Joshua Abraham Norton, Imperador dos Estados Unidos e Protetor do
México
Oficialmente, os Estados Unidos tiveram
trinta e sete Presidentes diferentes¹. Mas em um certo momento nosso
país também teve outro chefe de estado além de um Presidente – ele na
realidade teve um imperador.
Apesar de poucos livros de história
mencionarem seu nome, na metade do século XIX Joshua Abraham Norton
proclamou a si mesmo Norton I, Imperador dos Estados Unidos e Protetor
do México. Por quase um quarto de século ele governou seu vasto domínio
com exemplar benevolência e gentil bom senso. Diferente de todos os nossos Presidentes,
Joshua Norton não era cidadão natural dos Estados Unidos. Nascido na
Inglaterra em 1819, ele emigrou com seus pais para a África do Sul onde
passou sua juventude. Não foi até 1849, como um jovem homem de 30 anos,
que ele imigrou para sua futura capital – São Francisco.
Norton era diferente da maioria da época.
Ele não veio com os bolsos vazios explorar o recém descoberto ouro da
Califórnia. Ao invés disso, é dito que ele chegou ao porto com $40,000. Com esse capital ele se estabeleceu nos
negócios de corretagem de imóveis e importação e em algum tempo havia
transformado essa quantia considerável em uma fortuna respeitável.
Aplicando práticas sagazes de negócios a uma variedade de
empreendimentos, é dito que Norton tinha acumulado por volta de um
quarto de milhão de dólares em 1853. Infelizmente, a ruína financeira de
Joshua veio de maneira tão rápida quanto seu sucesso. Prevendo uma
grande demanda de arroz dos muitos trabalhadores Orientais da cidade,
ele comprou o quanto pôde de arroz em uma tentativa de monopolizar o
mercado local. Como ele previu, o preço do arroz disparou. Mas antes que
ele pudesse tirar alguma vantagem dos preços inflacionados, dois navios
carregados com mais arroz chegaram ao porto. Suas vastas posses
perderam todo o valor, ele entrou em falência. Durante o litígio que se
seguiu, Norton perdeu tudo que tinha. Ele desapareceu por algum tempo,
deixando muitos a cogitar sobre que destino levou. Quando ele finalmente
reapareceu em 1857, era patente que além de ter perdido toda sua
fortuna, ele também tinha perdido seu equilíbrio mental e sua
identidade.
Joshua A. Norton retornou para São
Francisco não como um comerciante falido, mas como ninguém menos que o
Imperador dos Estados Unidos, e anunciou seu governo emitindo uma
proclamação oficial. Com a cooperação do editor do San Francisco Bulletin, o decreto de Norton tornou-se conhecido por seus súditos em 17 de setembro de 1859.
“No imperativo pedido e desejo da larga
maioria dos cidadãos destes Estados Unidos.” “Representantes de
diferentes estados,” Norton ordenou, deveriam se reunir no Salão Musical
de São Francisco no seguinte mês de fevereiro “para fazer tais
alterações nas leis existentes na União de maneira a melhorar os males
sob os quais o país está trabalhando e portanto causar confiança de
existir, tanto em casa quanto no exterior, em nossa estabilidade e
integridade.”
Aparentemente, tal reunião nunca
aconteceu; não obstante, Norton assumiu sua elevada posição. Vestido em
um folgado uniforme militar azul e desbotado, completo com dragonas
douradas e botões brilhantes de bronze, Norton passou a pavonear-se
pelas ruas de São Francisco como se ele realmente governasse a cidade.
Apesar de ele usar outros chapéus durante seu reinado, era um chapéu de
pele de castor que Norton parecia preferir. Penas alegremente coloridas
no topo do já alto chapéu adicionavam algumas polegadas à sua um tanto
atarracada figura. Mas eram o porte real e sua atitude em si que faziam
dele a impressionante figura que era. Norton parecia e agia em todos os
pontos como um rei, mesmo se algumas vezes sua vestimenta real não
servisse tão bem e fosse um tanto ruim para vestir. Com uma espada cerimonial ao seu lado e
um guarda-chuva ou bengala como seu cetro, o monarca barbado passeava
por seu domínio. Durante sua patrulha diária das ruas de São Francisco
Norton se certificava de que todas as ruas estavam desobstruídas. Ele
inspecionava a polícia para ver se estavam em serviço. Ele checava o
progresso dos reparos necessários nas ruas, inspecionava prédios em
construção, e no geral fazia com que todos os regulamentos da cidade
fossem aplicados.
