domingo, 1 de novembro de 2015

O CURIOSO CASO DE NORTON, "IMPERADOR" DOS EUA

Joshua Abraham Norton, Imperador dos Estados Unidos e Protetor do México

Oficialmente, os Estados Unidos tiveram trinta e sete Presidentes diferentes¹. Mas em um certo momento nosso país também teve outro chefe de estado além de um Presidente – ele na realidade teve um imperador.
Apesar de poucos livros de história mencionarem seu nome, na metade do século XIX Joshua Abraham Norton proclamou a si mesmo Norton I, Imperador dos Estados Unidos e Protetor do México. Por quase um quarto de século ele governou seu vasto domínio com exemplar benevolência e gentil bom senso. Diferente de todos os nossos Presidentes, Joshua Norton não era cidadão natural dos Estados Unidos. Nascido na Inglaterra em 1819, ele emigrou com seus pais para a África do Sul onde passou sua juventude. Não foi até 1849, como um jovem homem de 30 anos, que ele imigrou para sua futura capital – São Francisco.

Norton era diferente da maioria da época. Ele não veio com os bolsos vazios explorar o recém descoberto ouro da Califórnia. Ao invés disso, é dito que ele chegou ao porto com $40,000. Com esse capital ele se estabeleceu nos negócios de corretagem de imóveis e importação e em algum tempo havia transformado essa quantia considerável em uma fortuna respeitável. Aplicando práticas sagazes de negócios a uma variedade de empreendimentos, é dito que Norton tinha acumulado por volta de um quarto de milhão de dólares em 1853. Infelizmente, a ruína financeira de Joshua veio de maneira tão rápida quanto seu sucesso. Prevendo uma grande demanda de arroz dos muitos trabalhadores Orientais da cidade, ele comprou o quanto pôde de arroz em uma tentativa de monopolizar o mercado local. Como ele previu, o preço do arroz disparou. Mas antes que ele pudesse tirar alguma vantagem dos preços inflacionados, dois navios carregados com mais arroz chegaram ao porto. Suas vastas posses perderam todo o valor, ele entrou em falência. Durante o litígio que se seguiu, Norton perdeu tudo que tinha. Ele desapareceu por algum tempo, deixando muitos a cogitar sobre que destino levou. Quando ele finalmente reapareceu em 1857, era patente que além de ter perdido toda sua fortuna, ele também tinha perdido seu equilíbrio mental e sua identidade.

Joshua A. Norton retornou para São Francisco não como um comerciante falido, mas como ninguém menos que o Imperador dos Estados Unidos, e anunciou seu governo emitindo uma proclamação oficial. Com a cooperação do editor do San Francisco Bulletin, o decreto de Norton tornou-se conhecido por seus súditos em 17 de setembro de 1859.

“No imperativo pedido e desejo da larga maioria dos cidadãos destes Estados Unidos.” “Representantes de diferentes estados,” Norton ordenou, deveriam se reunir no Salão Musical de São Francisco no seguinte mês de fevereiro “para fazer tais alterações nas leis existentes na União de maneira a melhorar os males sob os quais o país está trabalhando e portanto causar confiança de existir, tanto em casa quanto no exterior, em nossa estabilidade e integridade.”

Aparentemente, tal reunião nunca aconteceu; não obstante, Norton assumiu sua elevada posição. Vestido em um folgado uniforme militar azul e desbotado, completo com dragonas douradas e botões brilhantes de bronze, Norton passou a pavonear-se pelas ruas de São Francisco como se ele realmente governasse a cidade. Apesar de ele usar outros chapéus durante seu reinado, era um chapéu de pele de castor que Norton parecia preferir. Penas alegremente coloridas no topo do já alto chapéu adicionavam algumas polegadas à sua um tanto atarracada figura. Mas eram o porte real e sua atitude em si que faziam dele a impressionante figura que era. Norton parecia e agia em todos os pontos como um rei, mesmo se algumas vezes sua vestimenta real não servisse tão bem e fosse um tanto ruim para vestir. Com uma espada cerimonial ao seu lado e um guarda-chuva ou bengala como seu cetro, o monarca barbado passeava por seu domínio. Durante sua patrulha diária das ruas de São Francisco Norton se certificava de que todas as ruas estavam desobstruídas. Ele inspecionava a polícia para ver se estavam em serviço. Ele checava o progresso dos reparos necessários nas ruas, inspecionava prédios em construção, e no geral fazia com que todos os regulamentos da cidade fossem aplicados.

