De origens humildes, cedo seu talento foi reconhecido, sendo admitido como aluno da Academia Imperial de Belas Artes. Especializou-se no gênero da pintura histórica, e ao ganhar o Prêmio de Viagem ao Exterior da Academia, passou vários anos em aperfeiçoamento na Europa. Lá pintou sua obra mais conhecida, A Primeira Missa no Brasil. Voltando ao Brasil tornou-se um dos pintores preferidos de Dom Pedro II, inserindo-se no programa de mecenato do monarca e alinhando-se à sua proposta de renovação da imagem do Brasil através da criação de símbolos visuais de sua história.
Tornou-se admirado professor da Academia, formando uma geração de grandes pintores, e continuou seu trabalho pessoal realizando outras pinturas históricas importantes, como a Batalha dos Guararapes, a Moema e o Combate Naval do Riachuelo, bem como retratos e paisagens, onde se destacam o Retrato de Dom Pedro II e os seus três Panoramas. Fez muitos admiradores, mas também muitos críticos, despertando fortes polêmicas, num período em que se acendia a disputa entre os acadêmicos e os primeiros modernistas. Com o advento da República, por estar demasiado vinculado ao Império, caiu no ostracismo, e acabou sua vida em precárias condições financeiras, já muito esquecido.
A obra de Victor Meirelles pertence à tradição acadêmica brasileira, formada por uma eclética síntese de referências neoclássicas, românticas e realistas, mas o pintor absorveu também influências barrocas e do grupo dos Nazarenos. Um dos principais pintores brasileiros do século XIX, para muitos o maior de todos, foi autor de algumas das mais célebres recriações visuais da história brasileira, que até os dias de hoje permanecem vivas na cultura nacional e são incessantemente reproduzidas em livros escolares.
CONSAGRAÇÃO
Retrato de Dom Pedro II, 1864, uma das obras mais clássicas de Meirelles.
Museu de Arte de São Paulo.
De talento precoce, foi notado e incentivado pela família e por autoridades locais, e em 1845 começou a ter aulas regulares com um professor de desenho geométrico, o engenheiro argentino Marciano Moreno. Ao mesmo tempo, provavelmente completou seus estudos gerais no Colégio dos Jesuítas, e é possível que tenha entrado em contato com artistas viajantes que documentavam a natureza e o povo local.
Alguns de seus desenhos foram vistos e apreciados por Jerônimo Coelho, conselheiro do Império, que os mostrou ao então diretor da Academia Imperial de Belas Artes, Félix-Émile Taunay. O diretor de imediato aceitou o jovem, então com apenas quatorze anos, como aluno da instituição. Transferindo-se para o Rio de Janeiro em 1847, passou a frequentar o curso de desenho, tendo as despesas iniciais financiadas por um grupo de mecenas e sendo alundo de Manuel Joaquim de Melo Corte Real, Joaquim Inácio da Costa Miranda e José Correia de Lima, que estudara com o classicista Debret. Já no ano seguinte conquistou uma medalha de ouro e pouco mais tarde voltou à sua cidade natal para visitar seus pais. Datam desta época as primeiras de suas obras conhecidas. Em 1849 estava novamente no Rio, estudando na Academia entre outras a disciplina de pintura histórica, gênero em que obteve seus maiores sucessos. Consta que Meirelles era um aluno brilhante, destacando-se em todas as disciplinas. Em 1852 venceu o Prêmio de Viagem à Europa com a pintura São João Batista no Cárcere.
Aos 21 anos incompletos, Victor Meirelles desembarcou em Havre, na França, em junho de 1853. Passou brevemente por Paris e em seguida estabeleceu-se em Roma, seu destino original. Lá conheceu dois outros alunos da Academia que também fazia seu aperfeiçoamento, Agostinho da Motta e Paliére Grandjean Ferreira, que o introduziram no ambiente artístico da cidade e o orientaram sobre quais mestres deveria procurar. A princípio entrou na classe de Tommaso Minardi, que, a despeito de sua fama, seguia um método austero demais, onde os alunos permaneciam excessivamente subordinados aos preceitos, sem oportunidade de desenvolverem idéias próprias. Então abandonou a classe e se matriculou no atelier de Nicola Consoni, membro da Academia de São Lucas.
