois da proclamação da República. Naturalizado brasileiro com a insistência juvenil em seguir para o Paraguai, brasileiro, e dos melhores, foi também durante o longo exílio, brasileiro ao transmitir aos filhos o amor pela pátria em que nasceram, brasileiro, afinal, ao procurar, já viúvo e quase octogenário, mais uma vez atingir a terra do Brasil que como ninguém soube adotar como sua, por ela sofrendo o que ninguém sofreu, a mais prolongada incompreensão coletiva de que aqui se tem notícia. Glorificando-o em 1943, por ocasião do centenário de seu nascimento, a nação brasileira nobremente se redimiu dessa injustiça, ainda uma vez confirmando a regra de que somente à História compete dizer a última palavra.

CONTINUA...

Deus Salve o Império

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