S.M.I. o senhor Dom Pedro I, Imperador do Brasil
S.M.R. o senhor Dom Pedro IV, Rei de Portugal
Nos bancos da escola você aprendeu, mas já deve ter esquecido, o que aconteceu com Dom Pedro I depois que ele abdicou o trono do Império do Brasil em favor do seu filho Pedro II. Foi em 1831, nove anos após o Grito do Ipiranga, quando o Brasil rompera de vez os laços que o uniam ao reino de Portugal. D. Pedro I, enfrentando forte oposição na Corte, abriu mão da coroa de imperador, exilando-se na França, onde passou, provavelmente, os seis meses mais angustiantes e divertidos da sua vida.
Angustiantes porque o ex-imperador vivia uma situação inusitada. Depois da morte de seu pai, D. João VI, em 1826, ele herdara o trono de Portugal. Não podendo ser rei de dois países, abdicou a coroa portuguesa em favor de sua filha, Maria da Glória, que tinha então sete anos. Quando crescesse, a menina deveria se casar com o tio, Dom Miguel, irmão de D. Pedro, que se tornaria rei consorte. Só que D. Miguel, ambicioso e autoritário, não tinha paciência para esperar. Queria ser rei imediatamente, restaurando a monarquia absolutista em Portugal. Assim, roubou a coroa da sobrinha, num golpe político que fechou os portos de Portugal a D. Pedro e sua família.
Portanto, depois de abdicar o trono do Brasil, D. Pedro partiu para a Europa, sem poder voltar a Portugal. A França, que vivia sob a monarquia liberal do rei Luís Filipe d’Orléans, oferecia-lhe asilo e um discreto apoio para que D. Pedro tentasse destronar D. Miguel em Lisboa. O exílio em Paris surgia, então, como uma solução provisória na saga do ex-imperador.
Palacete de Dom Pedro, hoje
Depois de passarem alguns meses no castelo de Meudon, cedido pelo rei Luís Filipe, D. Pedro e sua família alugaram um palacete na rue de Courcelles, no centro de Paris. Ali D. Pedro organizou a esquadra que, partindo da França, invadiria Portugal em 1832. Foram incontáveis reuniões secretas com ministros franceses e britânicos e, sobretudo, com os banqueiros que financiariam a guerra.
Sala Favart
Em dezembro de 1831, quando a ex-imperatriz Amélia deu à luz a sua primeira e única filha, Maria Amélia, o palacete da rue de Courcelles abriu as portas para as visitas oficiais. No réveillon, D. Pedro ofereceu um jantar ao almirante Jean-Baptiste Grivel que, nos momentos de tensão que antecederam a abdicação, comandava a esquadra francesa fundeada na baía de Guanabara, dando total apoio à família imperial. Ao jantar seguiu-se a troca de prendas pelo ano novo, com a presença das crianças: a recém-nascida Maria Amélia; Maria da Glória, agora com 12 anos, filha da falecida imperatriz Leopoldina; e Isabel Maria, de 7 anos, filha bastarda de D. Pedro com a Marquesa de Santos.
O dia de Reis, 6 de janeiro, era, e ainda é, celebrado na França, sobretudo em Paris, com a galette des Rois, uma torta de massa folheada recheada com creme de amêndoa, bem diferente do bolo de Reis dos brasileiros. Na rue de Courcelles, a família do ex-imperador seguia, entretanto, a tradição francesa. Naquele dia a criança mais nova da família, Isabel Maria, escondeu-se em baixo da mesa e de lá, sem ver a torta, como manda o costume, determinou a distribuição das fatias para os convivas. Quem encontrasse a “fava” na sua fatia teria o direito de ser coroado rei por um dia. D. Pedro, um pândego que já abdicara dois tronos preferiu abster-se – outra coroa, nem de brincadeira! Numa distribuição de fatias tradicionalmente mancomunada para favorecer as crianças, a fava foi encontrada por Maria da Glória, que teve direito de acumular duas coroas – a de Portugal e uma nova, de papel, muito mais leve e divertida do que aquela de um reino à beira da guerra civil.
No dia 25 de janeiro de 1832, D. Pedro finalmente partiu para o arquipélago dos Açores, onde se concentrava a esquadra que invadiria Portugal. Dezoito meses mais tarde, reconquistou Lisboa, recuperando o trono para sua filha Maria da Glória, coroada como rainha Maria II. Pena que D. Pedro tenha morrido um ano depois, aos 35 anos, vítima da tuberculose que contraíra durante a guerra contra o seu irmão.
Por Maurício Torres Assumpção, autor de A história do Brasil nas ruas de Paris – finalista do prêmio Jabuti 2015
LINK ORIGINAL - CONEXÃO PARIS
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