quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Dom Pedro I e as festas de fim de ano em Paris

S.M.I. o senhor Dom Pedro I, Imperador do Brasil
S.M.R. o senhor Dom Pedro IV, Rei de Portugal

Nos bancos da escola você aprendeu, mas já deve ter esquecido, o que aconteceu com Dom Pedro I depois que ele abdicou o trono do Império do Brasil em favor do seu filho Pedro II. Foi em 1831, nove anos após o Grito do Ipiranga, quando o Brasil rompera de vez os laços que o uniam ao reino de Portugal. D. Pedro I, enfrentando forte oposição na Corte, abriu mão da coroa de imperador, exilando-se na França, onde passou, provavelmente, os seis meses mais angustiantes e divertidos da sua vida.

Angustiantes porque o ex-imperador vivia uma situação inusitada. Depois da morte de seu pai, D. João VI, em 1826, ele herdara o trono de Portugal. Não podendo ser rei de dois países, abdicou a coroa portuguesa em favor de sua filha, Maria da Glória, que tinha então sete anos. Quando crescesse, a menina deveria se casar com o tio, Dom Miguel, irmão de D. Pedro, que se tornaria rei consorte. Só que D. Miguel, ambicioso e autoritário, não tinha paciência para esperar. Queria ser rei imediatamente, restaurando a monarquia absolutista em Portugal. Assim, roubou a coroa da sobrinha, num golpe político que fechou os portos de Portugal a D. Pedro e sua família.

Portanto, depois de abdicar o trono do Brasil, D. Pedro partiu para a Europa, sem poder voltar a Portugal. A França, que vivia sob a monarquia liberal do rei Luís Filipe d’Orléans, oferecia-lhe asilo e um discreto apoio para que D. Pedro tentasse destronar D. Miguel em Lisboa. O exílio em Paris surgia, então, como uma solução provisória na saga do ex-imperador.

Palacete de Dom Pedro, hoje
Palacete de Dom Pedro, hoje

Depois de passarem alguns meses no castelo de Meudon, cedido pelo rei Luís Filipe, D. Pedro e sua família alugaram um palacete na rue de Courcelles, no centro de Paris. Ali D. Pedro organizou a esquadra que, partindo da França, invadiria Portugal em 1832. Foram incontáveis reuniões secretas com ministros franceses e britânicos e, sobretudo, com os banqueiros que financiariam a guerra.

Sala Favart
Sala Favart

Mas nem tudo era conspiração. Nas horas vagas D. Pedro e sua esposa, a ex-imperatriz Amélia, se esbaldaram nos teatros e salas de concertos de Paris. De tanto frequentar o Teatro Italiano, na Sala Favart, o ex-imperador conheceu o mestre da ópera italiana Gioachino Rossini, autor, entre outras pérolas, de “O Barbeiro de Sevilha”. Rossini, lisonjeado pela frequência de D. Pedro, acabou por apresentar algumas peças musicais compostas pelo ex-imperador. Segundo a imprensa da época, o próprio D. Pedro teria subido ao palco para reger a sua “Grande Abertura”, que impressionou o público acostumado às óperas italianas.

Em dezembro de 1831, quando a ex-imperatriz Amélia deu à luz a sua primeira e única filha, Maria Amélia, o palacete da rue de Courcelles abriu as portas para as visitas oficiais. No réveillon, D. Pedro ofereceu um jantar ao almirante Jean-Baptiste Grivel que, nos momentos de tensão que antecederam a abdicação, comandava a esquadra francesa fundeada na baía de Guanabara, dando total apoio à família imperial. Ao jantar seguiu-se a troca de prendas pelo ano novo, com a presença das crianças: a recém-nascida Maria Amélia; Maria da Glória, agora com 12 anos, filha da falecida imperatriz Leopoldina; e Isabel Maria, de 7 anos, filha bastarda de D. Pedro com a Marquesa de Santos.

O dia de Reis, 6 de janeiro, era, e ainda é, celebrado na França, sobretudo em Paris, com a galette des Rois, uma torta de massa folheada recheada com creme de amêndoa, bem diferente do bolo de Reis dos brasileiros. Na rue de Courcelles, a família do ex-imperador seguia, entretanto, a tradição francesa. Naquele dia a criança mais nova da família, Isabel Maria, escondeu-se em baixo da mesa e de lá, sem ver a torta, como manda o costume, determinou a distribuição das fatias para os convivas. Quem encontrasse a “fava” na sua fatia teria o direito de ser coroado rei por um dia. D. Pedro, um pândego que já abdicara dois tronos preferiu abster-se – outra coroa, nem de brincadeira! Numa distribuição de fatias tradicionalmente mancomunada para favorecer as crianças, a fava foi encontrada por Maria da Glória, que teve direito de acumular duas coroas – a de Portugal e uma nova, de papel, muito mais leve e divertida do que aquela de um reino à beira da guerra civil.

No dia 25 de janeiro de 1832, D. Pedro finalmente partiu para o arquipélago dos Açores, onde se concentrava a esquadra que invadiria Portugal. Dezoito meses mais tarde, reconquistou Lisboa, recuperando o trono para sua filha Maria da Glória, coroada como rainha Maria II. Pena que D. Pedro tenha morrido um ano depois, aos 35 anos, vítima da tuberculose que contraíra durante a guerra contra o seu irmão.

Por Maurício Torres Assumpção, autor de A história do Brasil nas ruas de Paris – finalista do prêmio Jabuti 2015

LINK ORIGINAL - CONEXÃO PARIS

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