Consonni também era rigoroso, mas Meirelles aproveitou bem as sessões de modelo vivo, imprescindíveis para o refinamento do desenho anatômico da figura humana, elemento essencial no gênero da pintura histórica, o mais prestigiado no sistema acadêmico. Paralelamente, exercitava-se na aquarela e entrava em contato com o vasto acervo de arte antiga da capital italiana. Numa segunda etapa, transferiu-se para Florença, conhecendo os museus locais e sendo fortemente impressionado pela arte de Veronese. Como estudo copiou obras do mestre, bem como de outras figuras destacadas, como Ticiano, Tintoretto e Lorenzo Lotto. Como era exigido pela Academia, regularmente enviava para o Brasil suas obras como prova de seu progresso. Seu rendimento era tão bom que o governo brasileiro decidiu renovar em 1856 sua bolsa de estudos por mais três anos, além de indicar ao artista uma lista de novos estudos específicos que ele deveria cumprir.
Desta forma, em 1856 seguiu para Milão e logo depois para Paris. Tentou, segundo recomendação de Araújo Porto-Alegre, na época diretor da Academia e seu principal mentor, ser admitido como aluno de Paul Delaroche, mas o mestre repentinamente faleceu. Assim precisou buscar outra orientação, encontrando-a em Léon Cogniet, pintor romântico igualmente celebrado, membro da Escola de Belas Artes de Paris e uma referência para os estrangeiros que iam estudar na Europa. Em seguida estudou com André Gastaldi, que possuía quase a mesma idade que Meirelles, mas que tinha uma visão mais avançada sobre a arte e lhe deu importante instrução sobre cores. Sua rotina, segundo relatos, era quase monástica, dedicando-se integralmente à arte, e novamente seus estudos foram considerados tão bons que sua bolsa de estudos foi prorrogada outra vez, por mais dois anos. Nesta época sua produção era numerosa, destacando-se entre todas suas obras A Primeira Missa no Brasil, executada entre 1858 e 1861, que lhe valeu espaço e elogios no prestigioso Salão de Paris de 1861, um feito inédito para artistas brasileiros que repercutiu muito positivamente em sua terra.
A Primeira Missa no Brasil, criada por Meirelles entre 1858 e 1861
No mesmo ano sua bolsa terminou e ele teve de retornar, já festejado como um gênio. Expôs a Primeira Missa e entre muitas homenagens recebeu do Imperador Dom Pedro II a Ordem da Rosa no grau de cavaleiro. Logo depois viajou para Santa Catarina para visitar sua mãe — o pai falecera enquanto ele estava na Europa. Permaneceu algum tempo ali e retornou ao Rio, onde foi nomeado Professor Honorário da Academia, sendo promovido pouco depois para Professor Interino, e mais tarde assumindo como Titular de pintura histórica. Testemunhos de alunos declaram seu respeito pelo artista, atestando o seu caráter impecável e sua enorme dedicação à docência, sendo considerado um professor atencioso, paciente e verdadeiramente interessado no progresso de seus discípulos. Sua fama se consolidou e desta época é a Moema, uma das mais conhecidas obras do indianismo brasileiro, mas que em sua primeira exposição não atraiu interesse. Não obstante, recebeu encomendas da família imperial, pintando o Casamento da Princesa Dona Isabel e um retrato do Imperador em 1864, além de retratos de membros da nobreza e de políticos. Em 1864 recebeu o hábito da Ordem de Cristo. Tornou-se conhecido também pela sua devoção às causas nacionais, e por isso foi contratado em 1868 pelo governo para realizar pinturas sobre a Guerra do Paraguai, que estava em pleno andamento, num contrato que ao mesmo tempo o honrava e lhe dava boa remuneração.
Imediatamente Meirelles deslocou-se para a região do conflito para colher impressões da paisagem e do ambiente militar. Instalou um atelier a bordo do navio Brasil, a capitânia da frota brasileira, e ali passou seis meses elaborando esboços para suas obras. Voltando ao Rio, ocupou um espaço no Convento de Santo Antônio, que transformou em atelier, e meteu-se ao trabalho afincadamente, isolando-se do mundo. Desse esforço resultaram duas de suas obras mais importantes, ambas de grandes dimensões: a Passagem de Humaitá e o Combate Naval de Riachuelo. Enquanto estava nesses trabalhos recebeu a visita da Família Imperial, com quem mantinha contato, o que resultou em novas pinturas e no envio do Combate Naval para representar o Brasil em uma feira internacional promovida nos Estados Unidos. No retorno da exposição a obra foi estragada.