Norton por vezes era incomodado por
alguns provocadores impertinentes, mas ademais os cidadãos de São
Francisco adotaram o excêntrico ex-comerciante e efetivamente concederam
a ele o real tratamento por ele exigido. Ele era admitido em
restaurantes como convidado dos proprietários. Quando sua fama se
espalhou os donos de restaurantes na verdade competiam por sua
patronagem e aprovação real. Transporte era provido sem custos. Em dado
momento a cidade passou a prover uma quantia anual para os aparatos do
Imperador. Para cuidar de quaisquer outras necessidades físicas de sua
majestade, foi permitido a Norton emitir títulos, coletar taxas de seus
súditos, ou descontar suas próprias ações (pagáveis “pelos agentes da
nossa Propriedade Privada, no caso de o Governo de Norton Primeiro não
manter-se firme”), impressas sem custo por tipógrafos locais. Como um
ditador sábio Norton tinha o cuidado de não impor encargos indevidos a
seus súditos. Suas necessidades eram modestas, portanto as demandas
periódicas por assistência financeira eram conservadas a um mínimo.
Os cidadãos da jovem cidade fizeram com
que o Imperador Norton fosse bem tratado, mas eles também foram um pouco
mais longe. Eles mais do que alimentaram suas ilusões. Eles até mesmo
pareciam orgulhosos de que sua cidade tivesse a honra de ser sua real
capital. Fosse com uma saudação ou uma reverência quando passavam por
ele na rua, eles universalmente deram ao Imperador o tributo por ele
esperado. Eles até o listaram no diretório da cidade como “Norton,
Joshua (Imperador), dwl. Hotel Metropolitano”. Foi permitido a ele
revistar os cadetes da Universidade da Califórnia. Deram a ele o lugar
de honra em peças, concertos, palestras públicas e outras questões
cívicas. O departamento de polícia – o “Constabulário Imperial” de
Norton – reservou uma pequena cadeira para ele na delegacia e até o
favoreceu para marchar na frente de sua parada anual.
Quando Norton saía
pelas ruas de São Francisco, sua corte real de dois cães vira-latas
quase sempre estaria por perto. Famosos pela capacidade de manter a
população de ratos sob controle, Bummer e Lazarus eram companhias
constantes. Como o próprio Imperador, eles logo acharam o caminho para
os corações dos cidadãos de São Francisco. Quando um agente novato da
carrocinha levou Lazarus por engano uma vez, uma multidão enraivecida
protestou vigorosamente; e os oficiais da cidade rapidamente anunciaram
que os cães teriam passe-livre para andar pela cidade. Mas apesar de sua
liberdade, eles pareciam preferir seguir o Imperador. Nos balcões de
almoço gratuito, especialmente, eles podiam ser vistos nos calcanhares
de seu rei enquanto esperavam que ele os atirasse alguns pedaços
selecionados. Norton gozava dos poderes e privilégios
cabíveis a um imperador, mas ele fazia mais do que simplesmente aceitar o
tributo de seus súditos. Norton I era um monarca trabalhador. Conquanto
muito de seu tempo fosse gasto inspecionando seu domínio, ele nunca
renegava o trabalho burocrático. Durante seu reinado Norton emitiu uma
grande variedade de documentos reais, e, como súditos reais, os editores
de jornais seguiam suas ordens e os imprimiam.
Na cena local, Norton certa vez emitiu
uma proclamação para assegurar que o respeito merecido fosse dado à sua
amada capital. “Qualquer um após devido e próprio aviso,” ele proclamou ,
“for ouvido proferir a ventral palavra ‘Frisco’, que não possui
garantia linguística ou qualquer outra, deverá ser considerado culpado
de um Alto Delito”. A penalidade por não cumprimento era de 25 dólares. A
proclamação obviamente se provou difícil de aplicar, mas muitos nativos
de São Francisco até hoje a obedecem. Aparentemente, Norton I pode ter perdido
contato com a realidade, mas seus objetivos altruístico e aspirações
para seu país adotivo – e sua compreensão sobre o que o país precisava –
eram notáveis.