Norton por vezes era incomodado por alguns provocadores impertinentes, mas ademais os cidadãos de São Francisco adotaram o excêntrico ex-comerciante e efetivamente concederam a ele o real tratamento por ele exigido. Ele era admitido em restaurantes como convidado dos proprietários. Quando sua fama se espalhou os donos de restaurantes na verdade competiam por sua patronagem e aprovação real. Transporte era provido sem custos. Em dado momento a cidade passou a prover uma quantia anual para os aparatos do Imperador.  Para cuidar de quaisquer outras necessidades físicas de sua majestade, foi permitido a Norton emitir títulos, coletar taxas de seus súditos, ou descontar suas próprias ações (pagáveis “pelos agentes da nossa Propriedade Privada, no caso de o Governo de Norton Primeiro não manter-se firme”), impressas sem custo por tipógrafos locais. Como um ditador sábio Norton tinha o cuidado de não impor encargos indevidos a seus súditos. Suas necessidades eram modestas, portanto as demandas periódicas por assistência financeira eram conservadas a um mínimo.

 
Os cidadãos da jovem cidade fizeram com que o Imperador Norton fosse bem tratado, mas eles também foram um pouco mais longe. Eles mais do que alimentaram suas ilusões. Eles até mesmo pareciam orgulhosos de que sua cidade tivesse a honra de ser sua real capital. Fosse com uma saudação ou uma reverência quando passavam por ele na rua, eles universalmente deram ao Imperador o tributo por ele esperado. Eles até o listaram no diretório da cidade como “Norton, Joshua (Imperador), dwl. Hotel Metropolitano”. Foi permitido a ele revistar os cadetes da Universidade da Califórnia. Deram a ele o lugar de honra em peças, concertos, palestras públicas e outras questões cívicas. O departamento de polícia – o “Constabulário Imperial” de Norton – reservou uma pequena cadeira para ele na delegacia e até o favoreceu para marchar na frente de sua parada anual. 

Quando Norton saía pelas ruas de São Francisco, sua corte real de dois cães vira-latas quase sempre estaria por perto. Famosos pela capacidade de manter a população de ratos sob controle, Bummer e Lazarus eram companhias constantes. Como o próprio Imperador, eles logo acharam o caminho para os corações dos cidadãos de São Francisco. Quando um agente novato da carrocinha levou Lazarus por engano uma vez, uma multidão enraivecida protestou vigorosamente; e os oficiais da cidade rapidamente anunciaram que os cães teriam passe-livre para andar pela cidade. Mas apesar de sua liberdade, eles pareciam preferir seguir o Imperador. Nos balcões de almoço gratuito, especialmente, eles podiam ser vistos nos calcanhares de seu rei enquanto esperavam que ele os atirasse alguns pedaços selecionados. Norton gozava dos poderes e privilégios cabíveis a um imperador, mas ele fazia mais do que simplesmente aceitar o tributo de seus súditos. Norton I era um monarca trabalhador. Conquanto muito de seu tempo fosse gasto inspecionando seu domínio, ele nunca renegava o trabalho burocrático. Durante seu reinado Norton emitiu uma grande variedade de documentos reais, e, como súditos reais, os editores de jornais seguiam suas ordens e os imprimiam.

Na cena local, Norton certa vez emitiu uma proclamação para assegurar que o respeito merecido fosse dado à sua amada capital. “Qualquer um após devido e próprio aviso,” ele proclamou , “for ouvido proferir a ventral palavra ‘Frisco’, que não possui garantia linguística ou qualquer outra, deverá ser considerado culpado de um Alto Delito”. A penalidade por não cumprimento era de 25 dólares. A proclamação obviamente se provou difícil de aplicar, mas muitos nativos de São Francisco até hoje a obedecem. Aparentemente, Norton I pode ter perdido contato com a realidade, mas seus objetivos altruístico e aspirações para seu país adotivo – e sua compreensão sobre o que o país precisava – eram notáveis.

