quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A CARTA AOS BRASILEIROS

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[Publicamos a Carta aberta aos Brasileiros que S.A.I.R. o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, dirigiu à Nação, no dia 4 de julho de 2006, véspera de seu Jubileu de Prata na Chefia da Casa Imperial do Brasil, 25 anos após ter sucedido seu saudoso pai, S.A.I.R. o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, como legítimo herdeiro do Trono e Imperador “de jure” e Defensor Perpétuo do Brasil.]

Quis a Providência Divina que, há vinte e cinco anos, recaísse sobre minha pessoa o múnus da Chefia da Casa Imperial do Brasil.

O transcurso desta data particularmente significativa e, mais ainda, as condições dramáticas pelas quais passa o Brasil, me impõem o dever de um pronunciamento.

Faço-o pela diligência e pelo desvelo que me animam enquanto Príncipe brasileiro. Pelo falecimento de meu saudoso Pai, o Príncipe D. Pedro Henrique de Orleans e Bragança, deu-se naturalmente minha ascensão à condição de Chefe da Casa Imperial.

Permita-se-me pois, que para sua figura de Príncipe católico eu volte, antes de tudo, meu olhar filial e a ele dedique minhas primeiras palavras desta carta. Meu Pai foi no Brasil – em tempos em que, infelizmente, já grassava a desagregação familiar – um modelo de chefe de família.

Com a ajuda preciosa e incansável de minha querida Mãe, inculcou-me ele – bem como a todos os meus onze irmãos e irmãs – a noção dos deveres de Príncipes e das obrigações para com a Pátria.

Senhor de uma sólida cultura, meu Pai voltou do exílio na esperança de empreender ampla atuação com vistas a esclarecer os brasileiros sobre as vantagens da forma monárquica de governo, na qual via a solução normal para os problemas do Brasil.

Mas como para ele a restauração monárquica não constituía uma esperança pessoal e muito menos uma ambição política particular, logo percebeu que não era possível nem oportuno desenvolver a ação pública que tanto almejava. Cônscio das limitações que as circunstâncias políticas lhe impunham, não deixou, entretanto, de em determinados momentos fazer ouvir sua voz, sempre dentro da mais estrita legalidade, dando mostras vivas de como, na condição de herdeiro legítimo do Trono, se debruçava com afinco sobre a realidade do País.

Diante da admiração e respeito que, em sua generalidade e até em distinção de colorido político, os brasileiros conservavam para com a Família Imperial, entendeu ele ainda o papel de natureza social que cabia à Família Imperial desempenhar no panorama nacional, “um conjunto de tradições e valores morais cuja ação de presença no Brasil contemporâneo se exerce de uma maneira discreta, porém profunda e eficaz”, segundo suas próprias palavras.

Espelhei-me no exemplo paterno, de catolicidade, de fidelidade a princípios, de amor ao Brasil, nestes vinte e cinco anos de Chefia da Casa Imperial. Como ele, segui o exemplo de meus maiores na condução desta missão, acompanhando com uma atenção feita de solicitude e devotamento à evolução das circunstâncias de nossa realidade nacional.

Entretanto, essas mesmas circunstâncias exigiram de mim uma atitude de maior presença no panorama brasileiro. Assim, tive a alegria de contribuir, de modo decisivo, para uma mudança marcante na situação da corrente monárquica no Brasil, ao dirigir aos constituintes de 1988 uma carta que viria a ser determinante para o fim da cláusula pétrea e para a realização do Plebiscito sobre forma e regime de governo.

A realização de tal Plebiscito exigiu igualmente de mim e de meus irmãos – com merecido destaque para meu querido irmão, D. Bertrand, Príncipe Imperial do Brasil – uma presença marcante na cena pública. Operou-se assim uma transformação fundamental para a corrente monárquica, sobretudo após o expressivo resultado obtido nas urnas.

Deixou ela de ter sua liberdade cerceada e de ser vista como um diminuto grupo de utópicos saudosistas, para ganhar foros de cidadania e, mais ainda, se tornar uma corrente de pensamento e ação de reconhecida relevância.