Em 1871 pintou o Juramento da Princesa Regente, no ano seguinte foi nomeado comendador da Ordem da Rosa, e em 1875 iniciou os esboços para uma outra grande obra histórica, a Batalha dos Guararapes, aceitando um projeto que fora recusado por Pedro Américo, que preferiu trabalhar sobre a Batalha de Avaí. Como fizera antes, deslocou-se à região onde ocorrera o conflito para conceber a composição com maior verdade. As duas batalhas foram expostas no Salão de 1879, recebendo ambos os artistas o Grande Prêmio e o título de dignitários da Ordem da Rosa, mas desencadearam a maior polêmica estética que até então se travou no Brasil. Enquanto uns reconheciam as suas habilidades superlativas, saudando-os como gênios e heróis, outros os acusavam de plágio e de passadismo. Ao mesmo tempo, formaram-se dois partidos, um apoiando Meirelles e outro Américo, na disputa sobre qual das batalhas era mais perfeita. O público leigo também se engajou e a discussão tomou os jornais e revistas durante meses, mas a despeito de receber muito aplauso, as também numerosas críticas o abateram profundamente, jogando-o num estado de melancolia que, entre altos e baixos, aparentemente o acompanharia até o final da vida.
Em 1883 estava de novo na Europa, onde fez uma nova versão do Combate Naval de Riachuelo, que se perdera, no ano seguinte foi feito grande dignitário da Ordem da Rosa e na Bélgica iniciou, em 1885, a execução do Panorama do Rio de Janeiro, uma vista tomada a partir do morro de Santo Antônio. Para isso, contou com a ajuda do belga Henri Langerock, fundando com ele uma empresa de panoramas, um gênero que se tornava rapidamente popular em várias técnicas e podia significar um bom lucro para os artistas através da cobrança de ingressos para visitação. Em 1887 a pintura foi exposta em Bruxelas, fazendo uso de um cilindro giratório que permitia aos espectadores contemplar as vistas em 360 graus. A obra foi inaugurada em presença da família real da Bélgica e grande corpo de nobres e autoridades, sendo visitada por cerca de 50 mil pessoas, com grande repercussão na imprensa. A esta altura estava desfeita sua sociedade com Langerock, que o processou por supostas perdas financeiras, mas o caso foi decidido a favor de Meirelles. Em 1889 o panorama foi exposto na Exposição Universal de Paris, onde recebeu medalha de ouro e mais elogios da imprensa e do público, mas por falha na programação do evento e pela competição de muitas outras atrações, inclusive panoramas de outros artistas, sua visitação foi pouco expressiva.
ANOS FINAIS
Em 1889, com o Golpe de Estado da Proclamação da República, veio a perseguição política aos artistas oficiais da Monarquia e em 1890 foi demitido precocemente da Academia Imperial, agora transformada em Escola Nacional de Belas Artes. Com apenas 57 anos de idade, alegou-se que estava velho demais. Por um ano conseguiu colocação como professor no Liceu de Artes e Ofícios, mas a partir de 1891, outra vez desempregado, instalou seu Panorama do Rio em uma rotunda especialmente construída para ele no largo do Paço Imperial, onde cobrava mil réis por visitante. Segundo notícias da época, em seu primeiro ano de exibição a obra foi visitada por cerca de 70 mil pessoas, mas isso pode ser exagero publicitário. Pouco mais tarde franqueou o acesso aos escolares e ofereceu detalhados materiais didáticos complementares à obra, preocupado com a boa educação da população. Em 1893 o governo enviou uma representação para a Exposição Universal de Chicago, onde a Primeira Missa e o Panorama do Rio foram exibidos com grande sucesso. No mesmo ano fundou uma escola de pintura com Décio Villares e Eduardo de Sá, mas as aulas encerraram após alguns meses.
