S.M. o Rei Dom João VI de Portugal, Brasil e Algarves
Foi moda, durante muito tempo, difamar D. Pedro I e zombar o mais possível do bom Rei D. João VI, a quem o Brasil deve sua organização autônoma, suas melhores fundações de cultura e até seus devaneios de grandeza.
D. João VI tem sido, até hoje, muito mal julgado no Brasil. É uma pena. Comparadas as suas virtudes com os seus defeitos, aquelas sobrepujam a estes vantajosamente. Ele foi o Monarca português que olhou o nosso País com maiores simpatias, e que melhores benefícios lhe prestou. Não foi o que se pode chamar um grande Soberano, de quem seja lícito referir brilhantes proezas militares ou golpes audaciosos de administração. O que ele fez, o que conseguiu, não foi pouco. Conseguiu-o pelo exercício combinado de dois predicados que denotam superioridade: um de caráter, a bondade; o outro de inteligência, o senso prático ou de governo. Foi brando e sagaz, insinuante e precavido, afável e pertinaz. O D. João VI medíocre, incapaz de qualquer ação governativa, aparvalhado, ridículo, dominado sempre pela vontade alheia, é uma lenda que foi introduzida no espírito do povo, e que provavelmente ainda há de durar por muito tempo, mas que o estudo calmo e consciencioso de nossa História demonstra não ser absolutamente verdade. Durante o primeiro período do reinado de D. João, entre nós, o Conde de Linhares dirigiu os negócios do Estado e as coisas da administração, com autonomia quase absoluta. Ora, o Conde de Linhares era um dos estadistas portugueses mais afeiçoados ao Brasil. D. João o sabia, e por isso mesmo o escolheu, como escolheu depois o Conde da Barra, como escolheu mais tarde Tomás Antonio, o homem que tinha a coragem de dizer: “O Brasil é independente, e nenhuma nação da Europa o pode atacar com vantagem”.
O governo de D. João VI fez raiar para a América portuguesa uma nova era. Abriram-se os nossos portos ao comércio das nações estrangeiras. Instituíram-se os serviços de higiene. Estabeleceram-se o ensino médico, o curso de agricultura, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, o curso de cirurgia. Criaram-se o Supremo Conselho Militar de Justiça, a Intendência Geral de Polícia, o Arquivo Militar do Brasil, a Mesa do Desembargador do Paço, a Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, o Museu Real, a Academia das Artes, a Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, a Biblioteca Pública. Decretou-se a liberdade de manufaturas e indústrias em todo o território nacional. Concedeu-se aos nossos habitantes o privilégio de não serem executados na propriedade dos seus engenhos, fábricas e lavouras, e sim em uma parte dos rendimentos. Isentaram-se de direitos os livros impressos e as matérias primas que servissem de base a quaisquer indústrias manufatureiras. Instalou-se o correio entre as nossas várias províncias. Criou-se o Banco do Brasil. Promoveu o Governo a publicação do primeiro jornal que aqui se editou, a “Gazeta do Rio de Janeiro”. Elevou-se o Brasil à categoria de Reino.D. João VI foi mal compreendido e ridicularizado, mas foi ele quem erigiu em nossa Pátria esse colossal monumento administrativo.
O bom Rei D. João VI na intimidade
O famoso pintor Debret conta que no dia do casamento da Princesa Leopoldina com o então Príncipe D. Pedro, ao conduzi-la para o quarto nupcial, disse-lhe D. João VI:
— Penso que este quarto, embora mobiliado simplesmente, ser-vos-á agradável.De fato assim o foi. O primeiro objeto com que a Princesa deparou foi um busto do Imperador da Áustria, seu pai, que D. João tivera a lembrança de fazer vir de Viena. Ante a emoção que dominou D. Leopoldina, o Príncipe Regente tomou-lhe as mãos, e com os olhos enternecidos prosseguiu:
— Como sois instruída, não posso pretender oferecer-vos qualquer obra desconhecida, mas estou certo de que achareis prazer em percorrer este volume que vos ofereço.
A Princesa, já comovida, abriu o livro e viu que continha uma coleção de retratos de todos os membros de sua família, que D. João mandara buscar na capital austríaca. Chorando, D. Leopoldina beijou agradecida a mão do sogro, feliz em ver a alegria daquela que vinha unir-se aos destinos do Brasil.
Passando um dia pela Rua dos Ourives, D. João VI ouviu gritos lancinantes que partiam de uma loja. Fez parar a carruagem e chamou dois negros que trabalhavam, ordenando-lhes que chamassem o dono da casa. Momentos depois este vinha ao encontro de Sua Majestade, quebrado em dois, numa eloquente atitude de submissão.
— De onde vêm esses gritos? – perguntou D. João.
— É uma de minhas escravas, a quem estou fazendo chicotear.
— Que fez ela?
— Ela me roubou açúcar.
— Quantas chicotadas ela deve receber?
— Cento e cinquenta.
— Quantas já recebeu?
— Oitenta e duas.
— Eu te peço o perdão pelo resto.
— Obedecerei a Vossa Majestade.
— Eu te agradeço – disse D. João, fazendo um gesto ao cocheiro para que pusesse a carruagem em movimento.
Não estava ainda o Rei longe, quando novamente ouviu os gritos da preta. Fez voltar o carro, chamou o impiedoso senhor e, como punição, libertou a escrava.
D. Francisco de Almeida, Conde de Galveias, foi uma das figuras mais simpáticas da corte. Era desleixado, e raramente se barbeava. Num dia de festa, quando se apresentou perante D. João VI com a barba crescida, este lhe disse:
— Mas D. Francisco, nem hoje, dia de meus anos, fizeste a barba?
— Por que não fez Vossa Majestade anos anteontem, que foi o dia em que me barbeei?
Quando a segurança do trono estava em jogo, D. João VI se transfigurava. São elucidativas a este respeito as declarações do Visconde do Rio Seco. Chamando-o às pressas, no momento do embarque da Corte para o Brasil, D. João mandou que se retirassem todas as pessoas do gabinete, e depois de fechadas as portas, disse:
— Mandei-te chamar para prevenir que não cumpras ordem de pessoa alguma, ainda que fale em meu nome. Ordem minha, só de viva voz.
Os cofres das preciosidades que trouxe vieram na própria nau de Sua Majestade, trazendo ele mesmo todas as suas chaves.
Extraído de: www.fatosdobrasilimperio.blogspot.com.br
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