Após a realização do Plebiscito, a Família Imperial recolheu-se ao perfil discreto de intervenção na cena pública que a caracterizara anteriormente, na medida em que a mudança de cenário o permitia. Continuou ela a abster-se de uma interferência ativa no embate dos interesses e paixões das forças que predominavam no cenário político do País, não se eximindo, entretanto, de seguir de perto e com atenção tudo o que aqui se passa e quanto no exterior se diz respeito ao Brasil.

Hoje, uma vez mais, diante das circunstâncias de suma gravidade em que se encontra o Brasil, sinto-me obrigado a pronunciar-me enquanto Chefe da Casa Imperial. Levam-me a isso diversos fatores, entre os quais apelos de monarquistas de variados pontos do País e até de brasileiros sem especiais simpatias pela forma de governo monárquica, os quais consideram que, na condição de continuador de uma linhagem tão intimamente unida aos destinos do Brasil, deveria externar minhas considerações a respeito do momento Pátrio.

* * *

O Brasil é atualmente sacudido por uma somatória de naturezas diversas – morais, ideológicas, políticas, sociais, institucionais. A entrelaçar-se em todas elas, até uma crise religiosa, fruto das dissensões que perpassam os ambientes católicos e vão repercutindo em nossa população de modo palpável.

Talvez nunca, desde sua Independência, o País tenha atravessado um momento tão grave e de tantos perigos para seu futuro. Após um processo político, cujas origens e desenvolvimento não é o momento de analisar, a opinião pública assiste agora ao triste espetáculo de desmoronamento das instituições públicas e do enfraquecimento do Estado, sem precedentes em nossa história.

Processo tão mais grave, uma vez que revela a intenção de impor a nosso País o domínio de ideologias alienígenas e tão distantes do sentir e pensar de nosso povo. Na história recente tanto se tem falado de liberdade e, em nome dela, quantos pensam em caminhar rumo à tirania!

A avalanche desconcertante de desmandos, indignidades, atos de corrupção e até mesmo de crimes, perpetrados em altas esferas do Poder público, geram em nosso povo um misto de desagrado, de inconformidade, de indignação. Mas, ao mesmo tempo, uma sensação de impotência diante da magnitude do ocorrido e da impossibilidade prática de reagir.

Um dos mais inapreciáveis bens e legados de nossos maiores é sem sombra de dúvidas a unidade nacional, plasmada por séculos de Civilização Cristã, desde que as naus de Cabral, marcadas pela Cruz de Cristo, aqui aportaram, trazendo em seu bojo promessas de riquezas espirituais e culturais.

Ora, é precisamente sobre as ameaças a esta unidade que recaem minhas principais preocupações. Vejo com apreensão acirrarem-se os ânimos em torno das mais diversas questões. Como que por impulsos misteriosos, tenta-se jogar brasileiros contra brasileiros em embates fratricidas, muitas vezes com o fantasma da luta de classes como fundo de quadro.

No nosso interior, verdadeiras hordas de agitadores se atiram de modo inclemente contra aqueles brasileiros que, em um esforço abnegado, aproveitam, pelas vastidões desse Brasil, as riquezas de nosso solo. Mais ainda, vozes exóticas se fazem ouvir para atacar como maléfica qualquer ideia de sadio progresso humano, acenando com soluções radicais de um completo primariam cultural e de uma inteira indigência material.

Intelectuais utópicos, políticos eivados de estranhas ideologias, adeptos de errôneas correntes teológicas, forçam a implantação de políticas públicas de conotação racial que ameaçam a integração harmônica reinante em nosso País, podendo abrir no tecido social, elas sim, em nome de um igualitarismo radical, as chagas de uma discriminação e de um racismo até agora inexistentes.

Outros tentam ainda, de tempos em tempos, com base em explosões violentas de inequívoca artificialidade, criar em nosso território "nações", cujas primeiras vítimas serão precisamente nossos irmãos indígenas que, em sua grande maioria, apenas anseiam por ser elementos positivos nessa soma de raças e de povos que aqui se foi constituindo.

Nesse quadro, já carregado, irrompe com uma fúria e uma precisão desconhecidas até agora, a mão do crime, lançando o caos em grandes cidades, aterrorizando populações e fazendo vítimas inocentes. Enquanto de cá, de lá e de acolá se fazem ouvir estranhas justificativas de tais atos, como nascidos de uma injustiça social gritante e iníqua.