Sua segunda composição panorâmica apareceu em 1896, uma vasta paisagem de 115 metros de largura por 14,5 de altura, representando a entrada da Esquadra Legal na baía de Guanabara, um episódio da Revolta da Armada de 1894, que realizou praticamente sem auxílio nenhum, num esforço monumental, e quase sem auxílio também para as tarefas administrativas de exposição, os contatos, as buscas de patrocínio. Sem trabalho fixo, cansado e vivendo basicamente da renda das visitações aos panoramas, quando o governo exigiu, em 1898, que ele desmontasse a rotunda, ficou em sérias dificuldades financeiras, sobrevivendo da ajuda de amigos. Em 1900 seu Panorama do Descobrimento do Brasil, ainda incompleto, foi exibido na mostra do IV Centenário do Descobrimento, como a última tentativa de reavivar sua carreira, como referiu Mário Coelho. A mostra foi inaugurada em presença do presidente Campos Salles, que qualificou a obra como extraordinária, mas sua estrela já se apagava. Montou outro pavilhão de exibição numa chácara do antigo Seminário de São José, nos fundos do Convento do Carmo, mas os panoramas já não eram novidade e atraíam cada vez menos gente. Ainda alimentava a ideia de voltar a expô-los na Europa, procurando interessar o governo, mas o plano não deu em nada.
Pouco tempo antes de morrer o pintor havia doado seus panoramas ao Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista. Não se sabe exatamente o que se fez deles, mas o fato é que acabaram estragando e se perdendo. Além disso, o manejo das obras, todas imensas, era extremamente complicado; o maior dos panoramas havia empregado mais de três toneladas só de tinta, e como não tinham molduras fixas, a cada manuseio estragavam mais um pouco. Desde a doação, em 1902, já havia sido assinalado em relatório o perigo de deterioração das obras. Mas anos se passaram até que, em 1910, quando o Museu foi reformado, João José da Silva, restaurador da Escola de Belas Artes, foi designado para localizá-las e fazer uma inspeção. Disse que as encontrou já próximas da decomposição em três grandes caixas apodrecidas, abandonadas em um pavilhão arruinado, imundo e alagado que mais parecia um curral de porcos, e referiu que fora informado de que antes de serem recolhidas para lá estiveram largadas ao ar livre durante muito tempo, num terreiro da Quinta. Em seguida, acabaram novamente expostas às intempéries, sendo enroladas, não se sabe por quem, em três grandes cilindros e deixadas no pátio do Museu sem qualquer proteção ou cobertura, onde ficaram meses, à espera de solução burocrática para o seu caso, que nunca veio.
O destino final dos panoramas é nebuloso. Sandra Makowiecky diz que "segundo consta se pensou em fazer com eles uma fogueira. Outros acreditam que foram cortados em pedaços para servirem de cobertura às mobílias e outros materiais transportados em carrinhos de mão. Acredita-se até que parte deles foi atirada ao mar". O artista pensava que seria reconhecido pelas futuras gerações devido a esses grandes panoramas, porém, só restam deles alguns estudos. Muitos desenhos e estudos que o artista doou ao Museu Nacional também se perderam por negligência. Segundo seu biógrafo Carlos Rubens, pouco antes de morrer Meirelles teria dito a um amigo e antigo discípulo que se tivesse outra chance faria sua vida tomar outros caminhos, ao que o amigo respondeu: "E que outros caminhos levariam o senhor à Primeira Missa?" Como a História mostra, sua fama atual repousa principalmente nesta grande composição.
O flagelo de Cristo
Desencantado, pobre e abandonado, na manhã de um domingo de carnaval, em 22 de fevereiro de 1903, Victor Meirelles morre aos 71 anos, na casa simples onde vivia. O artista era casado com Rosália Fraga, que já tinha um filho de união anterior, a quem ele adotou, mas não deixou descendência direta e sobre sua vida privada nada se sabe. Sua viúva doou seu espólio à Escola Nacional de Belas Artes, que realizou uma exposição póstuma em sua homenagem. A viúva faleceu pouco depois, ainda no mesmo ano.
FONTES:
- Silva, Tathianni Cristini da. O Patrimônio Cultural do Centro Histórico de Florianópolis: um estudo do papel dos Museus Histórico de Santa Catarina e Victor Meirelles na preservação e produção da cultura;
- Franz, Teresinha Sueli. "Victor Meirelles e a Construção da Identidade Brasileira". In: 19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte, 2007; II;
- Rubens, Carlos. "Victor Meirelles". In: Pequena História das Artes Plásticas no Brasil [1941]. Edição Brasiliana online, pp. 123-131;
- Mallmann, Regis. Os passos do maior pintor brasileiro do século XIX entre Desterro, Paris e o Rio de Janeiro.
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