No início de julho de 1860 Imperador
Norton viu problemas se formando entre o norte e o sul e declarou que a
União se dissolvesse pela duração da emergência. Ele queria arbitrar a
Guerra Civil, mas ninguém pareceu inclinado a aceitar sua generosa
oferta. Em 1869 ele mostrou uma surpreendente visão quando ordenou que
uma ponte fosse construída através da Baía de São Francisco. As pessoas
riram de sua proposta ridícula, mas 60 anos mais tarde a Oakland-San-Francisco Bay Bridge virou
realidade. Atualmente uma placa honra a sabedoria do Imperador: “Pare
viajante, e seja grato a Norton I… cuja sabedoria profética concebeu e
decretou a construção da ponte da Baía de São Francisco…”
O amor e a preocupação do Imperador
Norton por São Francisco não o preveniu de direcionar sua atenção para a
cena nacional. Sua Majestade logo se cansou de todas as injúrias
políticas em curso no país, e ele decidiu colocar um fim nelas emitindo
outra de suas famosas proclamações no San Francisco Herald em 4 de agosto de 1869:
"Com o desejo de dissipar as
discórdias da luta partidária atualmente existindo em nossa esfera, [Eu]
ora dissolvo e extingo os partidos Democrata e Republicano, e também
ora decreto a marginalização e aprisionamento, por não mais que dez,
não menos que cinco anos, de todos aqueles que levarem à violação deste
nosso decreto imperial."
Norton governou muito de seu reino por
meio de proclamações, mas ele não estava acima de lidar diretamente com
os problemas e questões que mereciam sua direta atenção. Durante uma das
típicas demonstrações anti-Chinesas tão comuns na época, o Imperador
deu à população local uma lição prática da aplicação da civilidade – e
da oração. Sentindo o tom perigosamente inflamado de uma reunião em
particular, é dito que Norton pôs-se de pé defronte ao grupo, curvou sua
cabeça e começou a recitar o Pai-Nosso. Em poucos minutos os agitadores
recuaram envergonhados sem pôr em ação nenhuma de suas cruéis ameaças.
A posição do Imperador sobre os direitos
iguais para as mulheres, entretanto, parecia variar. Uma petição de
outubro de 1878 para a Convenção Constitucional da Califórnia pedindo
por uma emenda de que “nenhum cidadão do Estado deverá ser marginalizado
com base no gênero” teve entre seus assinantes “Imperador Norton I”.
Apesar de não ser um chauvinista típico do século XIX, entretanto,
Norton traçou uma tênue linha em torno do papel da mulher. Quando o
Imperador compareceu para ouvir a palestra de uma líder do movimento
sobre o direito das mulheres, por exemplo, pareceu correto que o mestre
de cerimônias apresentasse Norton e sugerisse que ele fosse ao palco
antes da convidada principal e recebesse a saudação de seus súditos. Mas
a balbúrdia deve ter-se seguido quando ele mesmo decidiu palestrar
sobre o assunto, dizendo às mulheres presentes que “fossem pra casa e
cuidassem de suas crianças”.
Apesar de Norton estar obviamente ocupado
com seus dever local e nacional, ele também achou tempo para opinar em
assuntos internacionais. Certa vez ele tornou público que o México havia
“implorado a ele para que o governasse”. Como resultado, ele adicionou
“Protetor do México” ao seu já pomposo título. Mas seu protetorado não
durou muito; ele rapidamente largou seu novo título com a explicação de
que era “impossível proteger uma nação tão inquieta”.
Apesar de Norton ter morrido
inesperadamente de apoplexia em 8 de janeiro de 1880 enquanto fazia suas
rondas diárias, ele continuou Imperador. Os cidadãos de São Francisco
que o honraram em vida continuaram a ser súditos leais após sua morte.
Toda a cidade chorou sua perda. “São Francisco sem o Imperador Norton”,
um jornal anunciou, “será como um trono sem um rei”, e a cidade sabia
disso. Os cidadãos passaram a amar Norton, excêntrico ou não, e eles
fizeram com isso fosse sabido. Bandeira a meio-mastro. Lojas fechadas
por respeito. O funeral e os preparativos para o enterro do Imperador
foram os mais elaborados que a cidade já tinha visto, com
impressionantes 20,000 pessoas prestando suas últimas homenagens. Com os
cidadãos mais abastados cobrindo as despesas, Norton foi deixado para
descansar no Cemitério Maçônico com toda a cerimônia que um imperador
verdadeiro teria recebido.
(Texto adicional)
Em 1934, seus restos tiveram que ser
removidos para o Cemitério Woodlawn, em Colma. Cinqüenta e quatro anos
após sua morte, ele ainda capturava a imaginação de São Francisco.
Bandeiras pela cidade foram abaixadas e lojas realmente fecharam as
portas em sua honra. Pessoas compareceram à
cerimônia que teve todas as honras militares. Em sua nova lápide de
granito foi gravado “Norton I, Imperador dos Estados Unidos, Protetor do
México, Joshua A. Norton, 1819-1880”. Não há aspas em sua lápide.
FONTE:
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