Ao considerar o panorama internacional sou obrigado a reconhecer que esse ambiente de convulsão, alimentado artificialmente em nosso Brasil, está também nele presente. As relações entre nações encontram-se impregnadas da idéia de confrontos acrimoniosos, de países ricos contra países pobres, de países desenvolvidos contra subdesenvolvidos, de países do norte contra países do sul, em designações simplistas e arbitrárias.

E se tais desavenças e tensões são marcantes na cena mundial o são particularmente no âmbito sul-americano, de si normalmente tranqüilo. Nosso querido Brasil, tanto na vigência da Monarquia, como já no regime republicano, destilou uma das mais sutis escolas diplomáticas, a qual levou o País a exercer, por diversas vezes, na cena internacional papel de destaque, sempre de harmonizador dos interesses em disputa.

É, pois, com preocupação redobrada que vejo o Brasil aparecer cada vez mais, na cena latino-americana, e na cena internacional, como um fator de discórdia e de acirramento de tensões.

* * *

O conjunto dessas considerações me traz à mente as palavras que em 1987 dirigi aos deputados constituintes e que me permito aqui repetir: "Estou persuadido de que nosso povo, altaneiro, religioso e bom, nada tem de comum com as vozes enganadoras que de todas as partes se levantam, fazendo ouvir sentimentos de discórdia e anseios de convulsão".

Na verdade, o Brasil sempre anelou por uma sociedade regida pela harmonia cristã, em que reinassem a doçura, a colaboração das pessoas umas com as outras, a proteção e dedicação, a bondade e fidelidade, o gosto de ver a felicidade do semelhante, e até mesmo a grandeza e superioridade do próximo.

O Brasil herdou do português a bondade e a cordura, do índio uma grande intuição, da raça negra a capacidade de dedicar-se desinteressadamente. E dessa combinação feliz resultou esse povo que soube receber em seu seio generosamente pessoas de todas as raças e povos, que aqui se mesclam e se misturam harmonicamente.

Como que a combinar com esta alma generosa e disposta a fazer o bem, quis a Providência dotar-nos de um território incomensurável, com recursos a bem dizer inesgotáveis, em que temos todos os climas, exceto os desertos de areia e de gelo. O Brasil não tem, nem nunca teve desígnios imperialistas, no sentido pejorativo do termo. E sempre ansiou por utilizar seus dons de alma e materiais como fator de harmonia no convívio internacional.

E se houve momentos em que se ergueu com brio e ardor, até em armas, foi porque se sentiu atingido nesse senso de justiça que – apesar de pouco comentado – lhe é tão peculiar. Não de um mal entendido senso de justiça, nascido da inveja e com intuitos niveladores, mas decorrente da noção do que a cada indivíduo e cada povo cabe legitimamente.

E assim foi o Brasil, ao longo dos tempos – é verdade que, por vezes, com debilidades e fraquezas – procurando realizar sua vocação providencial, buscando um verdadeiro progresso intelectual e material, a fim de poder exercer realmente a sua influência benéfica no âmbito individual e internacional.

* * *

Seguindo as tradições de serviço e de desvelo que caracterizaram a Família Imperial – tanto na época em que dirigia os destinos do País, como posteriormente, nos anos do exílio a que a obrigaram as vicissitudes políticas ou já depois integrada à vida do País – apelo a todos os brasileiros, independentemente do colorido político que os anima, e muito particularmente àqueles que comungam dos ideais monárquicos, para que, neste momento decisivo de nossa história, procurem discernir e caracterizar os fatores de desagregação que atuam em nossa cena pública, a eles opondo uma ação esclarecedora, sempre pacífica, mas determinada.

E não se deixem envolver pelas manobras inescrupulosas daqueles que buscam, a todo o custo, dilacerar nossa unidade nacional. Dom Pedro I, seguindo as melhores tradições da Casa de Bragança, houve por bem consagrar o Brasil a Nossa Senhora Aparecida.

É para Ela que, com veneração e confiança, ao final destas considerações, se voltam meu olhar e minhas preces. Para que uma vez mais faça sentir seu desvelo e sua proteção maternais sobre este querido Brasil, a fim de que prossiga e se regenere, uno e invicto nas vias gloriosas da Civilização Cristã, rumo à peculiar grandeza – também cristã – que é o destino específico de nossa Pátria.

Rio de Janeiro, 4 de junho de 2006.

Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança

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