No início de julho de 1860 Imperador Norton viu problemas se formando entre o norte e o sul e declarou que a União se dissolvesse pela duração da emergência. Ele queria arbitrar a Guerra Civil, mas ninguém pareceu inclinado a aceitar sua generosa oferta. Em 1869 ele mostrou uma surpreendente visão quando ordenou que uma ponte fosse construída através da Baía de São Francisco. As pessoas riram de sua proposta ridícula, mas 60 anos mais tarde a Oakland-San-Francisco Bay Bridge virou realidade. Atualmente uma placa honra a sabedoria do Imperador: “Pare viajante, e seja grato a Norton I… cuja sabedoria profética concebeu e decretou a construção da ponte da Baía de São Francisco…”

O amor e a preocupação do Imperador Norton por São Francisco não o preveniu de direcionar sua atenção para a cena nacional. Sua Majestade logo se cansou de todas as injúrias políticas em curso no país, e ele decidiu colocar um fim nelas emitindo outra de suas famosas proclamações no San Francisco Herald em 4 de agosto de 1869:

"Com o desejo de dissipar as discórdias da luta partidária atualmente existindo em nossa esfera, [Eu] ora dissolvo e extingo os partidos Democrata e Republicano, e também ora decreto a marginalização e aprisionamento, por não mais que dez, não menos que cinco anos, de todos aqueles que levarem à violação deste nosso decreto imperial."

Norton governou muito de seu reino por meio de proclamações, mas ele não estava acima de lidar diretamente com os problemas e questões que mereciam sua direta atenção. Durante uma das típicas demonstrações anti-Chinesas tão comuns na época, o Imperador deu à população local uma lição prática da aplicação da civilidade – e da oração. Sentindo o tom perigosamente inflamado de uma reunião em particular, é dito que Norton pôs-se de pé defronte ao grupo, curvou sua cabeça e começou a recitar o Pai-Nosso. Em poucos minutos os agitadores recuaram envergonhados sem pôr em ação nenhuma de suas cruéis ameaças.

A posição do Imperador sobre os direitos iguais para as mulheres, entretanto, parecia variar. Uma petição de outubro de 1878 para a Convenção Constitucional da Califórnia pedindo por uma emenda de que “nenhum cidadão do Estado deverá ser marginalizado com base no gênero” teve entre seus assinantes “Imperador Norton I”. Apesar de não ser um chauvinista típico do século XIX, entretanto, Norton traçou uma tênue linha em torno do papel da mulher. Quando o Imperador compareceu para ouvir a palestra de uma líder do movimento sobre o direito das mulheres, por exemplo, pareceu correto que o mestre de cerimônias apresentasse Norton e sugerisse que ele fosse ao palco antes da convidada principal e recebesse a saudação de seus súditos. Mas a balbúrdia deve ter-se seguido quando ele mesmo decidiu palestrar sobre o assunto, dizendo às mulheres presentes que “fossem pra casa e cuidassem de suas crianças”.

Apesar de Norton estar obviamente ocupado com seus dever local e nacional, ele também achou tempo para opinar em assuntos internacionais. Certa vez ele tornou público que o México havia “implorado a ele para que o governasse”. Como resultado, ele adicionou “Protetor do México” ao seu já pomposo título. Mas seu protetorado não durou muito; ele rapidamente largou seu novo título com a explicação de que era “impossível proteger uma nação tão inquieta”.

Apesar de Norton ter morrido inesperadamente de apoplexia em 8 de janeiro de 1880 enquanto fazia suas rondas diárias, ele continuou Imperador. Os cidadãos de São Francisco que o honraram em vida continuaram a ser súditos leais após sua morte. Toda a cidade chorou sua perda. “São Francisco sem o Imperador Norton”, um jornal anunciou, “será como um trono sem um rei”, e a cidade sabia disso. Os cidadãos passaram a amar Norton, excêntrico ou não, e eles fizeram com isso fosse sabido. Bandeira a meio-mastro. Lojas fechadas por respeito. O funeral e os preparativos para o enterro do Imperador foram os mais elaborados que a cidade já tinha visto, com impressionantes 20,000 pessoas prestando suas últimas homenagens. Com os cidadãos mais abastados cobrindo as despesas, Norton foi deixado para descansar no Cemitério Maçônico com toda a cerimônia que um imperador verdadeiro teria recebido.

(Texto adicional)
Em 1934, seus restos tiveram que ser removidos para o Cemitério Woodlawn, em Colma. Cinqüenta e quatro anos após sua morte, ele ainda capturava a imaginação de São Francisco. Bandeiras pela cidade foram abaixadas e lojas realmente fecharam as portas em sua honra. Pessoas compareceram à cerimônia que teve todas as honras militares. Em sua nova lápide de granito foi gravado “Norton I, Imperador dos Estados Unidos, Protetor do México, Joshua A. Norton, 1819-1880”. Não há aspas em sua lápide.

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